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Hemocromatose: diagnóstico e manejo

Hemocromatose é definida pela sobrecarga do conteúdo total de ferro no organismo. Quando o termo hemocromatose é usado isoladamente refere-se a hemocromatose hereditária, deixando-se de fora as causas secundárias de hemocromatose (usualmente transfusões frequentes por anemia hemolítica por hemoglobinopatias). O principal gene acometido é o HFE (pelas mutações C282Y ou H63D), mas outros genes podem estar acometidos com menor frequência e tendem a dar manifestações em idade mais precoce. Trata-se de uma doença heterogênea, mais comum em pessoas de ancestralidade européia.

Independente do gene acometido, o evento central da hemocromatose é o
aumento da absorção intestinal de ferro
, mediado pela redução da produção do hormônio hepcidina nos hepatócitos. Este ferro em excesso, por sua fez, começa a se acumular em diferentes tecidos do corpo. Assim, suas manifestações são variadas, sendo as principais cirrose,
diabetes mellitus (DM)
, artropatia e cardiopatia. A prevalência da homozigose no Brasil não é sabida, mas dados americanos sugerem que haja 4 casos para cada 1000 habitantes. Neste texto vamos revisar aspectos do seu diagnóstico e manejo clínico.

Avaliação clínica e diagnóstico

Manifestações clínicas e complicações

A hemocromatose é uma doença multissistêmica, em que os depósitos de ferro levam ao comprometimento do funcionamento de vários órgãos. Apesar de ser uma doença genética, em que a alteração funcional está presente desde o nascimento, as manifestações surgem apenas entre os 40-50 anos, após várias décadas de deposição de ferro. Atualmente, está aumentando o diagnóstico na fase pré-clínica, seja pela realização de exames do metabolismo do ferro, seja por investigação de pacientes com história familiar positiva.

Entretanto, com base em dados mais antigos, sabe-se que alterações hepáticas, sintomas constitucionais (fraqueza e letargia), pigmentação, diabetes, artralgias e disfunção sexual são as manifestações mais comuns. Na
Tabela 1
apresentamos os órgãos acometidos e as principais manifestações clínicas.

Tabela 1.
Órgãos acometidos pela hemocromatose e suas principais manifestações clínicas. Referência 3.

Diagnóstico

O diagnóstico de hemocromatose é relativamente direto na combinação de um contexto clínico compatível ou sinais laboratoriais de sobrecarga de ferro com a identificação da mutação. Isso se dá usualmente em um paciente com história familiar de hemocromatose hereditária ou em pessoas com quadro clínico compatível (como apresentado acima).

Na
Figura 1
apresentamos um resumo da abordagem diagnóstica. Um aspecto importante de destacar é que pacientes com hemocromatose não é esperada policitemia associada a não ser que haja de forma associada causa para policitemia.

Figura 1.
Abordagem diagnóstica de pacientes com suspeita de hemocromatose. Adaptado das referências 2 e 3.

Abordagem diagnóstica de pacientes com suspeita de hemocromatose

A sobrecarga de ferro normalmente se manifesta com aumento da saturação da transferrina e da ferritina de forma associada. Nesta avaliação, vale-se destacar que, por si só, um indivíduo com saturação acima de 45% e ferritina elevada tem alta probabilidade do diagnóstico.

Além disso, deve-se atentar que a sobrecarga de ferro é um processo sequencial e alguns pacientes podem ter apenas elevação da saturação sem ainda elevação da ferritina. Elevações isoladas da ferritina não excluem o diagnóstico, mas devem levar a consideração de outros diagnósticos (frequentemente doença hepática gordurosa metabólica ou outras causas de dano hepático). Na
Tabela 2
apresentamos possíveis causas de elevação de ferritina, bem como causas secundárias de sobrecarga de ferro.

Tabela 2.
Diagnósticos diferenciais de hemocromatose. Adaptado das referências 2, 3 e 4.

Diagnósticos diferenciais de hemocromatose

O principal exame para confirmação diagnóstica é a investigação da mutação C282Y no gene
HFE
, que é o principal envolvido nos casos de hemocromatose hereditária e é bastante disponível. Dependendo do laboratório, pode haver também disponibilidade da segunda mutação mais comum (H63D) na mesma avaliação. Seu rastreamento não deve ser realizado populacionalmente, mas familiares de pacientes com hemocromatose confirmada devem ser investigados para acompanhamento clínico-laboratorial mais próximo.

Em pacientes com quadro clínico-laboratorial compatível e mutação negativa, deve-se considerar a possibilidade de haver mutação menos comuns no genes
HFE
ou mesmo acometimento de outros genes. Nestas situações é recomendada complementar o diagnóstico em centros de pesquisa (para avaliar as outras mutações) ou realizar pesquisa do conteúdo de ferro no fígado. Na primeira, realiza-se uma biópsia hepática e se estima o conteúdo de ferro hepático; esse método tem como vantagem também auxiliar no diagnóstico diferencial e estimar o grau de fibrose. Assim, algumas diretrizes recomendam sua realização quando há ferritina > 1000 ng/dL (mesmo que já haja o diagnóstico de hemocromatose) para estadiamento do grau de fibrose.

Manejo

O tratamento da hemocromatose visa controlar o excesso de ferro e o dano nos órgãos alvo. Neste aspecto, a principal intervenção é realizar o diagnóstico de forma precoce e iniciar o tratamento antes que manifestações clínicas se apresentem. A base do tratamento é a realização de sangrias.

Do ponto de vista de medidas de hábitos de vida, as principais recomendações são evitar o consumo de álcool, evitar e controlar obesidade e realizar atividades físicas rotineiramente. Em função do risco de infecções, deve-se evitar alimentos
in natura
. Para além desses cuidados, não existe clareza se cuidados alimentares auxiliam no controle dos estoques de ferro, mas é consenso recomendar evitar consumo excessivo de vitamina C e de carnes vermelhas. Também deve-se revisar a situação vacinal para hepatite A e B e realizar essas vacinas naqueles não imunes.

O uso de flebotomia (sangria terapêutica) é recomendado em todos os pacientes com sobrecarga de ferro. A dose de flebotomias depende de paciente para paciente, mas é comum a necessidade de remoção de 500 mL de sangue semanalmente até se atingir os alvos terapêuticos; adaptações de acordo com a tolerância do paciente e disponibilidade podem ser necessárias. Busca-se, como alvo, dosagens de ferritina < 50 ng/dL e saturação de transferrina < 50%. Esses exames devem ser monitorados mensalmente na fase mais intensa de flebotomias. Após atingir o alvo, pode-se reduzir a frequencia para uma vez a cada 3-4 meses. Os principais efeitos adversos do tratamento são relacionados à punção, como flebite no local da punção, hematoma, fatiga e punções em nervos e artérias.

Uma dúvida comum é quanto ao uso do sangue de flebotomias para transfusão. Infelizmente, a legislação do Brasil veta esse tipo de uso, mas nos Estados Unidos da América isso é permitido, desde que o paciente não tenha outra contraindicação. A principal restrição é que os centros que utilizem o sangue façam sangrias terapêuticas (independente da decisão de doação) de forma gratuída, para evitar qualquer estímulo financeiro para doação.

O tratamento farmacológico com quelantes é reservados para casos selecionados. É mais comumente utilizado em pacientes com hemocromatose secundária a múltiplas transfusões por anemia e tem um perfil de efeitos adversos pouco favorável. Devem ser utilizados com apoio de hematologista com experiência na área. Por fim, inibidores de bomba de prótons reduzem a absorção de ferro e alguns estudos sugerem redução da necessidade de flebotomias. Entretanto, devem ser utilizados apenas naqueles pacientes com outras indicações para o fármaco, como dispepsia e doença do refluxo gastroesfoágico.

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