Cuidados de Enfermagem na ECMO: fundamentos e riscos

Fundamentos da ECMO para enfermagem
A ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea) é uma técnica de suporte extracorpóreo capaz de prover oxigenação sanguínea e ventilação em pacientes cuja função cardíaca e/ou pulmonar está seriamente comprometida.
Indicações típicas incluem falência respiratória grave (como em pneumonia, síndrome do desconforto respiratório agudo — SDRA, COVID-19), e situações que exigem suporte cardiopulmonar, como choque cardiogênico, miocardites, complicações pós-transplante cardíacos ou pós-cirurgia cardíaca, e parada cardíaca refratária.
Diferença entre ECMO venoarterial (VA) e venovenosa (VV)
ECMO Venoarterial (VA)
- Função principal: substituir coração e pulmões.
- Como funciona:
- O sangue é retirado de uma veia central (geralmente femoral).
- Passa pelo oxigenador de membrana, onde recebe oxigênio e elimina CO₂.
- É devolvido diretamente a uma artéria (femoral ou subclávia).
- Indicações:
- Choque cardiogênico grave.
- Parada cardiorrespiratória refratária (ECPR).
- Miocardite fulminante.
- Suporte após cirurgia cardíaca complexa.
- Pontos críticos para enfermagem:
- Monitorar perfusão periférica (risco de isquemia em membros).
- Atenção à pressão arterial média e ao débito cardíaco.
- Risco aumentado de sobrecarga do ventrículo esquerdo → monitorização rigorosa da função cardíaca.
ECMO Venovenosa (VV)
- Função principal:substitui apenas os pulmões.
- Como funciona:
- O sangue é drenado de uma veia central (femoral ou jugular).
- Passa pelo oxigenador de membrana, recebendo oxigênio e liberando CO₂.
- Retorna ao paciente através de uma veia central (ex.: jugular ou femoral, dependendo da configuração).
- Indicações:
- Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).
- Pneumonias graves (ex.: por COVID-19).
- Aspiração maciça ou insuficiência respiratória refratária.
- Pontos críticos para enfermagem:
- O débito cardíaco do paciente permanece dependente do coração (não há suporte circulatório).
- Foco nos parâmetros de oxigenação e ventilação.
- Observar recirculação de sangue (quando a drenagem e retorno venoso estão muito próximos).
Ou seja, a ECMO VV é direcionada a suporte respiratório, retirando sangue da veia, oxigenando e devolvendo à circulação venosa. Já a VA fornece suporte cardíaco e respiratório mediante retorno arterial, suportando a perfusão sistêmica. A VA exige fluxo suficiente para perfusão e saturação venosa adequada, mas cuidado com sobrecarga do ventrículo esquerdo é necessário.
Cuidados de enfermagem durante a assistência com ECMO
O enfermeiro crítico assume papéis centrais: monitoramento contínuo (hemodinâmico, respiratório, neurológico), manutenção da integridade do circuito (fleboclitores, alertas), prevenção de complicações e coordenação de cuidados multiprofissionais, com atenção específica à segurança do paciente no suporte ECMO.
Monitorização hemodinâmica, respiratória e neurológica: Monitoramento contínuo de frequência cardíaca, pressão arterial, oximetria venosa, débito cardíaco e parâmetros ventilatórios é essencial. Também é necessário avaliar estado neurológico de forma frequente, com escalas como o RASS e checagem pupilar.
Cuidados com cânulas e prevenção de deslocamento: Deve-se observar cuidadosamente os locais de inserção das cânulas, manter técnica estéril, e tomar cuidado ao reposicionar o paciente ou realizar higiene corporal para evitar deslocamentos.
Higiene corporal, controle de temperatura e balanço hídrico: Pacientes em ECMO são suscetíveis à hipotermia. O uso de aquecedores, cobertores térmicos e técnicas protetivas são fundamentais. Balanço hídrico rigoroso, com diuréticos ou uso de ultrafiltração, é necessário para evitar sobrecarga de volume.
Registro preciso e comunicação com a equipe: Documentação acurada e comunicação eficiente com médicos, perfusionistas e fisioterapeutas são cruciais. O registro de eventos, parâmetros vitais e troca de informações sustentam a segurança clínica.
Riscos e complicações associados à ECMO
Tromboembolismo, sangramentos e infecções: A anticoagulação, geralmente com heparina não fracionada (UFH), é essencial para prevenir tromboses no circuito, mas aumenta o risco de sangramento e trombocitopenia. Reações adversas como HIT (Heparin-Induced Thrombocytopenia) podem ocorrer. Complicações infecciosas são frequentes devido ao suporte prolongado, com prevalência de pneumonia associada a ventilador e infecção de sítio de inserção.
Complicações mecânicas (desconexão, falhas de sistema): O circuito ECMO pode falhar por desconexão, falha da bomba ou do oxigenador. A enfermagem deve estar preparada para enfrentar alarmes e intervenções emergenciais.
Identificação precoce de sinais de instabilidade: Alterações na saturação, instabilidade hemodinâmica, sangramentos ativos ou sinais infecciosos exigem ação imediata.
Precauções e protocolos de segurança
Aplicar protocolos padronizados e checklists é essencial para minimizar erros e garantir integridade do circuito e segurança do paciente. Estudos apontam que protocolos baseados em evidências reduzem infecções e lesões por pressão, além de aumentarem a autonomia e satisfação da equipe de enfermagem.
Procedimentos emergenciais, como redução de anticoagulação em sangramentos ou reacomodação da cânula em desconexões, devem ser conhecidos e treinados. A atuação rápida do enfermeiro é decisiva nos primeiros minutos da crise.
A ECMO exige educação continuada da equipe e treinamentos frequentes ampliam competência técnica e confiança dos profissionais.
Papel da enfermagem na equipe de ECMO
A ECMO envolve tecnologia avançada e requer uma equipe multiprofissional altamente capacitada. Dentro desse contexto, a enfermagem atua não apenas na execução de cuidados diretos, mas também na coordenação, vigilância contínua, comunicação clínica e educação de pacientes, familiares e profissionais.
1. Monitorização contínua e vigilância clínica
- O enfermeiro é responsável por observar o paciente minuto a minuto, identificando precocemente alterações hemodinâmicas, respiratórias ou neurológicas.
- Sinais como queda de saturação, alterações pupilares, sangramentos em cânulas ou instabilidade hemodinâmica precisam de resposta imediata.
- Essa vigilância contínua é essencial, porque complicações na ECMO podem evoluir de forma rápida e crítica.
2. Manutenção da integridade do circuito
- Embora a manipulação direta do sistema seja prioritariamente do perfusionista, o enfermeiro atua como “primeira linha de defesa”:
- Checagem de conexões.
- Atenção a alarmes da bomba e oxigenador.
- Observação de bolhas, coagulação visível no circuito ou recirculação.
- Pequenas alterações percebidas a tempo podem prevenir falhas mecânicas graves.
3. Atuação integrada com a equipe multiprofissional
- O enfermeiro é elo entre médicos, perfusionistas, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos.
- Durante os rounds clínicos, traz informações atualizadas do paciente, como balanço hídrico, resposta ventilatória, intercorrências de enfermagem e adesão a protocolos.
- Essa articulação favorece decisões clínicas mais seguras e compartilhadas.
4. Educação do paciente e da família
- Em casos em que o paciente está consciente (ex.: ECMO VV em pacientes acordados), o enfermeiro explica os procedimentos, reduz ansiedade e orienta sobre a importância da imobilidade das cânulas.
- Com a família, o enfermeiro atua como tradutor da linguagem técnica, ajudando na compreensão do quadro clínico e fortalecendo o vínculo de confiança.
5. Segurança do paciente e protocolos
- Implementação de checklists para manipulação do circuito, trocas de curativo em cânulas, posicionamento e higiene corporal.
- Garantia de medidas de prevenção de infecção, como higienização rigorosa das mãos, técnica asséptica em curativos e monitoramento de sinais de sepse.
- A enfermagem também lidera auditorias internas para verificar adesão aos protocolos institucionais e recomendações internacionais (ELSO – Extracorporeal Life Support Organization).
6. Registro preciso e comunicação eficaz
- Documentar parâmetros vitais, débito urinário, dados do circuito, intercorrências e condutas tomadas.
- Esses registros são fundamentais para análise epidemiológica, auditorias, acreditações hospitalares e pesquisas clínicas.
- A comunicação clara entre turnos de enfermagem evita falhas de continuidade no cuidado.
7. Capacitação e treinamento da equipe
- Enfermeiros especializados em ECMO geralmente atuam como educadores clínicos, promovendo:
- Simulações realísticas de emergências (ex.: sangramento maciço, falha de bomba).
- Treinamentos de atualização em anticoagulação, prevenção de infecção e mobilização precoce.
- Essa atuação fortalece a cultura de segurança e aumenta a confiança dos demais profissionais.
8. Liderança e protagonismo
- O enfermeiro não apenas executa cuidados, mas também exerce liderança prática e ética:
- Coordena rotinas diárias de cuidados intensivos.
- Identifica fragilidades no processo e sugere melhorias.
- Contribui para protocolos institucionais e programas de acreditação hospitalar.
Considerações finais
Treinamentos especializados e protocolos padronizados aumentam a segurança do paciente, reduzem complicações e fortalecem a atuação profissional. Os checklist, fluxos claros e comunicação interprofissional são pilares para a qualidade e segurança na assistência ECMO.
A especialização em terapia intensiva, tecnologia ECMO e segurança do paciente são investimentos que promovem protagonismo da enfermagem e resultados clínicos mais favoráveis.