A hiperglicemia intra-hospitalar é um evento comum, que ocorre tanto em pacientes com diabetes mellitus (DM) quanto em pacientes sem DM. Ela é potencialmente grave, está associada a maior permanência hospitalar, complicações clínicas e morte em pacientes clínicos e cirúrgicos (1).

Grandes estudos no contexto de terapia intensiva responderam dúvidas importantes da segurança e eficácia do tratamento desse desequilíbrio em pacientes criticamente doentes (2). Entretanto, em pacientes internados em enfermaria, os estudos são menores e de menor qualidade (3). Além disso, ainda é incerto se distúrbios da glicemia são fatores contribuintes diretos para desfechos ou apenas marcadores que refletem a gravidade do paciente (1).

Neste artigo, você vai conhecer 7 dicas para otimizar o manejo da glicemia dos pacientes internados em enfermarias sob seus cuidados.

1. Nem todo paciente precisa fazer glicemia capilar (GC)

A prescrição de realização GC não deve ser automática para todo paciente hospitalizado, mas ajustada para o contexto clínico. É indicado prescrever GC para:

1. pacientes com diagnóstico prévio de DM;

2. pacientes com fatores de risco para hiperglicemia intra-hospitalar: glicemia na admissão > 140 mg/dL, uso de corticoide, uso de octreotide, nutrição enteral ou parenteral.

Para pacientes com DM já sabido, é recomendado realizar GC de rotina durante toda a internação; para aqueles com fatores de risco, deve-se monitorizar por período mínimo de 24-48 horas e ajustar conforme essas primeiras observações (1). Não custa lembrar: todos os pacientes devem realizar uma medida de glicemia sérica na admissão hospitalar (1). Além disso, para pacientes com DM ou hiperglicemia (glicemia > 140 mg/dL) na admissão, deve-se considerar a dosagem de hemoglobina glicada, se esta não tiver sido realizada nos 2-3 meses prévios (1).

Em pacientes que se alimentam por via oral, deve-se prescrever GC antes das refeições e ao se deitar. Já entre os pacientes recebendo nutrição enteral contínua ou em jejum (ou NPO, que deriva da expressão em latim nil per os e significa “nada por via oral’), é recomendado aferir GC a cada 4-6 horas (1).

2. O alvo de glicemia deve ser individualizado

O alvo de glicemia usual em pacientes não-críticos é <140 mg/dL antes das refeições e <180 mg/dL se a medida for aleatória (inclusive pós-prandial). Esse limite deve ser repensado conforme a condição clínica do paciente: deve-se tolerar medidas mais elevadas em pacientes com múltiplas hipoglicemias, com marcada limitação da expectativa de vida, em cuidados paliativos exclusivos e com controle glicêmico lábil. Por outro lado, pode-se buscar controle mais estrito naqueles pacientes que não apresentam hipoglicemia (1). Dois parâmetros adicionais podem ser úteis (4):

(a) não baixar a GC para menos de 100 mg/dL e ter um "colchão" de segurança contra hipoglicemia caso haja algum evento agudo inesperados;

(b) evitar hiperglicemias acima de 180 mg/dL, evitando, assim, glicosúria, desidratação e acidose.

Quer saber mais sobre o assunto? Confira este artigo e descubra se existe evidência para solicitar glicemia de jejum em pacientes assintomáticos para DM!

3. A hipoglicemia está associada a piores desfechos e deve ser evitada

A incidência estimada de hipoglicemia intra-hospitalar (espontânea ou iatrogênica) varia de 3% a 30% e está associada a piores desfechos, incluindo maior mortalidade (1). Apesar do seu impacto, não se sabe se a hipoglicemia é causadora direto de malefícios ou um marcador da gravidade do paciente (assim como acontece na hiperglicemia).

Os principais fatores de risco são idade avançada, gravidade da doença (infecção grave, insuficiência renal, desnutrição), DM prévio e uso de antidiabéticos (1). A internação é um momento propício para este evento, dados a necessidade de ajuste de medicamentos, os períodos de jejum para exames e procedimentos e as alterações fisiológicas (variação da sensibilidade à insulina e dos mecanismos hormonais contrarregulatórios) (1).

O diagnóstico de hipoglicemia se dá pela tríade de Whipple (5):

(a) sintomas de hipoglicemia (alteração de consciência ou de comportamento, tremor, ansiedade, sudorese, parestesias);

(b) medida de glicemia baixa (usualmente < 70mg/dL) e;

(c) melhora dos sintomas após o aumento da glicemia.

Os profissionais (em especial equipe médica e de enfermagem) devem adotar medidas para limitar sua ocorrência (Tabela 1) (1).

Tabela 1. Estratégias para controle da hipoglicemia intra-hospitalar. Adaptado de (1).

4. A hiperglicemia intra-hospitalar é mais bem manejada com uso de insulina

O primeiro passo para controle da hiperglicemia é ajuste dietético. Entretanto, a maioria dos pacientes necessitarão de farmacoterapia. Nestes, insulina é o medicamento de escolha, mesmo para pacientes com DM sem uso de insulina ou para aqueles com hiperglicemia sem DM prévio (1). Isso se baseia na possibilidade de titular o tratamento com rapidez e maior facilidade; além do perfil de interações mais favorável (4).

As características farmacocinéticas dos principais tipos de insulina estão descritas na Figura 1. Essas informações são de grande utilidade para ajuste terapêutico e compreensão da necessidade de diferentes insulinas: enquanto a insulina basal (lentas) serve para evitar hiperglicemia no período de jejum (noite, principalmente), o uso de insulina bolus (rápidas) evita e corrige a hiperglicemia após as refeições.

Figura 1. Farmacocinética dos principais tipos de insulinas. Adaptado de (6).

Farmacocinética dos principais tipos de insulinas. O esquema basal bolus deve ser preferido em pacientes hospitalizados por condições agudas. As principais orientações sobre prescrição estão resumidas na Figura 2 (4). A insulina basal é aplicada 1 ou 2 vezes por dia na dose inicial de 0,2 a 0,5 UI/kg/dia. No contexto brasileiro, comumente se utiliza a insulina NPH 2 vezes ao dia. Para a insulina bolus, utiliza-se insulina regular ou análogo de curta duração (lispro, aspart, glulisina) na dose de 0,05 a 0,1 UI/kg/dose antes das 3 principais refeições (4). A prescrição inicial deve ser construída levando-se em conta o grau de hiperglicemia, idade e função renal. Idade mais elevada e função renal comprometida aumentam o risco de hipoglicemia; por outro lado, glicemias iniciais mais elevadas demandam doses iniciais de insulina maiores. A partir desse esquema inicial, ajustes a cada 48-72 horas são realizados. Em caso de hipoglicemia, deve-se realizar ajuste imediato na prescrição.

Figura 2. Prescrição de insulina em pacientes não-críticos hospitalizados. Adaptado de (4).

Prescrição de insulina em pacientes não-críticos hospitalizados

Uma abordagem alternativa à apresentada acima é a de basal plus, em que se utiliza insulina basal e correções com insulina rápida antes das refeições em que o paciente estiver com a GC maior que 140 mg/dL. Administram-se aproximadamente 2 UI a cada 40 mg/dL de GC acima de 140 mg/dL. Essa abordagem deve ser restrita para pacientes com DM tipo 2 e glicemia < 400 mg/dL. Ela parece ser mais simples e ter eficácia no controle glicêmico similar ao tratamento basal bolus tradicional (7).

5. Em situações selecionadas, considere manter medicamentos de uso ambulatorial na internação

Em pacientes com DM tipo 2 e com bom controle prévio, em alimentação plena via oral (sem previsão de jejum) e com função renal preservada, pode-se considerar a manutenção do tratamento de uso prévio (1). Além disso, deve-se revisar contraindicações e interações dos medicamentos em uso. Se houver uso de secretagogos (sulfonilureias ou glinidas), deve-se considerar redução de dose em 25-50% para evitar hipoglicemia, relacionada à redução da ingestão calórica e/ou jejum para exames, comuns no ambiente hospitalar (4).

O uso de inibidores da SGLT2 tem se tornado muito comum, inclusive entre pacientes com insuficiência cardíaca e sem hiperglicemia. Para pacientes que são internados e estão em uso de medicamentos desta classe, deve-se avaliar a indicação do uso e lembrar que não é a primeira escolha para tratamento de hiperglicemia em pacientes internados. Se optado por manter uso, deve-se atentar para hidratação adequada e risco de cetoacidose normoglicêmica (4).

6. Insulina regular conforme GC não é adequada para tratar hiperglicemia persistente

O uso de insulina rápida a cada 4-6 horas para correção de GC elevada isoladamente, sem relação com as alimentações e por período prolongado não deve ser utilizada. Esse tipo de esquema de tratamento (frequentemente chamado de "insulina conforme GC") está associado com pior controle glicêmico e maior risco de hipoglicemia (1). Apesar disso, por curtos períodos (NPO, perioperatório), esse esquema pode ser útil para compreender as necessidades de insulina do paciente antes de prescrever insulina basal.

Além disso, deve-se diferenciar a abordagem acima do uso de insulina para correção de acordo com a GC pré-prandial. Esta última abordagem é realizada aumentando a dose da insulina rápida fixa antes das refeições para limitar a incursão glicêmica pós-prandial. Esse tipo de abordagem é recomendado se associado com insulina basal e levando em conta a sensibilidade insulínica do paciente (1).

7. Perioperatório, uso de corticosteroides e nutrição enteral e parenteral exigem cuidados especiais

Assim como na maioria das situações de pacientes hospitalizados, a insulina é o fármaco de escolha em contexto perioperatório (1). Em pacientes bem controlados com antidiabéticos não insulina, deve-se suspender os medicamentos na véspera (não administrar no dia da cirurgia) e retomá-los próximo à alta hospitalar; eventuais hiperglicemias podem ser controladas com doses pequenas de insulina rápida prandial. Em paciente utilizando insulina, deve-se aplicar 2/3 da dose de insulina basal e bolus na noite anterior ao procedimento; na manhã do procedimento, 1/2 dose de insulina basal deve ser administrada e a insulina bolus deve ser suspensa (8).

A hiperglicemia é um evento comum entre pacientes em uso de corticosteroides e ocorre em 20-50% dos pacientes mesmo sem diagnóstico prévio de DM. Em pacientes iniciando o uso de corticoides e sem DM ou hiperglicemia prévia, é recomendado aferir GC durante as primeiras 24-48 horas do início do medicamento. Se todas as medidas nesse período forem <140 mg/dL, suspende-se a monitorização. Deve-se atentar que o principal efeito dos glicocorticoides é a hiperglicemia pós-prandial. O tratamento é semelhante à hiperglicemia por outras causas, mas deve-seprestar atenção em hipoglicemias e ajustes no tratamento quando o corticoide for reduzido ou suspenso (1).

Em pacientes recebendo nutrição parenteral ou enteral, é indicado monitorar a glicemia de pacientes até 24-48 horas após atingir a meta calórica desejada (1). Se houver hiperglicemia persistente, a terapêutica de escolha é administração de insulina em esquema basal-bolus, com atenção para aplicar a última dose de insulina de ação rápida entre 4-6 horas antes do término da infusão de dieta. Os principais desafios a que se deve estar atento nestes cenários são perda de via para alimentação (acesso venoso, sondas), descontinuação de dieta por náusea ou para infusão de medicamentos, jejum para procedimentos ou pausas noturnas (1).

Café pré-round: os pontos mais importantes deste assunto

Figura 3. Principais recomendações para manejo da hiperglicemia em pacientes não-críticos hospitalizados. Adaptada de (1,4)

principais recomendações para manejo da hiperglicemia em pacientes não-críticos hospitalizados

Editoria de Clínica Médica
Editor-chefe: Dimitris Varvaki Rados.
Médico internista e endocrinologista. Mestre e doutor em endocrinologia pela UFRGS. Preceptor do programa de residência médica em medicina interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e pesquisador do TelessaúdeRS.

Referências:

1. Umpierrez GE, Hellman R, Korytkowski MT, Kosiborod M, Maynard GA, Montori VM, et al. Management of hyperglycemia in hospitalized patients in non-critical care setting: an endocrine society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. janeiro de 2012;97(1):16–38.

2. Kansagara D, Fu R, Freeman M, Wolf F, Helfand M. Intensive insulin therapy in hospitalized patients: a systematic review. Ann Intern Med [Internet]. 15 de fevereiro de 2011 [citado 9 de junho de 2022];154(4). Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21320942/

3. Murad MH, Coburn JA, Coto-Yglesias F, Dzyubak S, Hazem A, Lane MA, et al. Glycemic Control in Non-Critically Ill Hospitalized Patients: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Clin Endocrinol Metab. 1o de janeiro de 2012;97(1):49–58.

4. UpToDate [Internet]. [citado 9 de junho de 2022]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/management-of-diabetes-mellitus-in-hospitalized-patients

5. Larry Jameson J, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL, Loscalzo J. Harrison’s Principles of Internal Medicine, Twentieth Edition (Vol.1 & Vol.2). McGraw-Hill Education; 2018. 4048 p.

6. Horton WB, Subauste JS. Top 10 Facts to Know About Inpatient Glycemic Control. Am J Med. fevereiro de 2016;129(2):139–42.

7. Umpierrez GE, Smiley D, Hermayer K, Khan A, Olson DE, Newton C, et al. Randomized Study Comparing a Basal-Bolus With a Basal Plus Correction Insulin Regimen for the Hospital Management of Medical and Surgical Patients With Type 2 Diabetes: Basal Plus Trial. Diabetes Care. agosto de 2013;36(8):2169.

8. Gamermann PW, Stefani LC, Felix EA. Rotinas em Anestesiologia e Medicina Perioperatória. Artmed Editora; 2016. 616 p.

7 dicas para o manejo da glicemia em pacientes não-críticos hospitalizados

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