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Acidente vascular encefálico pediátrico: etiologia e diagnóstico

O acidente vascular encefálico (AVE) em pediatria, também denominado acidente vascular cerebral (AVC) pediátrico, é uma condição rara, mas com morbidade e mortalidade significativas. A definição de acidente vascular encefálico (AVE) como "sinais e sintomas neurológicos de início agudo atribuídos a infarto ou hemorragia focal cerebral" também se aplica às crianças.  

A incidência de AVE em crianças é maior em neonatos (25-40 / 100.000 nascidos vivos por ano) do que em crianças com mais de 28 dias de vida pós-natal (13 / 100.000 nascidos vivos por ano). A classificação geral dos AVE em crianças é organizada basicamente em AVE perinatal e AVE infantil. O AVE perinatal ocorre entre 20 semanas de vida fetal e 28 dias de vida pós-natal, o AVE infantil (AVEI) ocorre e se apresenta clinicamente após 28 dias de vida pós-natal até 18 anos de idade. 

Diferença de fatores de risco e causas entre adultos e crianças 

Grande parte dos AVCs em adultos está relacionada aos fatores de risco tradicionais para aterosclerose, incluindo hipertensão, dislipidemia, obesidade, diabetes mellitus e tabagismo. Fatores de risco mais recentes, incluindo resistência à insulina e inflamação, também são importantes. A aterosclerose geralmente não é uma causa de AVC em crianças e adolescentes, embora agora esteja claro que o processo aterosclerótico que leva ao AVC na idade adulta pode começar na infância e que a dislipidemia tende a ser mais prevalente entre crianças com AVC isquêmico do que em outras crianças. Isso enfatiza a importância de promover a saúde vascular ideal por meio de uma boa alimentação, atividade física e evitar produtos de tabaco para protegê-los de acidentes vasculares cerebrais recorrentes na idade adulta. 

Dentre as possíveis causas em crianças estão as cardiopatias, sendo os acidentes cerebrovasculares cárdioembólicos responsáveis por cerca de 30% de todos os AVCs infantis. 

Outro fator de risco importante é a Doença Falciforme, nestas crianças o risco de AVC isquêmico é dramaticamente maior (>200 vezes) do que em crianças sem a doença, sendo uma das principais causas em crianças negras. 

Condições trombofílicas (hereditárias ou adquiridas) são associadas ao AVC isquêmico pediátrico, mas a extensão de sua contribuição é controversa. Em contraste com adultos, até 60% das crianças com Trombose de Seio Venoso Cerebral (TSVC) podem ter trombofilia. No entanto, em neonatos com AVC isquêmico arterial, a trombofilia não parece aumentar o risco de recorrência nem alterar o manejo.  

Infecções agudas, especialmente de origem viral como a varicela, são consideradas fatores de risco significativos para AVC isquêmico infantil 

Outra das principais causas de AVC isquêmico em crianças são as arteriopatias, que podem ser extracranianas (como a dissecção craniocervical arterial, responsável por 7,5% dos casos de AVC isquêmico infantil) ou intracranianas, que respondem por até 45% dos AVCs infantis. Essas doenças englobam dissecção arterial, vasculites virais como a herpética e não virais como Poliarterite Nodosa e Doença de Takayasu, e Doença de Moyamoya. Todas essas doenças têm capacidade de alterar a circulação cerebral com estreitamentos segmentares intracranianos. A Doença de Moyamoya, inclusive, leva a um quadro de hipoperfusão cerebral crônica pela progressiva estenose e possível oclusão da porção terminal das artérias carótidas internas, artéria cerebral anterior e artéria cerebral média, o que leva ao quadro de AVC. 

Sinais e sintomas  

Os sinais e sintomas do AVE em crianças dependem da idade em que acontecem, sendo que os AVE perinatais em geral cursam com sintomas menos específicos que os AVE infantis. A classificação dos dois principais tipos de AVE pediátricos se baseia em sintomas específicos, foi readaptada recentemente, mas por ser muito extensa não será esmiuçada neste artigo. Abaixo resumimos alguns sintomas de acordo com a idade.  

AVC Perinatal (de 20 semanas de gestação a 28 dias de vida pós-natal): A apresentação aguda do AVC perinatal, especialmente no período neonatal, pode ser facilmente perdida. Os sintomas tendem a ser inespecíficos e mais difíceis de reconhecer em comparação com os adultos. Um dos sintomas mais comuns são crises convulsivas focais ou generalizadas, ocorrendo tipicamente 12 a 72 horas após o parto. Encefalopatia, caracterizada por irritabilidade, hipertonia, letargia, hipotonia e dificuldades de alimentação também é um sintoma presente. Pode ainda ocorrer apneia inexplicada, febre e dificuldades de alimentação. Isso acontece nos casos sintomáticos. Nos casos assintomáticos, os sintomas podem aparecer após 28 dias de vida, mas são decorrentes de um evento que ocorreu anteriormente, nesses casos pode haver crises epilépticas focais, espasmos e atrasos nos marcos motores.  

AVC Infantil (após 28 dias de vida pós-natal até 18 anos de idade): Crianças maiores tendem a apresentar sintomas mais focais e específicos, semelhantes aos adultos, embora sintomas inespecíficos também possam ocorrer. 

Sintomas mais comuns (gerais): 

  • Hemiparesia e fraqueza hemifacial  
  • Distúrbios de fala ou linguagem  
  • Distúrbios de visão  
  • Ataxia  
  • Cefaleia e estado mental alterado 
  • Vômitos  

Crises convulsivas no início do AVC são mais comuns em crianças do que em adultos, especialmente naquelas com menos de 6 anos de idade. 

Em lactentes e crianças mais velhas, a trombose do seio cavernoso (um tipo de AVE) pode se manifestar como sinais de hipertensão intracraniana (cefaleia, náuseas e vômitos, letargia, paralisia do sexto nervo, proptose unilateral, diplopia) ou sinais e sintomas focais relacionados a infarto venoso e hemorragia. Também pode ser clinicamente silenciosa, especialmente quando diagnosticada incidentalmente em exames de imagem. 

Estratégias diagnósticas 

Para o diagnóstico de acidentes vasculares cerebrais (AVC) em neonatos (AVC perinatal) e crianças mais velhas (AVC infantil), uma variedade de exames é utilizada, abrangendo desde neuroimagem até testes laboratoriais específicos, dependendo do tipo e da suspeita clínica do AVC.  

Tomografia Computadorizada (TC) de crânio

É frequentemente realizada primeiro devido à disponibilidade em pronto-socorros e alta sensibilidade para hemorragia, especialmente em crianças maiores com sintomas agudos. 

Ressonância Magnética (RM)

É o padrão ouro para o diagnóstico e o uso de sequências específicas pode auxiliar na diferenciação entre eventos hemorrágicos e isquêmicos, pois possibilita diferenciar sangue do parênquima, com estimativa de tempo de sangramento e de transformação hemorrágica 

Angiorressonância Magnética (Angio-RM) arterial ou venosa de cabeça e pescoço

Pode ser útil para detectar alterações vasculares, como eventos trombolíticos, malformações e congestão venosa, como a que ocorre nos casos de trombose do seio cavernoso 

 Ultrassonografia Transfontanela (USTF)

Pode ser uma opção para investigação precoce em neonatos, apesar de não ser o mais indicado para alguns tipos de AVE. Diante de exame inalterado e manutenção da suspeita diagnóstica outros exames devem ser solicitados. 

Ecodoplercardiograma com microbolhas e eletrocardiograma (ECG)

Além de monitoramento intrahospitalar para arritmias pode ser usado para pesquisa de causas cardioembólicas em AVE infantis.  

Exames laboratoriais como contagem de plaquetas, INR, PTT e TP são indicados e, se anormais, coagulopatias hereditárias devem ser investigadas sobretudo em circunstâncias familiares específicas, como trombose múltipla, histórico familiar de tromboses ou abortos espontâneos recorrentes. 

Também podem ser solicitados exames de provas Inflamatórias como Velocidade de hemossedimentação (VHS) e Proteína C reativa (PCR), além de fator antinuclear (FAN). 

Em crianças com febre deve ser feita investigação pertinente para meningite,
Streptococcus pneumoniae
, Tuberculose, Aspergillus, vasculopatia por varicela, sinusite, mastoidite, sepse, se possível devem ser incluídos na amostra de LCR PCR para VZV e HSV.  

A escolha dos exames pode ser influenciada pela idade, apresentação clínica, e fatores de risco presentes. Atrasos no diagnóstico são comuns em ambos, AVC perinatal e infantil, mas por razões diferentes. Sempre que possível, um neuropediatra deve ser consultado para auxiliar na classificação do AVE e na indicação de exames para elucidação de possíveis causas.    

Prognóstico  

A mortalidade após AVC pediátrico permanece significativa: estudos populacionais recentes mostram risco cumulativo de mortalidade de 7,7% em 30 dias, 10% em 1 ano e 11% em 5 anos. Entre os sobreviventes, 20-25% apresentam déficits neurológicos moderados a graves, sendo o risco maior em crianças com AVC hemorrágico ou com envolvimento de múltiplos territórios vasculares. O risco de recorrência é de aproximadamente 8% em dois anos. 

A maioria dos estudos estima que mais de 50% a 70% dos pacientes pediátricos com AVC terão déficits neurológicos persistentes ou de longa duração, assim como o desenvolvimento de problemas cognitivos, de aprendizagem, convulsões ou problemas de desenvolvimento subsequentes. Os déficits motores, com uma incidência relatada entre 50 a 80%, incluem fraqueza muscular, tônus muscular alterado, perda de destreza e coordenação de déficits de movimento podem não ser exclusivamente de acometimento unilateral.