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Sedação paliativa em pacientes terminais: critérios, protocolos e implicações éticas

Sedação paliativa é um recurso muito útil para controle de sintomas no escopo de cuidados paliativos, em especial em pacientes próximos do final da vida. Essa intervenção é definida pela
administração controlada e monitorada de medicamentos que reduzem o nível de consciência (sedação) para controlar um ou mais sintomas refratários a outras medidas (paliação)
. Ela é realizada para pessoas recebendo cuidados paliativos por doenças avançadas.  

Assim, o objetivo de uso desta intervenção é controlar sintomas. Em outras palavras, ela não visa, obrigatoriamente, deixar o paciente profundamente sedado. Isto até pode ser necessário para contornar o sofrimento, mas não deve ser considerado um alvo de tratamento. Assim, deve-se buscar o controle ótimo de sintomas refratários usando a menor intensidade de sedação possível. A taxa de uso de sedação em pacientes sob cuidados paliativos é bastante variável, indo de 15% a 66%. 

Nesta postagem iremos descrever aspectos práticos desta intervenção, focando na indicação, nos cuidados e na escolha dos medicamentos. 

Indicação
 

Como pode-se compreender pela definição de sedação paliativa, sua indicação é a presença de
sintomas persistentes e refratários
. Para além desta regra geral, o Manual de Cuidados Paliativos do Ministério da Saúde / Hospital Sírio-Libanês propõe a reflexão com cinco perguntas. Se a resposta for afirmativa para todas as perguntas, deve-se indicar a sedação: 

  • O paciente apresenta doença avançada progressiva e irreversível? 
  • O paciente encontra-se em cuidados paliativos, com alinhamento de priorização de medidas de conforto em detrimento de medidas invasivas? 
  • O paciente apresenta sintoma/desconforto importante? 
  • As causas potencialmente reversíveis para o quadro foram tratadas? 
  • A terapia medicamentosa e não medicamentosa para controle deste sintoma está otimizada?  

Um aspecto relevante para a indicação é a
refratariedade
dos sintomas. Usualmente isto significa que há sofrimento persistente apesar do uso dos recursos de tratamento habituais. Também pode-se considerar refratário aquele sintoma que não poderá ser controlado em tempo adequado com as medidas usuais ou aquelas situações em que os efeitos adversos do tratamento impedem um controle suficiente.  

Os sintomas alvo que mais comumente levam à indicação deste tratamento são delirium, dispneia, sofrimento psíquico, dor e vômitos. Para além destas, em algumas situações de urgência ela também pode ser utilizada, mesmo que depois a situação do paciente se estabilize e ela possa ser reduzida; isso inclui eventos agudos como hemorragia digestiva maciça, crises de dor, insuficiência respiratória e crises epilépticas. 

Sedação paliativa além da prescrição
 

Familiares 

Um dos aspectos mais importantes ao se realizar este tipo de tratamento é a compreensão e o envolvimento do paciente, da família e do restante da equipe assistente. É extremamente comum a
compreensão errônea
de que a sedação paliativa equivale à eutanasia ou acelere a morte. Esta questão deve ser debatida abertamente e esclarecido que uma administração correta de sedação não impacta o processo básico da doença, mas ajuda a controlar ou mesmo eliminar os sintomas desconfortáveis que advêm dela. Alguns estudos sugerem, inclusive, que pacientes submetidos a sedação paliativa têm um discreto aumento do tempo de vida em comparação àqueles que não recebem.  

A instituição de sedação paliativa pode ser fonte de sofrimento para familiares (mesmo que alivie o sofrimento do paciente). Assim, 5 dicas para melhorar a compreensão e aceitação do tratamento são: 

  1. Esclarecer que o propósito da sedação é aliviar sintomas refratários e proporcionar conforto, e não apressar a morte. Reforce que outras alternativas já foram tentadas sem sucesso. 
  2. Estimular a presença e envolvimento de familiares, offerecendo apoio emocional e cuidados simples, como conversar, tocar e realizar higiene oral. 
  3. Fornecer informações regulares sobre o quadro clínico e sobre as possíveis mudanças que podem ocorrer durante o processo de fim de vida. 
  4. Oferecer suporte emocional, acolhendo dúvidas, angústias e sentimentos de culpa. 
  5. Disponibilizar um momento de acolhimento após o óbito, permitindo que expressem seu luto e discutam possíveis dúvidas sobre os cuidados recebidos.  

Outras medidas relevantes 

Na grande maioria das vezes, a sedação paliativa é implementada na última semana de vida. Assim, uma série de considerações sobre intervenções e prescrições é relevante. Uma discussão detalhada foge do escopo desta postagem, mas resumimos na
Tabela 1
questões relevantes a serem avaliadas na prescrição de pacientes nos momentos finais da vida.  

Tabela 1.
Questões relevantes na prescrição médica no final de vida. Adaptado da referência 1. 

Por fim, não deve-se negligenciar o potencial sofrimento da equipe assistente com o tratamento. Isso pode ser contornado envolvendo os profissionais na decisão, esclarecendo objetivos e o racional para a sedação. A incorporação de múltiplas perspectivas no cuidado tende a favorecer o aparente e garantir a entrega de cuidado alinhada e com menos ruídos de comunicação. 

Aspectos éticos 

O uso da sedação paliativa exige responsabilidade ética e técnica, pois seu emprego inadequado pode causar danos significativos ao paciente. Entre os usos eticamente inaceitáveis (e ilegais) estão: a sedação com a intenção de apressar a morte; a aplicação sem indicação apropriada, por falhas na avaliação clínica que negligenciam causas reversíveis do sofrimento; e a sedação motivada exclusivamente pelo desejo da família, sem respaldo na vontade do próprio paciente. Também deve-se estar atento que é inadequada a recusa injustificada de sedação por parte do médico em casos em que ela seria indicada, muitas vezes por medo de lidar com decisões complexas ou receio infundado de abreviar a vida. 

Os medicamentos e esquemas de administração
 

Uma vez estabelecida a indicação e organizado o contexto e demais cuidados, deve-se prescrever a sedação paliativa. A prescrição e aspectos práticos dela estão resumidos na
Tabela 2
, a seguir. Para além disso, alguns conceitos devem ser ressaltados. O primeiro é que
sedação paliativa não deve ser realizada com opioides
. Morfina e seus congêneres são ótimos medicamentos para controle de sintomas comuns no final da vida (dor, dispneia) e são parte do esquema de tratamento para a maioria dos pacientes. Ainda assim, o efeito sedativo da morfina não é desejável e deve ser considerado efeito adverso e marcador de dose excessiva. Ou seja, quando o paciente apresenta sedação secundária a opiódios, isto é indicação provável de intoxicação e dose excessiva.  

A segunda questão é que o paciente deve ser reavaliado com frequência. Cada medicação tem uma frequência de ajuste (
Tabela 2
), ainda assim os efeitos e efeitos adversos de todos devem ser monitorados. Além disso, deve-se lembrar que os ajustes de dose devem ser “nos dois sentidos”, visando uma sedação que garanta conforto, mas que não seja desnecessariamente profunda. Para isso, recomenda-se monitorar o paciente com a escala de agitação
Richmond Agitation-Sedation Scale
(RASS) –
Tabela 3
.
O alvo é a menor sedação que garanta controle dos sintomas.
 

Tabela 2.
Medicamentos e esquemas de prescrição para sedativos em final de vida. Extraído e adaptado da referência 1.

Tabela 3.
Escala de agitação
Richmond Agitation-Sedation Scale
(RASS). Extraído da referência 1. 

Conclusão
 

A sedação paliativa é uma ferramenta eficaz para aliviar o sofrimento refratário a outras medidas no fim da vida. Apesar de apreensão com malefícios, seu uso não acelera a morte e é uma ferramenta importante para pacientes em cuidados paliativos. Midazolam é o medicamento preferencial para sedação e é importante destacar que opiódies não devem ser usados como sedativo.