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Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor: como identificar?

A avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor é uma parte fundamental da consulta pediátrica de crianças e deve ser realizada de forma sistemática, abrangendo os múltiplos domínios do desenvolvimento (motor, cognitivo, linguagem, social e adaptativo), com uso de marcos do desenvolvimento apropriados para a idade e instrumentos padronizados validados. Há dados que sugerem que até 15% das crianças de até 17 anos apresentam algum tipo de atraso neurológico nos Estados Unidos.

As avaliações do desenvolvimento infantil devem sempre levar em consideração as informações e opiniões dos pais e da escola sobre a criança. O acompanhamento do desenvolvimento da criança tem como objetivo o estímulo ao desenvolvimento, sua promoção, proteção e a detecção precoce de alterações passíveis de modificação que podem repercutir na vida futura.

Fatores de risco para atraso no desenvolvimento neuropsicomotor

Existem características pré-natais, ambientais e de nascimento que se relacionam a maior risco de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Todas as crianças devem ser monitoradas em relação ao seu desenvolvimento, mas as crianças que apresentam esses fatores de risco devem ser rigorosamente avaliadas com mais atenção e encaminhadas para avaliação e estimulação precoce, caso seja observado atraso, o mais rápido possível. As condições que conferem riscos são diversas e estão detalhadas abaixo:

Condições biológicas de risco

  • Prematuridade
  • Intercorrências neonatais como asfixia perinatal, hemorragia periventricular, displasia broncopulmonar, distúrbios bioquímicos do sangue, como hipoglicemia, policitemia e hiperbilirrubinemia
  • Apgar neonatal de zero a 4 no primeiro minuto, ou zero a 6 no quinto minuto; peso ao nascer inferior a 1.500 gramas
  • Permanência na UTI por mais de cinco dias, ou ocorrência de qualquer uma das seguintes condições, independentemente do tempo de permanência na UTI: ventilação extracorpórea; ventilação assistida; exposição a drogas ototóxicas (antibióticos aminoglicosídeos e/ou diuréticos de alça); hiperbilirrubinemia; anóxia perinatal grave
  • Malformações congênitas
  • Infecções congênitas ou perinatais, como Zika, toxoplasmose, sífilis, rubéola, herpes, HIV, citomegalovírus
  • Restrição ao crescimento uterino
  • Exposição intraútero a radiação, álcool, drogas ilícitas (cocaína, crack, outras) e medicações como talidomida, misoprostol, benzodiazepínicos
  • Anomalias craniofaciais envolvendo orelha e osso temporal
  • Síndromes genéticas que expressam usualmente deficiência auditiva (como Waardenburg, Alport, Pendred, entre outras)
  • Distúrbios neurodegenerativos (ataxia de Friedreich, síndrome de Charcot-Marie-Tooth)
  • Infecções bacterianas ou virais pós-natais, como citomegalovírus, herpes, sarampo, varicela e meningite
  • Traumatismo craniano
  • Realização de quimioterapia
  • Antecedente familiar de consanguinidade, histórico familiar de problemas de saúde oculares e/ou de audição

Existem também condições sociais relacionadas à qualidade dos estímulos e relações que a criança vivencia. A ausência de estímulo visual adequado, ou de oportunidades para a exploração tátil, a falta, escassez ou presença inadequada de estimulações nos momentos oportunos pode alterar o curso do desenvolvimento.

Problemas na interação familiar e ambiente também podem afetar negativamente o desenvolvimento neurológico. A sobrecarga de trabalho e angústias dos cuidadores podem gerar ansiedade e estresse, afetando a qualidade do cuidado. A dependência excessiva de bicos artificiais para alimentação, que não proporcionam o mesmo esforço muscular facial e mandibular do aleitamento materno, é outro fator que pode impactar o desenvolvimento orofacial. Considerando que muitas famílias vivem em condições sociais desfavoráveis e têm limitada possibilidade de realizar aleitamento materno exclusivo, podemos perceber que os fatores sociais impactam o desenvolvimento de uma grande parcela de crianças.

Sinais de alerta em diferentes idades

Como os marcos a cada mês de vida são muitos e detalhá-los tornaria o texto muito extenso, optamos por resumir os principais sinais de alarme para atraso do desenvolvimento neuropsicomotor. Esses sinais podem envolver alterações qualitativas na aquisição de marcos motores, linguagem, cognição, interação social e comportamento. Entre os sinais de alarme mais relevantes estão:

• Atraso na aquisição de marcos motores: não sustentar a cabeça por volta dos 3 meses, não se sentar sem apoio até 8-9 meses, não engatinhar até 12 meses, não andar de forma independente até 15-18 meses, ou perda de habilidades motoras previamente adquiridas. A aquisição de marcos motores fora da sequência típica (por exemplo, rolar antes de sustentar-se em prono, ou andar antes de sentar) também é um sinal de alerta, assim como assimetrias motoras, persistência de reflexos primitivos (como o reflexo de Moro após 6 meses) e preferência manual antes dos 18 meses, que pode indicar hemiparesia.

• Alterações no tônus muscular e postura: hipotonia ou hipertonia persistente, assimetrias posturais, movimentos anormais ou estereotipados e posturas fixas são indicativos de risco para paralisia cerebral e outros distúrbios motores.

• Atraso ou alterações qualitativas na linguagem: ausência de balbucio aos 9 meses, ausência de palavras aos 16 meses, ausência de frases de duas palavras aos 24 meses ou regressão da linguagem. Dificuldades na compreensão ou uso da linguagem, padrões incomuns de comunicação (como ecolalia excessiva ou falta de intenção comunicativa) também são sinais de alerta.

• Déficits de interação social e comunicação: falta de sorriso social até 3 meses, ausência de contato visual, falta de interesse por pessoas ou objetos, ausência de gestos comunicativos (como apontar) até 12 meses e ausência de imitação de ações simples.

• Comportamentos repetitivos ou estereotipados: movimentos repetitivos, uso atípico de objetos, interesses restritos ou fixação em rotinas podem ser observados precocemente em crianças com risco para transtornos do espectro autista.

• Outros sinais: dificuldades persistentes de alimentação e sono no primeiro ano de vida, regressão de habilidades previamente adquiridas e alterações no padrão de atenção e autorregulação.

A presença de qualquer um desses sinais, especialmente quando múltiplos ou associados a fatores de risco (prematuridade, histórico familiar de distúrbios do neurodesenvolvimento, intercorrências perinatais), deve motivar avaliação detalhada e encaminhamento para intervenção precoce.

Avaliação clínica

A Caderneta de Saúde da Criança é um instrumento elaborado pelo Ministério da Saúde, que pode ser muito útil para a vigilância do desenvolvimento infantil de zero a 10 anos de vida. Caso a criança não atinja algum marco do desenvolvimento esperado para sua idade, a consulta seguinte deve ser antecipada. Diante de uma falha em alcançar um marco, deve-se iniciar uma investigação sobre o ambiente em que a criança vive e sua relação com os familiares. O objetivo inicial é orientar a família a estimular a criança, focando em atividades que a ajudem a superar as dificuldades observadas.

Na própria Caderneta de Saúde da Criança existem páginas dedicadas a orientações relacionadas ao estímulo de desenvolvimento para cada idade. Se os atrasos no desenvolvimento persistirem por mais de duas consultas, ou se o marco não for alcançado no último quadro sombreado da caderneta, isso indica a necessidade de encaminhar a criança para um serviço de maior complexidade e estimulação precoce neuropsicomotora. Essa estimulação precoce é importante para um prognóstico favorável. A caderneta da criança tem como base a escala de Denver modificada. O Ministério da Saúde lançou recentemente a caderneta digital, um aplicativo onde os familiares podem acompanhar o desenvolvimento infantil pelo celular (
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-crianca/caderneta-digital-da-crianca
); basta o responsável ter uma conta ativa no gov.br.

Existem também outras ferramentas disponíveis para consulta, como o CDC’s Developmental Milestones, atualizado em 2022, que pode ser consultado via aplicativo ou site e que é bastante completo, com presença de vídeos que orientam sobre como pesquisar os marcos em cada idade. Está disponível em inglês e espanhol:
https://www.healthychildren.org/spanish/motordelay/paginas/default.aspx#/topic/hold-head-up

Tanto o CDC quanto o Ministério da Saúde buscam uma abordagem baseada em evidências para monitorar e intervir precocemente no desenvolvimento infantil através da estimulação precoce em casos indicados, sobretudo nas crianças com alto risco de atraso no desenvolvimento.

O importante é que o pediatra se familiarize com alguma ferramenta de avaliação e a utilize em todas as consultas, seja a da caderneta da criança, seja a da AAP, pois o desenvolvimento neurológico infantil é complexo e deve ser sempre avaliado da forma mais objetiva possível.

Outra escala que devemos utilizar na avaliação das crianças menores de 2 anos é a escala M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers). É um questionário usado para rastrear precocemente o risco de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em crianças entre 16 e 30 meses de idade. Ele é composto por perguntas sobre o desenvolvimento e comportamento da criança, que são respondidas pelos pais ou cuidadores. Essa avaliação deve ser iniciada aos 16 meses e repetida quantas vezes forem necessárias até os 30 meses de vida da criança. Ainda que a criança possa apresentar sinais sugestivos de autismo antes, é após os 16 meses que eles ficam mais evidentes. Essa escala também foi incluída na Caderneta de Saúde da Criança do Ministério da Saúde.

Encaminhamentos e intervenção precoce

A Estimulação Precoce (EP) é um programa de acompanhamento e intervenção clínico-terapêutica multiprofissional direcionado a bebês de alto risco e crianças pequenas com patologias orgânicas ou atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Ela é uma abordagem sistemática e sequencial, que utiliza técnicas e recursos terapêuticos para estimular diversos domínios da maturação infantil. Durante os primeiros três anos de vida ocorre a maturação do sistema nervoso central, e a plasticidade neuronal é mais acentuada, tornando a criança mais suscetível a transformações positivas induzidas pelo ambiente externo. Por esse motivo, a estimulação precoce é de grande importância nesse momento, uma vez que é um período crítico para o desenvolvimento de habilidades motoras, cognitivas e sensoriais. Assim, a detecção precoce de alterações e a intervenção imediata são fundamentais para um prognóstico favorável.

Deve ser realizada por equipes multiprofissionais, incluindo fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, entre outros, que atuam tanto na Atenção Básica quanto em serviços especializados em reabilitação. A participação familiar é central para o sucesso da estimulação, pois é ela que naturalmente estimula o desenvolvimento da criança. No acompanhamento para estimulação precoce, a família é capacitada pelos profissionais para enriquecer as interações dentro do contexto familiar, tornando as atividades de estimulação mais lúdicas e integradas ao dia a dia. A Estimulação Precoce favorece o desenvolvimento nos seus diversos domínios: desenvolvimento motor, desenvolvimento sensorial (auditivo e visual), desenvolvimento da função manual, desenvolvimento cognitivo e social, desenvolvimento da comunicação e linguagem e desenvolvimento da motricidade orofacial.

Conclusão

A avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor de crianças deve ser realizada de forma sistemática, abrangendo múltiplos domínios do desenvolvimento (motor, cognitivo, linguagem, social e adaptativo), com uso de marcos do desenvolvimento apropriados para a idade e instrumentos padronizados validados. O processo envolve anamnese e história de desenvolvimento, exame físico e neurológico, observação e interação, e instrumentos padronizados para triagem. Crianças com suspeita ou confirmação de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor devem ser encaminhadas para avaliação multidisciplinar, incluindo neurologia, fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, conforme a necessidade.