Como citar este artigo: Fidelis, P. C. B. & Neufeld, C. B. (2021, 23 nov.). Contribuições da Psicologia para prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama. Blog Artmed. https://artmed.com.br/artigos/cancer-de-mama-contribuicoes-da-psicologia-na-prevencao-diagnostico-e-tratamento

Outubro Rosa é uma campanha global, iniciada em 1990 nos EUA, com o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama. A campanha informa e incentiva a prática de ações preventivas, como os hábitos de vida saudáveis, e das ações para diagnóstico precoce, como a identificação de sinais e sintomas e a realização de exames clínicos. A principal meta é contribuir para a diminuição do número de casos de câncer de mama e também da mortalidade devido a este problema de saúde (INCA, 2021a).

Para entendermos a extensão do desafio, 70% dos casos de câncer de mama diagnosticados em 2019 estavam nos estágios mais avançados (IFF, 2019). Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o câncer de mama está entre os tipos de câncer com maior incidência no Brasil, representando 15,3% do total de novos casos. Em 2021, estima-se que mais de 66 mil pessoas serão diagnosticadas com câncer de mama no Brasil e a tendência é de alta nos próximos anos, com estimativa de 133 mil novos casos no ano de 2040 (INCA, 2019; OMS, 2020).

No mundo todo, o câncer de mama é mais prevalente em mulheres. No entanto, homens trans, mulheres trans, homens cisgênero e pessoas não-binárias também podem desenvolver câncer de mama, pois todos têm glândulas mamárias e hormônios femininos, ainda que em quantidade menor que as mulheres cis. Lembrando que transgênero é a pessoa que não se identifica com o gênero atribuído ao nascer, cisgênero é a pessoa que se identifica com o gênero de nascimento e não-binária é a pessoa que não se identifica com o gênero masculino ou feminino (Martins, 2018).

Entre os homens, estima-se que, para cada 100 mulheres diagnosticadas com câncer de mama, há 1 homem com o mesmo diagnóstico, ou seja, 1% dos casos (INCA, 2021b). Um ponto que merece atenção é a alta taxa de diagnóstico tardio em homens. Uma pesquisa aponta que, na maioria dos casos, o diagnóstico é feito em estágio avançado, o que impacta na eficácia do tratamento e aumenta a mortalidade neste grupo (Araújo et al., 2018). Os homens não têm acesso a exames preventivos de mamografia, por isso, a divulgação de informações específicas para este grupo sobre os sinais precoces de câncer de mama e como prestar atenção ao próprio corpo podem contribuir para aumentar o diagnóstico precoce entre os homens.

Já as mulheres trans têm cerca de 47 vezes mais chances de desenvolver câncer de mama do que os homens, segundo uma pesquisa realizada com mais de 2.000 mulheres trans. Os resultados apontaram que há um risco maior após a realização do tratamento hormonal, que costuma desenvolver o tecido mamário (Blok et al., 2019). Especialistas recomendam que, após cinco anos de terapia hormonal, a mulher trans deve seguir os protocolos de saúde da atenção básica para rastreamento do câncer de mama, realizar exame físico da mama, ultrassonografia e exame de mamografia, de acordo com a idade. Mas as mulheres trans também têm menos acesso aos exames de prevenção e relatam desconforto e constrangimento nos atendimentos médicos. Nesse sentido, uma pesquisa ressalta que o cuidado a pessoas trans precisa ser mais inclusivo e representativo (Blok et al., 2021). Por exemplo, não há relato na literatura científica sobre um protocolo de rastreamento e prevenção do câncer de mama para mulheres trans.

Os homens trans têm menor incidência de câncer de mama, fato associado à mastectomia, uma vez que a retirada de mamas diminui o tecido mamário. Ainda assim, é necessário realizar autoexame e ficar atento aos sinais e sintomas do câncer de mama. Em relação às pessoas não-binárias, não há dados na literatura científica sobre a incidência de câncer de mama nesse grupo, mas as ações preventivas e de rastreamento também são recomendadas.

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Prevenção e diagnóstico precoce

O câncer de mama tem causa multifatorial, ou seja, diversos fatores estão relacionados ao desenvolvimento da patologia. Os fatores de risco são: idade, com aumento progressivo da incidência a partir dos 35 anos; sobrepeso após a menopausa; ingestão de bebida alcoólica; exposição à radiação ionizante, presente em exames de raio-X; hereditariedade, como mutações nos genes BRCA1 e BRCA2; fatores endócrinos, como o hormônio estrogênio produzido pelo corpo ou ingerido na forma de medicamentos; e história reprodutiva, como menarca precoce, menopausa tardia e gravidez após os 30 anos (INCA, 2021b).

Alguns fatores de risco são modificáveis, como o sobrepeso, enquanto outros não podem ser modificados, como a idade. Portanto, não é possível prevenir todos os casos de câncer de mama, mas é possível diminuir alguns fatores de risco e aumentar os fatores de proteção. Independentemente do gênero, a prevenção envolve os mesmos hábitos de autocuidado: evitar o consumo de bebida alcoólica, ter uma alimentação saudável no dia a dia e praticar regularmente atividade física. Estima-se que isso pode reduzir 13% dos casos de câncer de mama no Brasil (INCA, 2021c).

Além da prevenção, algumas ações contribuem para o diagnóstico precoce, como a identificação de sinais e sintomas e o rastreamento por meio de exames clínicos. Atualmente, o rastreamento é realizado em mulheres cis de 50 a 69 anos com a realização de mamografia a cada dois anos e em mulheres com histórico familiar de câncer de mama a partir dos 35 anos com periodicidade anual. Para mulheres cis das demais faixas etárias e pessoas de outros gêneros, recomenda-se acompanhamento clínico individualizado para a definição da conduta quando forem consideradas com alto risco para o desenvolvimento da doença (Barros, 2020).

O autoexame das mamas não é mais uma técnica recomendada para o diagnóstico precoce após pesquisas demonstrarem sua baixa efetividade. A estratégia que tem sido utilizada para a identificação de sinais e sintomas denomina-se breast awareness, que significa estar consciente sobre a saúde das mamas (Thornton & Pillarisetti, 2008). Para tanto, é necessário que as pessoas sejam informadas sobre os sinais e sintomas do câncer de mama e orientadas a observar alterações mamárias e palpar suas mamas sempre que se sentir confortável, sem necessidade de seguir uma periodicidade ou aprender uma técnica de autoexame (INCA, 2021d).

Os principais sinais e sintomas que devem ser observados são: nódulo fixo, geralmente indolor, duro e irregular que vem aumentando de tamanho em pessoas de qualquer idade; saída espontânea de líquido de um dos mamilos; presença de linfadenopatia axilar; aumento progressivo do tamanho da mama com a presença de sinais de edema, como pele com aspecto de casca de laranja; retração na pele da mama; mudança no formato do mamilo e pequenos nódulos no pescoço ou na região das axilas. Pessoas de todos os gêneros devem estar conscientes para a saúde das mamas e ao notar sinais ou sintomas, a pessoa deve procurar atenção médica imediatamente (INCA, 2021b).

Contribuições da Psicologia no combate ao câncer de mama

Os psicólogos podem intervir desde as ações de prevenção e diagnóstico precoce até a descoberta do diagnóstico e tratamento. Isso porque fatores de proteção que contribuem para a prevenção do câncer de mama são considerados comportamentos modificáveis – ou seja, podem ser desenvolvidos –, como se alimentar de forma saudável, praticar exercício físico regularmente e evitar o consumo de bebida alcoólica. O diagnóstico precoce também está relacionado a autocuidado, prestar atenção à saúde das mamas e realização de exames clínicos.

De uma forma mais ampla, o investimento em autocuidado pode tornar-se um poderoso auxiliar na prevenção e promoção de saúde em geral. Algumas dicas relatadas pela literatura podem contribuir com este objetivo (Neufeld, 2020):

Identificar as atividades de autocuidado que gostaria de praticar e registrar na agenda, ou seja, abrir um espaço no seu dia a dia, reservar um tempo específico para cuidar de você mesmo;
Priorizar os momentos de autocuidado, investindo tempo em você mesmo;
Prestar atenção ao sinais do corpo e cuidar-se fisicamente;
Observar a si mesmo e avaliar se está conseguindo fazer o que gostaria com regularidade;
Relacionar-se com pessoas que estimulam o seu desenvolvimento e humanidade comum;
Desenvolver um hábito de autocuidado por vez e cuidar da qualidade deste hábito ao invés de fazer uma lista de hábitos e tentar colocá-los em prática todos ao mesmo tempo;
Compreender que cuidar de si mesmo não é uma opção, é um compromisso consigo mesmo e deveria ser inegociável.

Campanhas, palestras, orientações individuais e intervenções em grupo podem estimular o autocuidado entre pessoas de todos os gêneros ao considerarem as peculiaridades e demandas de cada grupo.

A atuação do psicólogo também é importante para pacientes diagnosticados e em tratamento. Pesquisas apontam que pessoas em tratamento apresentam mais sintomas de depressão, quando comparados a uma população saudável (Miyazaki, Domingos & Caballo, 2001). Dentre as abordagens da Psicologia, intervenções de Terapia cognitivo-comportamental (TCC) têm apresentado bons resultados no contexto da psico-oncologia. Tais intervenções têm como objetivo atender as necessidades psicossociais dos pacientes, que devem ser avaliadas individualmente para indicar quais estratégias terapêuticas podem ser utilizadas.

As principais estratégias terapêuticas utilizadas no contexto da psico-oncologia são (Castro & Seabra, 2017):

Psicoeducação sobre o câncer e o tratamento, com informações técnicas sobre o diagnóstico e tratamento apresentadas pelo terapeuta e/ou pesquisadas pelo paciente em sites confiáveis, assim como leituras pertinentes sobre o tema para compreensão e autonomia do paciente diante das informações recebidas durante o diagnóstico e tratamento;
Psicoeducação sobre Terapia cognitivo-comportamental e o modelo cognitivo;
Conceitualização cognitiva, na qual o plano terapêutico é norteado pela conceitualização do caso e auxilia o paciente na compreensão de suas crenças sobre a doença e o tratamento;
Orientação sobre como realizar a respiração diafragmática para manejo de estresse e ansiedade;
Relaxamento muscular progressivo, com tensionamento e relaxamento de diferentes grupos musculares por todo o corpo para manejar estresse e ansiedade;
Dessensibilização sistemática, técnica que promove o conhecimento e o contato progressivo com os procedimentos considerados aversivos pelo paciente (cirurgia, exame, radioterapia, quimioterapia);
Exame de evidências para identificação e questionamento de pensamentos automáticos disfuncionais;
Mindfulness para diminuir a reatividade ao sofrimento e desenvolver a habilidade de aceitação e manejo de situações/sensações desagradáveis;
Resolução de problemas, estimulando identificação do problema e das possíveis soluções, análise das vantagens e desvantagens das soluções propostas, escolha da solução mais viável e planejamento para ação.

Todas as estratégias acima contribuem para aliviar o sofrimento do paciente e promover qualidade de vida durante o tratamento, e podem ainda auxiliar no enfrentamento da doença, uma vez que a saúde física e mental são indissociáveis e se influenciam tanto nos processos de adoecimento quanto nos processos de saúde.

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Editoria de Psicologia

Editora-chefe: Carmem Beatriz Neufeld.

Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.

Referências:

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Barros, A. C. S. D. (2020). Recentes avanços no diagnóstico e tratamento do câncer de mama. In Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia; A. A. Urbanetz, S. H. Luz (Orgs.). PROAGO Programa de Atualização em Ginecologia e Obstetrícia: Ciclo 17, (p. 61–88). Artmed Panamericana. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 2).

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