Errar é humano. Mas quando o assunto é saúde o erro pode levar a desfechos trágicos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o dano ao paciente é a 14ª maior causa de mortes no mundo – resultado de 42,7 milhões de eventos adversos durante o atendimento hospitalar a cada ano. No entanto, cerca de 50% deles são danos evitáveis.

Entre os principais erros evitáveis estão as infecções hospitalares e erros de medicação. Especialistas afirmam que a adoção de medidas para a segurança do paciente reduziria eles a um mínimo aceitável.

Atualmente, um em cada 20 pacientes hospitalares sofre danos evitáveis. Como consequência, 12% deles acabam falecendo ou ficam inválidos, segundo artigo publicado pela British Medical Association (BMJ). Hipócrates (460 a 370 a.C.), o pai da Medicina ocidental, dizia: Primum non nocere (“primeiro não cause o dano”). Mas a orientação histórica não corresponde à realidade atual.

Para garantir uma tomada de decisões mais segura, médicos devem estar em dia na profissão. Nesse contexto, existem as atualizações profissionais desenvolvidas pelas principais sociedades médicas.

Danos evitáveis mais comuns

O Ministério da Saúde (MS) estima que 14% das internações no Brasil resultem em infecções hospitalares. Em um recorte global, das 234 milhões de pessoas operadas a cada ano, sete milhões sofrem complicações, segundo a OMS. Um milhão morre no período pós-operatório.

Diretor científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP), Lucas Zambon afirma que as principais infecções hospitalares são causadas por dispositivos invasivos, como cateteres venosos centrais, sondas vesicais e ventilação mecânica.

Para prevenir e controlar a ocorrência de infecções, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) definiu um programa com metas e ações, enquanto a OMS formulou um manual específico para neonatologia.

A higienização das mãos é a causa mais comum das infecções hospitalares. Ela é também a maior preocupação nos procedimentos cirúrgicos, como constatado na Autoavaliação das Práticas de Segurança do Paciente 2018, promovida pela Anvisa. A negligência ocorreu mesmo com a disponibilidade de estrutura para o procedimento.

É justamente em cirurgias e outros procedimentos invasivos que ocorrem os principais eventos adversos, segundo Zambon. “Também se destacam erros com medicações e nos diagnósticos, algo que ainda é pouco abordado”, completa ele, que é doutor em Segurança do Paciente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Um estudo realizado por um hospital paulista, e publicado na Revista Gaúcha de Enfermagem, corrobora com o relato do especialista.

Motivos mais comuns de notificação (entre as 4.691 analisadas):

Eventos adversos com medicamentos: 17,2%;
Lesões de pele: 14,8%;
Flebite (inflamação em uma veia que pode progredir para uma insuficiência venosa crônica): 13,9%;
Artigo médico-hospitalar: 13,4%.

Os danos evitáveis também aumentam os gastos em saúde. A OMS estima que os eventos adversos por uso ou indicação errada de medicamentos exijam US$ 42 bilhões por ano em todo o mundo. Nesse valor estão inclusos não apenas o custo da má prática médica, como também da superlotação de locais de atendimento, falta de pessoal e informação errada aos pacientes.

Em levantamento da Anvisa, a principal falha durante a assistência médica foi a aplicação errada ou incompleta de procedimentos, tratamentos e intervenções. Embora a maioria dos danos tenha sido leve (como quedas da cama e úlceras por pressão no estágio II), as falhas causaram 825 mortes.

Iniciativas

Em 2004, o Brasil se juntou à Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, iniciativa da OMS. A partir dela, foi sancionada a Portaria nº 529/13 , que institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). O eixo central do programa é o envolvimento de pacientes, familiares e acompanhantes na prevenção de danos evitáveis.

Embora uma das medidas previstas seja fomentar a inclusão da segurança do paciente no ensino superior, os currículos das universidades de medicina raramente abordam o tema, indica Zambon, do IBSP. Isso ocorre mesmo com a existência de um guia da OMS para orientar a implantação.

Já a Resolução nº 36/13 indica ações para o cumprimento das metas internacionais de segurança do paciente da OMS. São elas:

Cirurgia segura

Cirurgia no local correto, com o procedimento correto e no paciente correto;
Comunicação eficiente entre a equipe e com o paciente;
Precisão nos procedimentos;
Uso de listas de verificações antes da indução anestésica, da incisão cirúrgica e do paciente deixar o centro cirúrgico.

Identificação do paciente

Uso de pulseira com dois identificadores (nome, prontuário, data de nascimento, nome da mãe);
Verificação da pulseira antes dos procedimentos (administração de medicamentos, hemotransfusão, coleta de exame, etc);
Confirmação verbal do nome do paciente quando possível.

Prevenção e controle de infecções

Higienização das mãos (principal medida);
Acesso à informação por meio de cursos, cartazes e lembretes espalhados pelo hospital;
Monitoramento do uso de antibióticos;
Correto manuseio de cateteres venosos (para prevenção de infecção de corrente sanguínea);
Uso correto dos isolamentos.

Prevenção de quedas

Avaliação no risco de queda de cada paciente;
Eliminação de obstáculos e objetos no chão;
Presença constante de acompanhante;
Troca de medicamentos que causem tontura ou fraqueza.

Segurança na prescrição e no uso de medicamentos de alta vigilância (etiqueta vermelha)

Precisão no diagnóstico;
Envio individual para cada paciente;
Guardar em local reservado, não com os medicamentos comuns.

Comunicação eficiente

Comunicação clara e efetiva entre os profissionais de saúde;
Profissional deve se certificar de que foi compreendido e a informação repassada foi registrada da forma certa;
Registros e passagem de plantão de fácil leitura e compreensíveis.

A resolução ainda indica a criação de núcleos de segurança do paciente (NSP) nos serviços de saúde. Entre março de 2014 e junho de 2019, existiam 4.549 NSPs no Brasil.

Minas Gerais e São Paulo contam com o maior número de núcleos e maiores quantidades de notificações de erros evitáveis. Os hospitais, principalmente seus setores de internação, são os principais espaços de ocorrência dos casos.

Informação é a saída

“O médico deve estar atento às recomendações e garantir que sejam executadas de forma consistente para todos os pacientes sob seus cuidados”, indica Zambon, do IBSP. Além dos manuais da Anvisa, os médicos podem buscar atualização sobre o tema em artigos científicos e livros, como Compreendendo a Segurança do Paciente, de Robert Wachter, referência mundial no assunto.

Pensando nisso, nós compilamos algumas dicas para criação do NSP nos hospitais em um infográfico gratuito. Acesse agora:

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