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AVC em pacientes jovens: como investigar?

Acidente vascular cerebral (AVC) está entre as três causas mais comuns de morte no mundo. Tão importante quanto o risco de morte é o comprometimento da qualidade de vida e as limitações que as sequelas de um AVC podem trazer para os indivíduos e para suas famílias. Quando este evento acontece em pessoas mais jovens, isso significa mais tempo vivido com limitações. O comprometimento da capacidade produtiva e o risco de depressão somam-se entre os problemas de longo prazo associados a um AVC. A estimativa é que de 10 a 15% dos eventos sejam em adultos jovens.

Um dos principais passos no atendimento de uma pessoa com AVC é a identificação da provável causa. Esse diagnóstico etiológico é fundamental para diminuir o risco de recorrências e, assim, diminuir também o risco de aprofundar o eventual comprometimento relacionado à doença. Esse é o principal desafio no atendimento a pacientes jovens: em algumas séries, até 50% dos casos são classificados como criptogênicos.

A definição de “adulto jovem” é bastante variável nos estudos do tema. Como regra geral, considera-se o ponto de corte de 50 anos, mas não há definição homogênea. Independentemente do ponto de corte adotado, este texto aborda as particularidades da investigação em pacientes jovens com AVC. As informações deste material focam no atendimento de AVCs isquêmicos.

Perfil de pacientes e fatores de risco

O risco de AVC aumenta junto com a idade; assim, mesmo em indivíduos abaixo dos 50 anos, a incidência é maior naqueles acima dos 35 anos. Uma outra questão importante é que, enquanto estudos sugerem redução do número de eventos acima dos 50 anos (pelo menos nos Estados Unidos da América), a tendência é de aumento na população mais jovem. Pessoas negras têm risco duas a cinco vezes maior do que o de brancos (para um mesmo sexo e idade).

A distribuição entre os sexos nos AVCs em adultos jovens apresenta um padrão peculiar. Abaixo dos 35 anos, as mulheres são mais acometidas, enquanto entre 35 e 50 anos os casos são mais frequentes em homens. Isso reflete a sobreposição de dois grupos de fatores de risco: os tradicionais, como hipertensão, diabetes e tabagismo (mais comuns nos homens e em faixas etárias mais altas).

Quanto aos fatores únicos aos adultos jovens, destaca-se o uso de substâncias. Cocaína é o exemplo mais clássico e seu uso está associado a uma chance 6 vezes maior de AVC isquêmico. Ainda assim, outras drogas não devem ser negligenciadas. Consumo de maconha também aumenta o risco de AVC; o processo fisiopatológico desta relação não é esclarecido. Abuso de álcool também é um fator de risco independente para a doença em adultos abaixo dos 50 anos.

Para mulheres, dois fatores adicionais se destacam. O primeiro é a migrânea, muito mais frequente em mulheres. Enxaqueca com aura está associada a risco 2 vezes maior de AVC e ao consumo de álcool, ao uso de contraceptivos com estrógeno e ao tabagismo aumentam ainda mais este risco. Curiosamente, migrânea sem aura não parece estar associada com AVC.

O uso de anticoncepcionais orais combinados é, por si só, um fator de risco para AVC, especialmente em formulações com doses mais altas de estrogênio. Apesar disso, o risco absoluto é baixo (cerca de 4 casos por 100 mil mulheres). Por isso, esse risco deve ser discutido, mas não contraindica o uso, considerando os demais benefícios da contracepção hormonal. No entanto, em mulheres com enxaqueca ou condições pró-trombóticas, como trombofilias hereditárias, é recomendado utilizar outros métodos contraceptivos.

Etiologias dos AVCs isquêmicos em adultos jovens

A definição etiológica é o principal recurso para, atuando na gênese do evento, minimizar o risco de novos AVCs. Para isso, utiliza-se a abordagem clássica de TOAST (originalmente apresentada no estudo Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment). Esta classificação agrupa os pacientes em 5 categorias (ver a seguir). Levantamentos em pessoas abaixo dos 50 anos mostram que, em comparação à faixa etária mais elevada, há mais casos das categorias “outras causas determinadas” e “criptogênico” e um número sensivelmente menor de doenças de pequenos vasos.

Para classificação em cada uma das categorias do TOAST, utiliza-se um conjunto de exames que permite identificar a melhora classificação para o paciente:

  • Doença de grandes vasos costuma ser identificada por doença arterial com uma variedade de exames, como angiotomografia e angio ressonância, ecografia com doppler de carótidas e, para casos dúbios, arteriografia invasiva.
  • Cardioembolismo envolve a identificação de uma condição emboligênica, seja por eletrocardiograma, holter ou outros métodos de monitorização de ritmo cardíaco, seja com ecocardiograma (transtorácico ou esofágico). Nesta categoria entram também pacientes com foremen oval patente.
  • Doença de pequenos vasos aparece classicamente como pequenos infartos (< 15 mm) hemisféricos, usualmente atribuíveis à hipertensão e diabetes. Como esse mecanismo é menos comum em jovens (ver seção de fatores de risco), sua presença deve levantar suspeita para infecções, vasculites ou doenças genéticas.
  • Outras causas determinadas incluem uma variedade de causas que não se encaixam nas outras categorias. Por mais que sejam mais comuns na faixa etária abaixo dos 50 anos, individualmente são condições raras, como síndrome do anticorpo fosfolipídio, vasculites e causas genéticas. Destas se detaca dissecções de artéria carótida, vertebrais e basilar como principal condição (por vezes também classificadas como doenças de grandes vasos) e coagulopatias e uso de drogas. Para investigar, lança-se mão da história clínica e dicas que exames gerais (hemograma, coagulograma, bioquímica…) e de imagem podem trazer. Causas genéticas devem ser suspeitadas em pessoas com história familiar forte de AVC.
  • Por fim, há pacientes com causa indeterminada (AVC criptogênico), que são aqueles que, apesar da investigação, não se determina uma origem para o evento. Usando-se a classificação TOAST entre 25 e 35% dos indivíduos jovens são classificados desta forma, mas com uma avaliação mais detalhada esta taxa pode baixar para até 10%.

Juntando tudo – como abordar um paciente jovem com AVC?

Agora que compreendemos os fatores de risco e grupos de causa, temos que pensar em como aplicar isto na prática, em um paciente jovem que se apresenta com sintomas de AVC. A primeira etapa é lembrar que AVC é um evento relativamente incomum abaixo dos 50 anos e, especialmente raro abaixo dos 35 anos. Assim, outras doenças que são semelhantes a AVC devem ser consideradas no atendimento inicial. Isto inclui primeiro surto de esclerose múltipla, migrânea com aura e sintomas motores, estados pós-ictais, doenças somatoformes e até neoplasias e infecções do sistema nervoso central.

Grande parte destes diagnósticos diferenciais podem ser diagnosticadas, descartadas ou suspeitadas com ressonância de encéfalo. Junta-se a isso a boa acurácia para identificar lesões isquêmicas com a técnica de difusão. Desta forma,
ressonância com difusão é a técnica de escolha para diagnóstico inicial e diagnóstico diferencial de AVC em adultos jovens.
Em situações em que não há disponibilidade desta modalidade de imagem, opta-se pela abordagem usual com tomografia de crânio (se possível com angiotomografia de vasos cranianos e cervicais) para descartar sangramento e definir indicação de trombólise.

O passo seguinte é investigar a provável etiologia. Com a história clínica, exames de imagem e exames laboratoriais iniciais (hemograma completo, provas inflamatórias, eletrólitos, glicemia e perfil lipídico, função renal e hepática e coagulograma) espera-se conseguir classificar o paciente em um dos grupos de causas do TOAST. Quando isto não é possível, deve-se buscar detalhar a categoria de outras causas determinadas. Há duas possibilidades de abordagem: ampla (para todos os pacientes) ou dirigida, conforme a suspeita clínica. Aqui sugerimos uma abordagem mais dirigida, utilizando as dicas estruturadas na Tabela 1 para determinar os próximos passos de investigação.

Tabela 1. Causas específicas de AVC que ocorrem na população jovem, sinais clínicos associados com elas e investigação sugerida. Extraído e adapatado da referência 2.

Perguntas Frequentes