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Antibióticos em pediatria: quando indicar e como evitar uso excessivo?

A terapia antibacteriana em bebês e crianças apresenta muitos desafios. Um dos principais é a escassez de dados pediátricos sobre farmacocinética e dosagens ideais; como consequência, as recomendações pediátricas são frequentemente extrapoladas a partir de estudos em adultos.

A terapia antibiótica específica é orientada de forma ideal por um diagnóstico microbiológico, baseado no isolamento do organismo patogênico de um local estéril do corpo e apoiado por testes de suscetibilidade antimicrobiana. No entanto, há dificuldades inerentes que podem surgir na coleta de amostras de pacientes pediátricos e dado o alto risco de mortalidade e incapacidade associados a infecções bacterianas graves em bebês muito pequenos, grande parte da prática de doenças infecciosas pediátricas é baseada em um diagnóstico clínico com uso empírico de agentes antibacterianos, administrados antes ou mesmo sem a identificação final do patógeno específico.

O histórico de vacinação pode conferir redução do risco de algumas infecções invasivas (ou seja, Haemophilus influenzae tipo b, Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis), mas não necessariamente a eliminação do risco. O risco de infecção bacteriana grave também é afetado pelo estado imunológico da criança, que pode estar comprometido pela imaturidade (recém-nascidos), doenças subjacentes e tratamentos associados. As infecções em crianças imunocomprometidas podem resultar de bactérias que não são consideradas patogênicas em crianças imunocompetentes. A presença de corpos estranhos (dispositivos médicos) também aumenta o risco de infecções bacterianas. A probabilidade de envolvimento do sistema nervoso central (SNC) deve ser considerada em todos os pacientes pediátricos com infecções bacterianas graves, pois muitos casos de bacteremia na infância apresentam um risco significativo de disseminação hematogênica para o SNC.

Duração do tratamento

As evidências mais recentes indicam que a duração ideal do tratamento antibiótico para as principais infecções bacterianas em pediatria deve ser a mais curta possível, desde que eficaz, visando reduzir eventos adversos e resistência bacteriana. A Infectious Diseases Society of America e a American Academy of Pediatrics recomendam considerar essa abordagem, especialmente em cenários ambulatoriais. Para pneumonia adquirida na comunidade (PAC) não grave, estudos multicêntricos e meta-análises mostram que 5 dias de antibiótico oral são suficientes para crianças imunocompetentes, com resultados equivalentes aos esquemas tradicionais de 7-10 dias, porém essa alteração ainda não é amplamente utilizada em nosso meio.

Para otite média aguda, a recomendação é de 10 dias para menores de 2 anos e 7 dias para maiores de 2 anos, enquanto para sinusite bacteriana aguda, 7 dias são considerados adequados na maioria dos casos. Faringite estreptocócica pode ser tratada com 10 dias de penicilina ou amoxicilina. Infecções urinárias não complicadas (cistite) podem ser tratadas com 3-5 dias, enquanto pielonefrite requer 7 dias. Para infecções de pele e partes moles e linfadenite, 7 dias são geralmente suficientes. Essa abordagem que ainda não é

amplamente aplicada em nosso meio, deve ser empregada apenas em casos não complicados.

Embora haja uma ênfase crescente na importância de usar a terapia empírica com moderação (para não selecionar organismos resistentes), há algumas situações em que os antimicrobianos devem ser administrados antes que a presença de um patógeno bacteriano específico seja comprovada. Isso é particularmente relevante para o tratamento de recém-nascidos febris ou com aparência doente ou bebês com menos de 30 dias de idade.

Em infecções graves, como sepse ou bacteremia, a duração deve ser individualizada conforme resposta clínica, mas não há evidências de que quadros mais graves exijam cursos mais longos, exceto em situações específicas como bacteremia por S. aureus em neonatos, onde 14 dias podem ser superiores a 7 dias.

Prescrição responsável de antibióticos em crianças: quando indicar?

Tratamentos com antibióticos devem ser indicados apenas em situações de infecção bacteriana comprovada ou altamente suspeita, como otite média aguda, sinusite bacteriana, faringite estreptocócica, pneumonia bacteriana e infecção do trato urinário (ITU). Nessas condições, o diagnóstico deve ser fundamentado em critérios clínicos bem estabelecidos e, quando necessário, confirmado por exames laboratoriais ou de imagem. Por exemplo, na faringite, a confirmação por teste rápido para estreptococo ou cultura é recomendada antes do início do tratamento antibiótico. Para otite média aguda, a indicação depende da idade, gravidade dos sintomas e presença de complicações; crianças maiores de 2 anos com sintomas leves podem ser observadas sem antibióticos.

Deve-se evitar a prescrição de antibióticos para infecções virais comuns, como resfriado, bronquiolite, bronquite aguda, exacerbação de asma, conjuntivite viral e gastroenterite sem sinais de infecção bacteriana, pois o uso inadequado nessas situações contribui para o aumento da resistência bacteriana e eventos adversos desnecessários. Há estimativas de que até 30% das prescrições ambulatoriais de antibióticos em crianças poderiam ser evitadas sem prejuízo clínico para o paciente.

A decisão de prescrever antibióticos pode ser auxiliada por critérios clínicos e laboratoriais, como achados de exame físico sugestivos de infecção bacteriana (ex: otoscopia compatível com otite média aguda, exsudato purulento em faringite), febre alta persistente, leucocitose, elevação de PCR e achados radiológicos sugestivos de pneumonia bacteriana. No entanto, exames complementares devem ser interpretados com cautela e sempre em conjunto com o quadro clínico, com a compreensão de que nem sempre estarão disponíveis, que podem ser pouco sensíveis e de que em geral não existe um único exame que indique a necessidade ou não de tratamento antibiótico, sendo necessário aliar a clínica aos exames complementares.

O uso excessivo de antibióticos em pediatria tem consequências importantes, incluindo o desenvolvimento de resistência bacteriana, aumento de infecções por Clostridium difficile, eventos adversos como diarreia, rash, anafilaxia, toxicidade de órgãos e disbiose intestinal. Além disso, o uso de antibióticos de amplo espectro, como amoxicilina-clavulanato, cefalosporinas e macrolídeos, não traz benefício adicional em infecções respiratórias

comuns e está associado a maior risco de eventos adversos, sem melhora dos desfechos clínicos em comparação aos antibióticos de espectro estreito. A redução de prescrições desnecessárias é especialmente importante em cenários ambulatoriais, onde infecções respiratórias virais são frequentes.

Uso específico de antibióticos em crianças de acordo com idade e risco: alguns tópicos

Neonatal

Entre as causas de sepse neonatal em bebês, o estreptococo do grupo B (GBS) é o mais comum. Embora a profilaxia antibiótica intraparto administrada a mulheres com risco aumentado de transmissão de GBS ao bebê tenha diminuído significativamente a incidência dessa infecção em recém-nascidos, particularmente no que diz respeito à doença de início precoce, as infecções por GBS ainda são frequentemente encontradas na prática clínica.

Os microrganismos entéricos Gram-negativos adquiridos no canal de parto materno, em particular a Escherichia coli, também são causas comuns de sepse neonatal. Embora menos comum, a Listeria monocytogenes seja um patógeno importante a ser considerado, na medida em que o organismo é intrinsecamente resistente aos antibióticos cefalosporínicos, frequentemente usados como terapia empírica para infecções bacterianas graves em crianças pequenas. A bacteremia e a meningite por Salmonella em nível global são infecções bem reconhecidas em bebês. Todos esses organismos podem estar associados à meningite em recém-nascidos; portanto, a punção lombar deve sempre ser considerada em casos de infecções bacterêmicas nessa faixa etária e, se a meningite não puder ser excluída, o tratamento antibiótico deve incluir agentes capazes de atravessar a barreira hematoencefálica.

Crianças mais velhas

Com o advento das vacinas conjugadas contra o Haemophilus influenzae tipo B, (Hib), as doenças invasivas diminuíram drasticamente. No entanto, ainda ocorrem surtos, que têm sido observados no contexto da recusa dos pais em vacinar os filhos. Portanto, ainda é importante usar antimicrobianos ativos contra o Hib em muitos contextos clínicos, especialmente se houver suspeita de meningite, lembrando que existem os outros tipos de o Haemophilus influenzae que também podem causar infecções invasivas graves.

Outros patógenos importantes a serem considerados nesta faixa etária incluem E. coli, S. pneumoniae, N. meningitidis e S. aureus. Cepas de S. pneumoniae resistentes à penicilina e antibióticos cefalosporínicos tem sido cada vez mais frequentemente encontradas na prática clínica. Da mesma forma, o S. aureus resistente à meticilina (MRSA) também tem sido cada vez mais frequente em crianças em ambiente ambulatorial. A resistência do S. pneumoniae, bem como do MRSA, é resultado de mutações que conferem alterações nas proteínas de ligação à penicilina, os alvos moleculares da atividade da penicilina e da cefalosporina.

Essas complexidades ressaltam a importância da formulação de um diagnóstico diferencial completo em crianças com suspeita de infecções bacterianas graves, incluindo uma avaliação da gravidade da infecção realizada em paralelo com a consideração das tendências epidemiológicas locais da doença, incluindo o conhecimento dos padrões de suscetibilidade antimicrobiana na comunidade.

Pacientes imunocomprometidos e hospitalizados

Infecções virais graves, especialmente a gripe, também podem predispor a infecções bacterianas invasivas, especialmente aquelas causadas por S. aureus. Crianças imunocomprometidas estão predispostas a desenvolver uma ampla gama de infecções bacterianas, virais, fúngicas ou parasitárias. A hospitalização prolongada pode levar a infecções nosocomiais, frequentemente associadas a cateteres e linhas de acesso e causadas por organismos entéricos gram-negativos altamente resistentes a antibióticos. Além dos patógenos bacterianos já mencionados, Pseudomonas aeruginosa e organismos entéricos, incluindo E. coli, K. pneumoniae, Enterobacter e Serratia, são importantes patógenos oportunistas nesses ambientes.

Conclusão

O uso de antibióticos na pediatria pede atenção cuidadosa às necessidades de cada faixa etária e ao contexto clínico. Decisões baseadas em critérios claros, preferência por tratamentos de curta duração sempre que possível e o respeito às recomendações clínicas são fundamentais para garantir eficácia, reduzir riscos e evitar a resistência bacteriana.

Perguntas Frequentes