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Compulsão alimentar sob olhar da psicologia

A compulsão alimentar é um dos comportamentos disfuncionais relacionados à alimentação, que é central em diversos transtornos alimentares. Nos últimos anos, esta questão tem ganhado atenção, assim como desencadeado dúvidas quanto à compreensão de suas características pelo público geral e questionamentos nas pesquisas científicas (Mourilhe et al., 2021). 

A partir desta perspectiva, este artigo objetiva apresentar um breve panorama da compulsão alimentar sob o olhar da psicologia. Para tal, serão abordados os seguintes tópicos: definição e descrição deste conceito; diferenciação entre compulsão alimentar e outros comportamentos alimentares, endereçando dúvidas comuns quanto a esta questão; transtornos alimentares que incluem a compulsão; e o tratamento psicológico para compulsão alimentar.  

Definição e descrição
 

A compulsão alimentar pode ser definida pelos seguintes critérios, os quais devem estar presentes todos no mesmo episódio (American Psychological Association, APA, 2023): 

  1. Ingestão de uma grande quantidade de alimentos, que é significativamente maior do que a maioria das pessoas consumiria; 
  2. Ocorrer em um período restrito de tempo, sendo este em torno de duas horas; 
  3. Sensação marcante de falta de controle vivenciado, por exemplo, ao não conseguir parar de comer apesar de sentir desconforto físico e psicológico.  

Portanto, é possível observar que a definição de compulsão alimentar se pauta em termos de quantidade, período de tempo e aspectos psicológicos. Assim, não há nenhuma menção nos critérios a respeito da característica dos alimentos consumidos e, devido a isso, as comidas específicas ingeridas variam quanto ao indivíduo (APA, 2023). É comum que ocorra o consumo de comidas preferidas pelo indivíduo e geralmente restringidas, mas também a ingestão sem nenhum critério ou preferências, que pode até contemplar comida fria, estragada ou sem preparo adequado (Fairburn, 2024). 

Em relação a aspectos psicológicos associados à compulsão alimentar, além da sensação de perda de controle, as emoções envolvidas são marcantes. Frequentemente, os episódios de compulsão alimentar são desencadeados por afetos negativos (Prefit et al., 2019). Dessa forma, quando o indivíduo vivencia emoções desagradáveis, uma forma que encontra para a regulação emocional é através da compulsão alimentar.  

De acordo com a literatura da área, as pessoas que vivenciam compulsões alimentares têm baixo repertório de estratégias de regulação emocional (Prefit et al., 2019). Uma emoção também bastante associada à compulsão alimentar é a vergonha, o que se relaciona com a característica de sigilo do comportamento (Fairburn, 2024). Frequentemente, os indivíduos desenvolvem estratégias para esconder seus comportamentos compulsivos, tais como retornar à cozinha após uma refeição com outras pessoas, esperar que aqueles que moram junto se ausentem de casa ou comer escondidos em ambientes particulares como o banheiro (Fairburn, 2024).  

Diferença de compulsão alimentar e outros comportamentos alimentares
 

Ao compreender as características da compulsão alimentar, por vezes podem surgir dúvidas relacionadas à normalidade de se ingerir grandes quantidades de alimentos, como os exageros alimentares típicos ou os comportamentos disfuncionais relacionados à alimentação. Assim, destaca-se que deve ser considerado o contexto no qual ocorre o comportamento, a intensidade dos episódios e o sofrimento que proporcionam (APA, 2023).  

Portanto, diversas situações geralmente não devem ser compreendidas como compulsão alimentar, tais como: 

  1. Comemorações ou festas de fim de ano:
    nestes momentos, é comum que tais festividades se relacionem diretamente à comida, o que fica evidente na ceia de Natal ou aniversários. Porém, nessas situações, geralmente a maioria das pessoas de fato consome uma quantidade de alimentos muito maior que em refeições cotidianas. 
  2. Restaurantes de comida à vontade ou rodízio:
    de forma semelhante ao que ocorre em comemorações, nos restaurantes que seguem tal modalidade de serviço é comum que ocorra o exagero por parte da grande maioria dos indivíduos que os frequentam. Visto que estes locais oferecem quantidades expressivas e diversas de comida por um preço único, frequentemente as pessoas comem mais do que fariam em restaurantes comuns ou em casa. 
  3. Beliscamento:
    outro comportamento alimentar disfuncional que é frequentemente confundido com a compulsão é o beliscar (Appolinario et al., 2022). Neste, a pessoa consome pequenas/médias quantidades de alimento por vez diversas vezes durante o dia, o que no final pode se somar em um grande montante de comida. Porém, o comportamento não ocorre apenas em um período restrito de tempo e, apesar do indivíduo sentir o impulso de comer, não tem a sensação de perda de controle. 
  4. Comer excessivo
    (overeating)
    :
    o último exemplo aqui mencionado sobre comportamentos que se confundem com a compulsão, mas que não esgotam todas as possibilidades, é o
    overeating.
    Este nada mais é do que o consumo de grandes quantidades de alimentos, o que é muito comum em indivíduos com sobrepeso ou obesidade. Entretanto, a ingestão não é associada à sensação de perda de controle, portanto não caracteriza os aspectos psicológicos da compulsão alimentar (Appolinario et al., 2022). 

Ainda, é importante ressaltar que essas situações descritas não excluem totalmente a possibilidade de ocorrência de compulsão alimentar. Isto deve ser avaliado clinicamente por um profissional de saúde mental, especialmente se o indivíduo em questão tem histórico de compulsão alimentar em outros contextos.  

Compulsão alimentar e transtornos alimentares
 

A compulsão por si só não é um transtorno alimentar, nem indica necessariamente que determinada pessoa possui algum transtorno. Entretanto, este é um comportamento que figura entre alguns dos transtornos alimentares, sendo estes: Anorexia Nervosa do tipo compulsão alimentar purgativa, Bulimia Nervosa e Transtorno de Compulsão Alimentar. Apesar de tais transtornos possuírem bases comuns, dentre eles a presença da compulsão alimentar, nota-se que diferem significativamente em termos de curso, prognóstico e alguns aspectos do tratamento (APA, 2023). 

Grande parte dos indivíduos que vivenciam compulsão alimentar não tem um transtorno alimentar (Fairburn, 2024). Para que a compulsão esteja caracterizada em algum destes transtornos, é necessário atender a critérios específicos de frequência, intensidade e sofrimento clinicamente significativo (APA, 2023).  

Tratamento psicológico da compulsão alimentar
 

O tratamento mais robusto para os transtornos alimentares atualmente é o transdiagnóstico (Barlow, 2023). Neste formato, a intervenção tem base em mecanismos comuns a todos os transtornos alimentares, mas foca também na conceitualização individual de cada paciente (Barlow, 2023).  

Nesta perspectiva, apesar de não necessariamente caracterizar um transtorno, a compulsão alimentar segue semelhante funcionamento. Portanto, denota-se que é possível partir deste mesmo formato de intervenção para tratar tal comportamento alimentar disfuncional.  

Considerações finais
 

O objetivo deste artigo foi apresentar um breve panorama da compulsão alimentar sob o olhar da psicologia. Dessa forma, entende-se que foi possível introduzir o leitor a este assunto. Porém, este é um tópico vasto, que demanda maior aprofundamento, o qual pode ser realizado por meio das referências aqui utilizadas e elencadas. 

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Como citar este artigo:
Santos, E. F. L., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2024, 31 jul). Compulsão alimentar sob olhar da psicologia. Artmed.

Autoras

  • Eloha Flória Lima Santos
     

Psicóloga graduada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP. Membro do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC). Especializada em Psicologia da Saúde no Contexto Hospitalar com ênfase em Psicologia Pediátrica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP (HCFMRP-USP). 

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
     

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP). 

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld:
 Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).