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Hepatite medicamentosa: quadro clínico, fatores de risco e manejo

O consumo de medicamentos e tratamentos alternativos (chás, suplementos, ervas) é causa frequente de injúria hepática aguda e crônica e é chamada de hepatite medicamentosa (no inglês DILI -
drug-induced liver injury
) . Além de ser uma das principais causas de insuficiência hepática aguda em países do ocidente, é também responsável por cerca de 50% dos casos de icterícia de instalação recente. Uma grande quantidade de medicamentos tem como potencial efeito adverso a injúria hepática. Esse conhecimento permite predizer o risco de pacientes e traçar estratégias de monitoramento clínico-laboratorial e prevenção: deve-se revisar interações medicamentosas e ajustar a dose de acordo com a condição clínica do paciente (dano hepático prévio). Além desses efeitos nos indivíduos, em cerca de 30% das vezes em que medicamentos que são retirados de comercialização, isso se deve a efeitos adversos hepáticos. 

A hepatotoxicidade ocorre por diferentes mecanismos, mas tradicionalmente é classificada como intrínseca ou idiossincrática. A
injúria hepática intrínseca é dose-dependente, de curta latência
(horas a dias após a exposição para início do quadro)
e previsível
(ocorre em uma proporção relativamente fixa e elevada dos pacientes que recebem a substância). O protótipo de fármaco que causa injúria intrínseca é o paracetamol. Por outro lado,
a injúria hepática idiossincrática geralmente não está relacionada à dose utilizada, tem latência mais longa
(dias a semanas)
e é mais rara e esporádica.
Fármacos comumente envolvidos são os antibióticos (amoxicilina-clavulanato, isoniazida, ciprofloxacina).  

Principais medicamentos causadores de injúria hepática

Os principais medicamentos causadores de injúria hepática estão descritos na
Tabela 1
. Para além dessa lista, recomendamos a consulta à plataforma gratuita
Livertox
; ela é curada pelo instituto americano de doenças digestivas (
National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases
). Neste portal se encontram conceitos sobre dano hepático induzido por fármacos e informações de cada medicamento com relação a potencial hepatotoxicidade, fenótipo clínico, mecanismos e recomendações de manejo. 

Quadro clínico e quando suspeitar
 

O diagnóstico pode ser difícil porque não há critérios bem estabelecidos e os exames disponíveis nem sempre permitem certeza do desencadeante da injúria hepática. Como esta é uma condição frequente, deve-se ter alto grau de suspeição. A apresentação clínica varia desde quadros assintomáticos com alteração laboratorial isolada até manifestações clínicas como fadiga, febre baixa, náusea, dor abdominal, icterícia, prurido, colúria e acolia; pode ser também observado rash cutâneo em casos de hipersensibilidade ao fármaco. Deve-se atentar para o surgimento de encefalopatia e alargamento do tempo de protrombina, uma vez que são os marcadores dos raros (e dramáticos) casos de insuficiência hepática aguda. 

A anamnese tem papel fundamental e, na presença de dano hepático inexplicado, deve ser questionado ativamente quanto ao uso de fármacos (com dose e tempo de uso) ou de outros compostos (incluindo chás, ervas e suplementos nutricionais). Exposição a produtos químicos em atividade laboral ou recreacional podem ser inadvertidamente negligenciados. Embora produtos como chás e vitaminas sejam considerados "naturais" e, portanto, seguros pelo público geral, informações sobre seus efeitos no organismo são na maior parte das vezes incertas. Eles podem conter ingredientes não mencionados nos rótulos e substâncias hepatotóxicas podem ter sido adicionados de forma intencional, acidental ou como parte do processo de manufatura.  

Faz parte da entrevista revisar o tempo de uso e a relação entre o início do quadro; essa informação pode auxiliar na confirmação da relação causal entre a substância e o dano hepático: tipicamente esse tempo é de 5 dias a 3 meses. Exceções são quadros de hipersensibilidade em que a instalação pode se dar em apenas 72 horas e medicamentos que podem muito tardios (mais de um ano), como amiodarona e nitrofurantoína. 

A classificação do quadro quanto ao padrão laboratorial do dano é útil na identificação do agente; os danos podem ser do tipo hepatocelular (citotóxico), colestático ou misto. As dosagens de alanina aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA) são utilizadas para essa categorização (
Figura 1
). O padrão hepatocelular ocorre em 90% dos pacientes e é o quadro encontrado na toxicidade acidental ou intencional por paracetamol. O padrão colestático é mais raro, mas frequentemente encontrado no uso de antimicrobianos. O padrão misto é o padrão em que a maioria dos fármacos é classificada; fenitoína e enalapril são os protótipos desse grupo. Além desses padrões laboratoriais, o fenótipo clínico também pode ser relevante. Eles são bastante variados e podem ser úteis para definir a etiologia. Devem ser levados em conta na avaliação causal (ver a seguir).   

Figura 1.
Padrões de dano hepático. Adaptado de (1). 

Fatores de risco
 

Apesar de óbvio, deve-se lembrar que o principal risco para o desenvolvimento de hepatite medicamentosa é a exposição a fármacos hepatotóxicos. Isto deve ser lembrado para se evitar usos desnecessários de medicamentos, por tempo excessivo ou para fins recreativos. Quanto aos fatores pessoais, idade, sexo, cor de pele, gestação, uso de álcool e outras doenças hepáticas são os principais. Mulheres e pacientes com doença hepática prévia têm maior risco de evolução para quadros graves. 

Não está bem estabelecido se a idade avançada tem relação direta com injúria hepática induzida por fármaco, mas este subgrupo de pacientes parece ser mais suscetível devido à polifarmácia. Entretanto, a toxicidade de alguns agentes tem predileção por faixas etárias, como é o caso do ácido valproico entre jovens e da isoniazida entre idosos. A idade também parece estar associada com o fenótipo: enquanto entre jovens o padrão hepatocelular é mais comum, a colestase é mais frequente na população idosa.  

Além dos fatores relacionados ao paciente, outras variáveis estão envolvidas no risco de injúria hepática. A dose é um fator determinante em casos de injúria intrínseca ou direta; o paracetamol, por exemplo, costuma ser tóxico em doses superiores a 15g após ingestão aguda ou 4g/dia por período superior a 3-7 dias.  

Manejo
 

Diante da suspeita de injúria hepática induzida por medicamento, a primeira medida é a suspensão imediata do(s) medicamento(s) potencialmente relacionados, bem como suspensão de outros tratamentos e exposições (chás, ervas) não-essenciais. O tempo para recuperação é específico de cada medicamento e é informação relevante no cuidado dos pacientes, pois determina se o paciente está evoluindo como o esperado. Tipicamente, em 1-2 semanas observa os primeiros sinais de melhora e a recuperação completa pode levar 2-3 meses.  

Além da suspensão do(s) medicamento(s), deve-se avaliar a relação causal, a presença de outras causas de dano hepático e a presencia de sinais de gravidade, conforme apresentado a seguir. Deve-se lembrar que o
diagnóstico de hepatite medicamentosa necessita a exclusão de outras causas comuns e a identificação de um padrão de acometimento compatível com o medicamento a que o paciente foi exposto

A avaliação do agente específico deve ser realizada, em algumas situações pode haver manejo específico (como o uso de n-acetilcisteína para intoxicação por paracetamol). Como regra geral, não se utiliza glicocorticóides, mas alguns grupo utilizam em pacientes com quadros de hipersensibilidade com manifestações extra-hepáticas associadas. Em suma, as principais intervenções terapêuticas são suspensão do medicamento, monitorização da função hepática e de sinais de insuficiência hepática, tratamento de suporte. 

Avaliar relação causal 

A associação da injúria com um medicamento específico é desafiadora, pois não há marcadores bioquímicos ou características histológicas patognomônicas de algum agente causal. Apesar de o nível sérico de paracetamol estar associado ao dano hepático, sua dosagem é pouco disponível. A divergência entre especialistas é comum e como nenhum parâmetro isolado é acurado o suficiente, foi popularizado o uso de escores; o mais popular é o
RUCAM (
Roussel Uclaf Causality Assessment Method
)
. Independente do escore, os fatores a serem levados em conta são
(5)

  • relação temporal pertinente (levar em conta que o período latente pode ser variável); 
  • exclusão de outras causas de dano hepático (vide a seguir); 
  • suspensão do medicamento leva a melhora do dano hepático; 
  • recorrência rápida e grave com reexposição (lembrando que reexposição não é recomendada na maioria das vezes).  

Excluir outras causas de dano hepática 

O diagnóstico diferencial com outras causas de injúria hepática é parte fundamental da avaliação da suspeita de hepatite medicamentosa. A história deve avaliar uso de álcool, ganho de peso, insuficiência cardíaca aguda ou crônica, hipotensão e hipoxemia e sintomas de doença auto-imune. Quanto a exames complementares, a avaliação mínima envolve pesquisa de hepatites virais mais comuns, imagem hepática e pesquisa de fator antinuclear (
Tabela 2
). Os principais diagnósticos diferenciais incluem uso de álcool, hepatites virais, colestase por lesão estrutural benigna ou maligna, e condições autoimunes. Biópsia hepática deve ser considerada quando não há recuperação completa com a suspensão do medicamento, quando há apresentações atípicas (ascite, cirrose, esteatose microvesicular) ou sinais de hepatite auto-imune.  

Avaliar gravidade 

A estratificação de gravidade da injúria hepática direciona o tratamento de suporte. O nível de transaminases nem sempre está relacionado à gravidade e pode ser paradoxalmente baixo em casos de dano hepatocelular maciço. A presença de injúria hepática associada a encefalopatia e distúrbio de coagulação (alteração do tempo de protrombina) caracteriza o quadro de insuficiência hepática agudos, e merece especial atenção. A presença de icterícia associada à elevação de transaminases também confere pior prognóstico. Em cenários agudos, o conjunto de critérios do
King's College
é a ferramenta mais utilizada para avaliação prognóstica, enquanto no cenário crônico utiliza-se o escore
MELD
. A
Tabela 3
demonstra os níveis de gravidade sugeridos pela
Drug-Induced Liver Injury Network.
 

Resumo

  • Hepatite medicamentosa é um evento comum e os quadros variam em termos de manifestações clínico-laboratoriais, formas de apresentação e gravidade. 
  • Seu diagnóstico depende da exclusão de causas comuns de dano hepático e a presença de um padrão de acometimento compatível com o medicamento em uso. 
  • A avaliação da relação causal é um desafio clínico e deve levar em conta a relação temporal, a presença de outras causas de dano hepático, evolução do quadro após a suspensão do medicamento e, eventualmente, presença de recorrência com a reexposição. 
  • O manejo envolve a suspensão da substância causadora,  monitorização da função hepática e tratamento de suporte. Verificar se o
    medicamento em questão
    possui tratamento específico. 

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