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Hipoglicemia em pacientes não-diabéticos: causas e abordagem diagnóstica

A hipoglicemia em pessoas sem diabetes
mellitus
é um evento raro. Por outro lado os sintomas de hipoglicemia são inespecíficos e comuns a uma variedade de outras causas; dessa forma essa hipótese costuma ser considerada (algumas vezes, pelos próprios pacientes) em indivíduos com uma variedade de manifestações clínicas.  

Os sintomas e sinais advém dos mecanismos contrarregulatórios e dos efeitos cerebrais da hipoglicemia: ao contrário de outros tecidos,
o cérebro utiliza quase exclusivamente glicose como substratos para seus processos metabólicos.
Para manter o funcionamento cerebral (e portanto de todo organismo) a glicose sérica tem um controle estrito, que depende do equilíbrio entre ingesta, produção endógena e utilização pelos tecidos: a redução da glicose sérica leva a supressão da secreção da insulina, secreção de glucagon e secreção de epinefrina. Em pessoas saudáveis, a glicose sérica flutua entre 70-110 mg/dL em períodos de jejum e com leves variações pós-prandiais.  

Os sintomas da hipoglicemia aparecem em indivíduos saudáveis quando a glicemia baixa de 55 mg/dL. Apesar disso, não existe um valor único de glicemia que isoladamente define essa situação. Portanto, a definição de hipoglicemia necessita a presença da
tríade de Whipple
(
Figura 1
): sintomas compatíveis (
Tabela 1
), glicose baixa (menor que 55 mg/dL) e melhora dos sintomas quando a glicemia é normalizada.   

Figura 1.
Tríade de Whipple. Adaptado de (1,3,4). 

* em coleta de sangue e análise em laboratório; medidas em glicemia capilar não devem ser utilizadas. 

Tabela 1. Principais sinais e/ou sintomas de hipoglicemia. Adaptado de (3)

Pacientes com a tríade de Whipple devem progredir na investigação, ou seja, pacientes que não fecham os critérios da tríade não devem ser avaliados para evitar exposição a exames desnecessários com custos e potenciais danos associados.  

Uma exceção à regra são pacientes com glicose muito baixa (<40 mg/dL), que mesmo sem manifestações clínicas, devem ser também avaliados. Nesta última situação, deve-se considerar o diagnóstico de pseudohipoglicemia, quando aumento de elementos figurados do sangue (por leucemia, policitemia ou outras poliglobulias) consome a glicose antes da análise laboratorial.  

Causas e abordagem diagnóstica
 

Avaliação com história e exame físico é a primeira etapa diagnóstica após confirmada a tríade de Whipple. Ela é a ferramenta mais importante para identificar a causa ou, se isso não foi possível, dirigir a investigação complementar para as suspeitas clínicas.  

As principais etiologias de hipoglicemia em não-diabéticos estão apresentadas na
Figura 2
divididas de acordo com a situação clínica: pacientes com comorbidades e uso de medicamentos ou "aparentemente saudáveis". Em um paciente aparentemente saudável, as possíveis etiologias são hipoglicemia acidental / factícia ou hiperinsulinismo endógeno.  

Figura 2.
Etiologias de hipoglicemia de acordo com situação clínica. Adaptado de (1,5). 

A causa mais comum de hipoglicemia é o uso de medicamentos (
Tabela 2
), seja de forma intencional ou acidental. O uso equivocado de medicamentos de familiares ou mesmo a troca por outro fármaco com nome parecido é um erro comum ao qual estão mais suscetíveis especialmente aqueles com polifarmácia ou alguma deficiência visual, por exemplo. Os medicamentos em uso (inclusive suas cartelas) devem ser revisados, e deve ser questionado se algum habitante da casa (ou pessoa próxima) faz uso de hipoglicemiantes.  

Também deve ser questionado sobre o uso de chás ou suplementos alimentares que podem conter contaminantes como sulfonilureias. O consumo excessivo de álcool também é uma causa comum de hipoglicemia no departamento de emergência. Isso ocorre porque o etanol inibe a gliconeogênese, que é a principal fonte de glicose durante hipoglicemia prolongada após o consumo de glicogênio; o evento é agravado em situações de pouca ingesta alimentar. Deve-se atentar que a reposição de glicose sem tiamina pode desencadear a síndrome de Wernicke-Korsakoff. 

Tabela 2. Principais substâncias associadas à ocorrência de hipoglicemia. Adaptado de (3).

Se após a história e exame físico a etiologia da hipoglicemia não for identificada ou suspeita que direcione a investigação, deve-se progredir com avaliação complementar. Nestes casos, durante um episódio de hipoglicemia que ocorre espontaneamente deve-se realizar coleta de amostra de sangue antes da correção da glicemia e, se disponível, realizar a avaliação da resposta do tratamento com glucagon.

Os exames recomendados são glicemia, insulina, peptídeo C, pró-insulina, dosagem de sulfonilureia, beta-hidroxibutirato (corpos cetônicos) e anticorpos anti-insulina. Com frequência, no contexto brasileiro, dosagens de sulfonilureia, pró-insulina e anticorpos anti-insulina são reservados para um segundo momento por limitações de disponibilidade. A interpretação dos resultados desses exames está resumida na Tabela 3.

Algumas vezes os pacientes não apresentam hipoglicemia espontaneamente e pode ser necessária a realização de teste de estímulo, seja com jejum de 72 horas (quando a principal suspeita é insulinoma) ou refeição (quando a suspeita é hipoglicemia hiperinsulinêmica de origem pancreática) . É importante destacar que o teste oral de tolerância a glicose não deve ser utilizado para diagnóstico de hipoglicemia. Os exames coletados nestas situações são os mesmos apresentados acima. Ao se administrar glucagon endovenoso na dose de 1 mg, deve-se monitorar a glicemia sérica em 10, 20 e 30 minutos.

Tabela 3. Interpretação dos exames iniciais na investigação de hipoglicemia em pacientes sem diabetes mellitus. Adaptado de (1,5).

Principais etiologias
 

Insulinoma
 

Clinicamente se manifesta por crises de hipoglicemia usualmente em jejum e, mais raramente, pós-prandial. Pode estar associada com neoplasia endocrina múltipla tipo 1, situação em que hipercalcemia por hiperparatireoidismo costuma ocorrer e que recorrências pós-cirúrgicas são mais comuns. Um aspecto clínico peculiar é que nem sempre sintomas adrenérgicos precedem os sintomas neuroglicopênicos - ou seja, algums pacientes se manifestam apenas com perda de consciência e convulsões. O tratamento de eleição é ressecção cirúrgica, mas em pacientes com insulinoma maligno metastático ou naqueles com impossibilidade de tratamento cirúrgico, pode-se utilizar medicamentos como diazóxido e octreotide.  

Uso de insulina ou hipoglicemiantes
 

Trata-se da causa mais comum de hipoglicemia, variando de erros de prescrição e dispensação de medicamentos, hipoglicemia factícia e síndrome de Münchausen por procuração. Hipoglicemia factícia é mais comum em pessoas com acesso a medicamentos e formação específica (profissionais da saúde). Para pacientes com hipoglicemia por erros de prescrição ou administração, o ajuste do medicamento é suficiente; por outro lado, em pacientes com hipoglicemia factícia, além da suspensão do uso, deve-se realizar tratamento para mudança de comportamento.   

Síndrome pós-prandial - "hipoglicemia reativa"
 

O termo "hipoglicemia reativa" não deve mais ser utilizado para aqueles pacientes com sintomas sugestivos de hipoglicemia após as refeições, porém sem redução da glicemia. Atualmente recomenda-se o uso do termo síndrome pós-prandial. Pessoas nesta situação são um desafio clínico, uma vez que pode ser difícil obter medidas confiáveis de glicose. Uma abordagem pragmática é utilizar glicemia capilar para descartar hipoglicemia naqueles pacientes que tem medidas > 80 mg/dL e calssificá-los como síndrome pós-prandial. Os demais pacientes (com glicemia capilar menor que 80 mg/dL) deve-se coletar glicemia sérica na presença dos sintomas. Medidas maiores que 65 mg/dL devem encerrar a investigação, enquanto medidas < 65 mg/dL devem desencadear investigação de hipoglicemia.  

Hipoglicemia hiperinsulinêmica não-insulinoma
 

É uma situação de hipersepcreção pancreática de insulina difusa, fazendo contraponto ao insulinoma em que há uma lesão bem delimitada. Do ponto de vista histológico, há hipertrofia de ilhotas pancreáticas com hipertrofia de células beta (nesídioblastose). O diagnóstico envolve o quadro bioquímico sobreponível com insulinoma, mas com secreção difusa de insulina no cateterismo seletivo com estimulo intra-arterial com cálcio. O tratamento farmacológico é semelhante dos insulinomas não candidatos a cirurgia, mas as melhores respostas clínicas são com pancreatectomias parciais.  Quadro clínico e histológico semelhante ocorre em pacientes que fazem cirurgia baríatrica com y de Roux, e o tratamento envolve uma combinação de acarbose, diazóxido, octreotide e pancreatectomia parcial; algumas vezes reversão do y de Roux pode ser necessária.   

Outras causas
 

Pacientes com anticorpos anti-insulina usualmente tem origem oriental (Japão e Coréia) e tem outra doença auto-imune subjacente; o quadro clínico é de hipoglicemia pós-prandial por dissociação errática da ligação insulina ao anticorpo; quadros semelhantes forma descritos em pacientes com paraproteinemia. São pacientes com quadros bastante variáveis, cujo tratamento varia desde medidas comportamentais até infusão de glicose enteral contínua. 

Insuficiência adrenal e de hormônio de crescimento são causas menos comuns e frequentemente outras manifestações dessas doenças estão presentes no momento do diagnóstico. Níveis reduzidos de cortisol durante uma hipoglicemia espontânea não é suficiente para o diagnóstico de insuficiência adrenal, uma vez que hipoglicemias recorrentes alteram o limiar de secreção deste hormônio. O tratamento destes pacientes envolve a reposição do hormônio deficiente.  

Resumo
 

  • Isoladamente hipoglicemia em pacientes não diabéticos é rara, mas seus sintomas são inespecíficos e comuns. Portanto, é frequente que o profissional suspeite deste conjunto de doenças. 
  • Hipoglicemia é definida pela presença da tríade de Whipple: presença de sintomas compatíveis, glicose < 55 mg/dL e resolução dos sintomas após elevação da glicose. 
  • A investigação de hipoglicemia só deve ser realizada naqueles pacientes que apresentam a tríade de Whipple. O primeiro passo na investigação é a anamnese e o exame físico.  
  • Em um paciente que apresenta hipoglicemia (seja espontânea, seja em teste de jejum ou com estímulo alimentar), deve-se realizar a dosagem de glicemia, insulina, peptídeo C, pró-insulina, dosagem de sulfonilureia, beta-hidroxibutirato (corpos cetônicos) e anticorpos anti-insulina.  

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