Massacres escolares e saúde mental: qual a relação?
Massacres escolares como o ocorrido na escola do município de Suzano, Raul Brasil, em março de 2019 ou em outras escolas americanas – o massacre de Columbine, por exemplo, em um passado não tão longínquo – aumentam a pressão da população sobre as autoridades de saúde, segurança e educação com o propósito de avaliar criteriosamente os riscos das diversas formas de violência grave. Em situações agudas, a análise de ameaças, assassinatos em massa e posterior suicídio concentram-se em processos de pensamento e ações de adolescentes que apresentam ameaça de violência, a fim de ponderar em que medida o adolescente progrediu de pensamentos para ações.
Ameaças afirmam uma intenção com as chances de promulgação dependendo do grau de comprometimento. O comprometimento, por sua vez, é refletido no nível de preocupação, plausibilidade, planejamento e preparação. A maioria das ameaças não tem compromisso de agir como um fim em si motivado por coisas como o desejo de expressar uma emoção, o desejo de amedrontar e a tentativa de manipular os outros, embora apenas ocasionalmente sejam um aviso. A avaliação das ameaças para cometer um massacre é considerada em termos de motivação e aparente comprometimento.
Aqueles que ameaçam assassinatos em massa também diferem significativamente dos agressores “lobos solitários” em seus quadros clínicos, o que pode auxiliar na avaliação do risco. Atentados solitários como os de Port Arthur e Parklands High School na Flórida continuam sendo eventos raros, embora mais frequentes ano após ano. Já massacres com a ajuda coletiva pode ter intenções terroristas, raciais, étnicas e outros crimes de ódio, assim como o Massacre de Orlando.
O lobby das armas afirma que a doença mental está subjacente à violência armada e deve ser um ponto chave para a intervenção. Nesse contexto, existe uma máxima que diz algo assim: “nem tanto e nem tão pouco”. Atualmente, reconhece-se que pessoas com esquizofrenia, por exemplo, ainda que por força de um pequeno subgrupo, têm maior probabilidade de serem violentas do que a população geral. Existe um vínculo modesto, mas significativo, entre os transtornos mentais e a violência na comunidade. No entanto, a grande maioria dos indivíduos mentalmente doentes não é violenta. Apesar dos retratos da mídia sobre sua periculosidade, eles são mais propensos a serem vítimas de violência e suicídio. Predominantemente, indivíduos violentos não têm doença mental e assassinos em massa não têm doença mental grave identificável. Muitos possuem configurações de personalidade desadaptadas. A disponibilidade e a posse de armas, não a doença mental grave, tendem a determinar a maioria dos homicídios por armas de fogo. Retratos midiáticos sobre tiroteios em massa cometidos por indivíduos popularmente designados como “perturbados” estimulam a atenção do público leigo e podem reforçar a crença popular de que a doença mental geralmente resulta em violência. Além disso, estudos epidemiológicos mostram que a grande maioria das pessoas com doenças mentais graves raramente é violenta. Por outro lado, a doença mental está fortemente associada ao aumento do risco de suicídio, que é responsável por mais da metade das mortes relacionadas a armas de fogo nos Estados Unidos (EUA).
Após os recentes massacres de armas nos EUA, houve pedidos de melhores recursos para os serviços de saúde mental. Tudo isso para ajudar a identificar e responder aos que estão em risco, além de regular o acesso a armas de fogo. Rastrear por rastrear populações com doenças mentais para o risco de violência pode ser equivocado segundo alguns pesquisadores. No entanto, os profissionais da saúde mental podem desempenhar um papel fundamental no trabalho junto às autoridades legais para monitorar e auxiliar a regulamentação do acesso a armas de fogo, especialmente entre populações de alto risco. Também podem avaliar a eficácia de políticas e leis destinadas a prevenir lesões por armas de fogo e mortalidade que estão associadas a doenças mentais graves e transtornos por uso de substâncias. O lobby das armas parece estar transformando o debate sobre a disponibilidade de armas de fogo, questionando agora se pessoas com histórico de doenças mentais devem ou não ter acesso a tais armas – o que parece ser um convite ao aumento do preconceito contra pessoas com transtornos. A regulamentação de armas de fogo pode prevenir a mortalidade por armas de fogo e ferimentos.
Assim, devido à grande variabilidade no comportamento agressivo, frequentemente são necessárias intervenções separadas para o indivíduo, para a família e outros ambientes de desenvolvimento. A formulação de políticas na interface da prevenção da violência armada e das doenças mentais deve basear-se em dados epidemiológicos relativos ao risco de melhorar a eficácia, a viabilidade e a justiça das iniciativas políticas. A avaliação estruturada de riscos em cuidados especiais de saúde é direcionada à tomada de decisões em relação à redução de riscos e ajuda adequada para adolescentes em risco.
Um ano após o massacre de julho de 2011, no acampamento de verão Utøya na Noruega, 87 pais de 63 jovens que sobreviveram ao massacre foram entrevistados, mostrando que os cuidadores apoiaram ativamente seus filhos e descreveram um processo exigente de estabelecer novas rotinas para possibilitar a frequência escolar. A maioria dos pais descreveu mudanças radicais em seus adolescentes. Muitas vezes, a luta pelo estabelecimento de rotinas trouxe conflito e frustração ao relacionamento entre pais e filhos. O primeiro ano escolar após o trauma foi descrito como uma luta frustrante e solitária: seus adolescentes foram em grande parte incapazes de restaurar a vida cotidiana normal e o funcionamento escolar. Em 20% dos casos, as relações entre a escola e a casa foram tensas e relatadas como um fardo por causa da falta de compreensão das necessidades e medidas insuficientes e medidas educacionais não adaptativas; outros 20% comunicaram conflito nas relações entre a escola e a casa, enquanto 50% mostraram resultados positivos ou neutros. Cerca de 10% dos matriculados desistiram da escola ou começaram a trabalhar, em vez de terminar os estudos.
Os pais seguem, em geral, sendo aconselhados a levar seus filhos de volta ao colégio logo após a exposição ao trauma de massacres escolares, para que possam receber apoio social e restaurar a estrutura de apoio da vida cotidiana. Que a serenidade, força, os desejos e sonhos transformadores dos adolescentes, professores, funcionários e pais da escola Raul Brasil continuem mantidos e uma cultura de paz tão almejada possa ser alcançada.
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Fontes:
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