O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed

O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed
  • Home
  • Conteúdos
  • Medicamentos que provocam arritmia: como identificar e prevenir?

Medicamentos que provocam arritmia: como identificar e prevenir?

Uma variedade de medicamentos utilizados na prática diária pode causar ou exacerbar arritmias cardíacas (1). Dentre eles, estão antimicrobianos, psicotrópicos, anti-histamínicos e outros fármacos de uso frequente, como a domperidona (2). Suspeitar que a arritmia pode estar associada a algum fármaco é fundamental, pois a suspensão do agente por si pode prevenir sua recorrência (1).

O efeito de medicamentos no ritmo cardíaco é um fenômeno reconhecido há quase um século, quando o uso do antimalárico (e antiarrítmico) quinidina foi associado à ocorrência de desmaios mediados por uma arritmia com traçado eletrocardiográfico característico (3). Posteriormente, na década de 1960, esse ritmo foi batizado de torsades de pointes (torção de pontas) e associado a morte súbita por Francois Dessertenne (3). Após o caso da quinidina, nos anos que se seguiram, foram reportados episódios de torsades de pointes com o uso de medicamentos diversos. Isso levou à retirada de comercialização de alguns desses fármacos pelas autoridades (3). Até hoje, esta é uma das principais preocupações com os efeitos arritmogênicos de medicamentos.

Além de torsades de pointes, outras arritmias são frequentemente associadas a fármacos. Bradiarritmias, fibrilação e flutter atrial, taquicardia atrial, taquicardia por reentrada nodal e até mesmo traçados semelhantes à síndrome de Brugada fazem parte dos potenciais efeitos adversos de medicamentos (1). Reconhecer o cenário de risco é fundamental para uma prescrição segura. Portanto, revisaremos a relação entre medicamentos e arritmias. Trata-se de um assunto extenso e aqui você encontrará uma seleção das principais arritmias relacionadas a fármacos da prática clínica.

Arritmias ventriculares

As arritmias ventriculares e o risco de morte súbita são eventos adversos bastante temidos. Felizmente, trata-se de episódios raros e, na maior parte das vezes, idiossincráticos e não previsíveis (2). Por serem incomuns, estudos sobre sua frequência são difíceis e a maior parte das informações advém de estudos com delineamento frágil (principalmente relatos de casos). Em função disso, é provável que grande parte dos eventos passem despercebidos – especialmente aqueles que ocorrem com poucos sintomas e em indivíduos saudáveis. Pelo mesmo motivo, a associação causal entre o evento e o medicamento pode ser desafiadora (2).

Desde a descrição dos efeitos da quinidina, o principal mecanismo envolvido na gênese de arritmias ventriculares é o prolongamento do intervalo QT e, portanto, este é o efeito mais estudado. Esse aumento do tempo para despolarização completa do miocárdio estende o período de risco para que uma nova despolarização de origem ventricular encontre tecido miocárdico suscetível, que pode gerar um circuito de arritmia ventricular (4).

O intervalo QT é avaliado com um eletrocardiograma simples de 12 derivações e está alterado quando apresentar duração > 450ms em homens e > 460ms em mulheres e deve ser 
corrigido para a duração da frequência cardíaca
. Deve-se dar preferência pela avaliação na derivação DII (5). É mais comum que as arritmias se desenvolvam quando o intervalo QT for superior a 500ms (6).

Além de estar atento à duração do intervalo QT, deve-se avaliar se o prolongamento deste é atribuível ao fármaco; a melhora (mesmo que parcial) com a suspensão corrobora isso. Por fim, alguns critérios devem ser cumpridos para estabelecer a relação de causalidade entre um episódio de torsades de pointes e um fármaco, conforme apresentado no 
Quadro 1
.

Quadro 1.
 
Critérios para relação causalidade entre episódio de torsades de pointes e um fármaco – todos devem ser satisfeitos. Adaptado de (2).

Diversas condições congênitas ou adquiridas podem contribuir para o desenvolvimento de arritmias ventriculares e prolongamento do intervalo QT induzidas por fármaco (
Tabela 1
)
Embora muitas drogas sejam reconhecidamente de risco (
Tabela 2
), alguns subgrupos de pacientes apresentam maior substrato orgânico para arritmias e a prescrição de fármacos de risco nestes indivíduos deve gerar cuidado especial, com realização de eletrocardiograma antes e após a prescrição (6). O risco de arritmias tende a ser proporcional à concentração sérica da droga, mas isso não é uma regra; a quinidina é um exemplo de exceção (2).

Tabela 1.
 
Principais fatores de risco relacionados ao desenvolvimento de prolongamento do intervalo QT e torsades de pointes induzidos por fármacos. Adaptado de (2).

Tabela 2. Principais medicamentos relacionados ao desenvolvimento de prolongamento do intervalo QT e torsades de pointes induzidos por fármacos. Adaptado de (2).

Os principais cuidados para minimizar o risco de arritmias graves em pacientes iniciando um medicamento que prolonga o intervalo QT são (7):

Especial atenção deve ser dada para pacientes com um ou mais fatores de risco (
Tabela 1
). Uma avaliação da relação risco-benefício pode ajudar para isso e, se disponível, medicamentos alternativos devem ser considerados. Uso de mais de um medicamento (Tabela 2) que alarga o intervalo QT deve ser evitada.

Um eletrocardiograma deve ser feito antes de iniciar o medicamento. Além disso, eletrocardiogramas devem ser realizados ao longo do tratamento para identificar prolongamento do intervalo QT. A duração da monitorização depende da meia-vida do medicamento e da duração do tratamento.

Orientar os pacientes a notificar ao médico com quaisquer sintomas de alarme, como palpitações, síncope ou pré-síncope. Além disso, situações em que pode haver hipocalemia (diarreia, início de diuréticos) devem ser monitoradas de perto.

Bradiarritmias

As bradiarritmias podem ser classificadas em disfunção do nodo sinusal (que dá origem ao ritmo normal do coração) ou bloqueio atrioventricular (que leva a despolarização atrial aos ventrículos). Nas arritmias que comprometem o nodo sinusal, há a ocorrência de bradicardia sinusal, pausa sinusal ou parada sinusal; os principais mecanismos são redução do automatismo, lentificação da condução ou prolongamento da repolarização do nodo. Nos bloqueios atrioventriculares, há redução ou suspensão da passagem dos estímulos elétricos dos átrios para os ventrículos de graus variados; o mecanismo inclui inibição ou aumento do período refratário do nodo atrioventricular e/ou do sistema His-Purkinje (1).

Os principais fármacos envolvidos no surgimento de bradiarritmias estão descritos na 
Tabela 3; 
destes, os mais implicados são os anestésicos, antiarrítmicos e antihipertensivos. A maioria deles pode causar tanto efeito no nodo sinusal e na condução atrial quanto no nodo atrioventricular (1).

Tabela 3.
 
Principais fármacos relacionados ao desenvolvimento de bradiarritmias. Adaptado de (1).

Quanto à prevenção, esses medicamentos devem ser evitados em pessoas que sabidamente tenham disfunção nesses sistemas (exceto pacientes com bloqueio atrioventricular de primeiro grau) e combinações de medicamentos não devem ser utilizadas (sempre que possível). O monitoramento eletrocardiográfico deve ser considerado. Outras situações de risco, como infecção e disfunção eletrolítica, também devem ser abordadas (1).

Arritmias supraventriculares

Taquicardia atrial

A taquicardia atrial é um evento frequente relacionado a medicamentos (
Tabela 4
). Ela se caracteriza por frequência cardíaca entre 100-250 batimentos por minuto com a presença de onda de contração atrial (se for sinusal, denomina-se taquicardia sinusal). Além disso, pode-se classificá-la como focal, quando a morfologia de onda P é única, ou multifocal, quando há > 3 morfologias diferentes de onda P ao eletrocardiograma. Este último caso é mais comum em pacientes com doença estrutural cardíaca ou pulmonar prévia ou hipomagnesemia (1). Para prevenção, deve-se evitar uso concomitante de estimulantes e interações medicamentosas.

Tabela 4. Principais fármacos e drogas relacionados ao desenvolvimento de taquicardia atrial. Adaptado de (1).

Flutter e fibrilação atrial

Fibrilação e flutter atrial são arritmias caracterizadas por despolarizações atriais rápidas e irregulares se contração efetiva. Têm mecanismos fisiopatológiocs e etiológicos semelhantes, porém, no flutter, a atividade atrial é mais organizada com formação de "ondas F" características no eletrocardiograma.

O mecanismo de indução de arritmia depende da droga, mas tem similaridade com o que acontece com a taquicardia sinusal, com aumento do estímulo à contração atrial mediada pelo sistema catecolaminérgico.

A lista de medicamentos envolvida com o surgimento (ou exacerbação) dessas arritmias está na 
Tabela 5
. Para prevenção, recomenda-se utilizar a menor dose efetiva dos fármacos e evitar o uso concomitante de estimulantes; monitoramento de sintomas pelos pacientes pode ser útil (1). O controle adequado do ritmo ou frequência daqueles com arritmia prévia também minimiza o risco de descompensação.

Tabela 5.
 
Principais fármacos e drogas relacionados ao desenvolvimento ou exacebação de fibrilação ou flutter atrial. Adaptado de (1).

Como prevenir a arritmia cardíaca provocada por medicamentos?

Como apresentado anteriormente, a principal prevenção é a avaliação cuidadosa antes do início do uso de medicamentos com efeitos arritmogênicos; essa recomendação é especialmente importante em pacientes com fatores de risco para a ocorrência de arritmias (1,2).

Duas outras recomendações gerais devem ser observadas (1,2). A primeira é o monitoramento eletrocardiográfico, sempre que possível e pertinente. A segunda é o controle de fatores de risco modificáveis para a ocorrência de arritmias. Neste último ponto, alguns cuidados devem ser lembrados:

  • Correção de distúrbios eletrolíticos, com especial atenção ao potássio. Em relação a este último, existe sugestão de tentar atingir níveis próximos de 4 mEq/L, dado o comportamento em U da incidência de arritmias (8).
  • Monitorar, ajustar e, em especial, evitar interações de medicamentos com efeitos semelhantes no sistema de condução do coração.
  • Monitoramento das funções hepática e renal.

Como tratar?

Além do manejo de suporte básico e avançado de vida em casos de arritmias agudas graves, deve-se proceder à descontinuação do fármaco envolvido; em caso de intoxicação, estratégias específicas podem ser indicadas (p.ex., administração de carvão ativado, antídoto para agentes específicos) (1).

Suspeitar que a arritmia pode estar associada a algum fármaco é fundamental, pois a suspensão do agente por si pode resolver o fenômeno (1). No caso de bradiarritmias, a suspensão do fármaco nem sempre é suficiente, e até 50% dos pacientes podem experimentar recorrência ou persistência de bradicardia; portanto, o seguimento do paciente mesmo após a suspensão do medicamento é necessário (1).

Café pré-round: os pontos mais importantes deste assunto

  • O desenvolvimento de arritmias cardíacas é um efeito adverso de diversos medicamentos de uso corrente. Esse efeito é conhecido há aproximadamente 100 anos.
  • O prolongamento do intervalo QT e a consequente arritmia por torsades de pointes é uma das arritmias mais temidas. Deve-se monitorar o intervalo QT de pacientes iniciando medicamentos que sabidamente causam essa arritmia, em especial aqueles com fatores de risco.
  • Medicamentos podem tanto comprometer o ritmo sinusal (nodo sinoatrial) normal quanto a condução desses estímulos até os ventrículos (nodo atrioventricular). Disso podem advir bradicardias supraventriculares e bloqueios atrioventriculares.
  • Aumento da autonomia dos átrios pode levar a arritmias supraventriculares (em especial taquicardia, fibrilação e flutter atriais).
  • As principais medidas para evitar arritmias induzidas por medicamentos são avaliar cuidadosamente a indicação de um medicamento arritmogênico, o controle de fatores associados (em especial atenção ao potássio) e o monitoramento eletrocardiográfico.

Gostou desse conteúdo e quer seguir se atualizando? Conheça os programas de atualização profissional do Secad e tenha acessos a conteúdos indicados pelas principais sociedades científicas:

Referências

Tisdale JE, Chung MK, Campbell KB, Hammadah M, Joglar JA, Leclerc J, et al. Drug-Induced Arrhythmias: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2020 Oct 13;142(15):e214–33.

Behr ER, Roden D. Drug-induced arrhythmia: pharmacogenomic prescribing? Eur Heart J. 2013 Jan;34(2):89–95.

Center for Drug Evaluation, Research. Impact Story: Improved Assessment of Cardiotoxic Risk in Drug Candidates: The Comprehensive in vitro Proarrhythmia Assay [Internet]. U.S. Food and Drug Administration. FDA; [cited 2022 Aug 11]. Available from: 
https://www.fda.gov/drugs/regulatory-science-action/impact-story-improved-assessment-cardiotoxic-risk-drug-candidates-comprehensive-vitro-proarrhythmia

Zipes DP, Libby P, Bonow RO, Mann DL, Tomaselli GF, Braunwald E. Braunwald’s Heart Disease: A Textbook of Cardiovascular Medicine. Elsevier; 2018. 1944 p.

Cooper LB, Benson L, Mentz RJ, Savarese G, DeVore AD, Carrero JJ, et al. Association between potassium level and outcomes in heart failure with reduced ejection fraction: a cohort study from the Swedish Heart Failure Registry. Eur J Heart Fail. 2020 Aug;22(8):1390–8.