Prevenção das IST na adolescência: qual o papel do pediatra

A adolescência é um período marcado por vulnerabilidades em virtude de ser uma etapa da vida em que ocorrem conflitos nos aspectos físico e psicossocial. A descoberta do prazer sexual, muitas vezes, ocorre nessa época, isso gera a necessidade de promover ações de educação em saúde para orientar adolescentes sobre os riscos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e gravidez indesejada. As IST são causadas por microorganismos, como vírus, fungos, bactérias e protozoários, veiculados por via sexual. Muitas vezes, apresentam-se de forma assintomática, fazendo com que indivíduos infectados possam disseminar a doença sem saberem de sua condição.
A OMS estima que 20% das pessoas que vivem com HIV/Aids estão na faixa dos 20 anos e que 1 em cada 20 adolescentes contrai alguma IST a cada ano. Sentimentos de invulnerabilidade, pensamento mágico e atitudes contestadoras são algumas das características que dificultam a utilização efetiva de métodos anticonceptivos, especialmente dos preservativos, fato que se contrapõe às recomendações sobre as práticas sexuais protegidas.
As IST são consideradas um grave problema de saúde pública, sobretudo entre a população jovem, entre 15 e 21 anos de idade. A repercussão de suas consequências, em ambos os sexos, sua relação com o aumento da morbimortalidade materna e infantil, além do papel facilitador da transmissão sexual do HIV, estão bem documentados. Assim, é preciso reconhecer que os adolescentes são um grupo que necessita de orientações específicas sobre prevenção das IST, testagem e aconselhamento.
Principais ISTs na adolescência
Estudos atuais demonstram que as taxas de prevalência de IST são mais elevadas em adolescentes, quando em comparação com outras faixas etárias, principalmente a sífilis, HIV, hepatites virais e infecções vulvovaginais como a clamídia, gonorreia e tricomoníase.
A iniciação da vida sexual ocorre primariamente por meio do sexo oral, com predominância no sexo feminino, sendo a idade média de iniciação compreendida no intervalo da adolescência. No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2020, foram notificados mais de 290 mil casos de sífilis adquirida, mais de 74 mil casos de gonorreia e mais de 39 mil casos de HIV em pessoas com idade entre 15 e 24 anos.
A Chlamydia trachomatis é uma das principais causas de infertilidade em mulheres jovens e pode estar presente de forma assintomática em até 70% dos casos. No Brasil, em um estudo na Amazônia Ocidental, a clamídia foi a IST mais prevalente, atingindo 23% das adolescentes. Na Europa, Chlamydia trachomatis continua sendo a principal causa bacteriana de ISTs, com 68% do total de casos em jovens de 15 a 24 anos. A gonorreia foi encontrada em 3,1% das adolescentes na Amazonia Ocidental e tricomoníase apresentou uma prevalência de 5,6% entre as adolescentes.
Uma pesquisa realizada em Brasília constatou que de 2011 a 2021, os casos de sífilis aumentaram 800%, conforme notificações do Ministério da Saúde. Na faixa etária de 15 e 19 anos, o aumento foi ainda mais alarmante: subiu 1.109%, com predomínio das mulheres. Embora a pesquisa aponte redução de 6,79% nos casos de HIV na população
geral, entre os adolescentes, a doença cresceu cerca de 18%, com alta notável de 111% nos diagnósticos do sexo masculino e diminuição de 44% do sexo feminino.
Estratégias de prevenção
A oferta exclusiva de preservativos não é suficiente para garantir os diversos aspectos da saúde sexual, é fundamental a ampliação da perspectiva para a avaliação e a gestão de risco, além das possibilidades que compõem a Prevenção Combinada.
O termo “Prevenção Combinada” remete à conjugação de diferentes ações de prevenção às IST, ao HIV e às hepatites virais e seus fatores associados. Assim, sua definição está relacionada à combinação de três tipos de intervenções: biomédica, comportamental e estrutural (marcos legais), aplicadas ao âmbito individual e coletivo.

Geralmente, o termo “sexo seguro” é associado ao uso exclusivo de preservativos. Todavia, por mais que os preservativos sejam uma estratégia fundamental a ser sempre estimulada, o seu uso possui limitações. Assim, outras medidas de prevenção são importantes e complementares para uma prática sexual segura, como as apresentadas a seguir:
- Usar preservativo e lubrificantes
- Imunização para HAV, HBV e HPV
- Conhecimento do status sorológico para HIV da(s) parceria(s) sexual(is);
- Testagem regular para HIV e outras IST
- Tratar todas as pessoas vivendo com HIV , tendo como plano de fundo o conhecimento de que indetectável é igual intransmissível (I=I)
- Realizar exame preventivo de câncer de colo do útero (colpocitologia oncótica)
- Realizar profilaxia pré-exposição – PrEP, quando indicada - é importante mencionar que a PrEP é segura e pode ser utilizada por adolescentes
- Disponibilizar informação e acesso aos métodos de anticoncepção e concepção
- Realizar profilaxia pós-exposição – PEP, quando indicado
Nesse sentido, é essencial ampliar as possibilidades de prevenção e tornar o cenário de prevenção mais completo e efetivo, abrangendo estratégias que vão além do uso de preservativo e que possam ser utilizadas de forma preventiva (PrEP) em situações de emergência (PEP).
Papel do pediatra: acolhimento e orientação
A falta de conhecimento dos adolescentes sobre as IST é o principal fator que contribui para a sua disseminação. Esse fator também se relaciona com os comportamentos de riscos adotados por esse público, sendo os principais: a iniciação precoce da vida sexual, multiplicidade de parceiros, não utilização de preservativo e uso de álcool e outras drogas.
A educação em saúde é primordial, e esta deve abranger a família, o âmbito escolar e os serviços de saúde para a garantia de uma maior prática de autocuidado aos adolescentes. Essa educação em saúde abrange a educação sexual, que deve ser iniciada antes mesmo da puberdade, sempre respeitando o desenvolvimento cognitivo, físico e emocional da criança e do adolescente, a fim de que quando ele inicie sua vida sexual possamos reforçar as orientações de prevenção de gestação indesejada e IST, retomando os conceitos de limite corporal, intimidade e privacidade para que a relação sexual, caso ocorra, seja não só prazerosa, mas também segura para os envolvidos.
O pediatra deve estabelecer uma relação de confiança e respeito que permita construir diálogos sobre assuntos íntimos, como a vivência da sexualidade do jovem. Deve orientar sobre os riscos de IST e gravidez não planejada, mas também tratar a atividade sexual como uma parte integrante do desenvolvimento humano, evitando julgamentos morais, preconceitos e estereótipos, de forma que o adolescente o encare como um interlocutor confiável para conversas sobre o campo da sexualidade. Nesse sentido, é importante informar sobre o ciclo menstrual, cuidados com a higiene íntima, corrimento vaginal, fisiológico ou não, corrimento uretral, afetividade, relação sexual e suas implicações. O pediatra deve, desde o início, conversar com os familiares incentivando o diálogo e a educação sexual desde a infância, é sabido que uma comunicação positiva entre pais e filhos pode ser considerada fator protetor contra comportamentos sexuais de risco.
Limitações
Há uma marcante escassez de políticas públicas voltadas para a educação em sexualidade e nos locais onde existem, muitas vezes os projetos os projetos não são devidamente aplicados.
A ausência ou a fragmentação dos serviços de saúde locais é um obstáculo considerável na gestão de IST, especialmente para adolescentes e jovens. Muitos centros de saúde e protocolos de infecções são desenvolvidos considerando apenas para adultos, o que exige que o pediatra adote estratégias específicas para orientar, diagnosticar e tratar adolescentes, considerando a dinâmica familiar.
Além disso, muitos pediatras não falam sobre relações sexuais nem distribuem preservativos em suas práticas devido a preocupações com a desaprovação dos pais/cuidadores, com receio de ofender pacientes ou de promover a atividade sexual, o que sabemos, não se confirma na prática. Quanto mais orientados, maiores as chances de buscarem ajuda caso necessário, e menor a chance de se exporem a riscos.
Aspectos éticos e legais
Os adolescentes têm direito de ser atendidos sozinhos, em espaço privado de consulta e as informações discutidas durante e depois da consulta não podem ser informadas a seus pais e ou responsáveis sem a permissão expressa do adolescente.
A confidencialidade apóia-se em regras da bioética médica, através de princípios morais de autonomia (artigo103 do Código de Ética Médica). Na versão atualizada em 2009, o Código de Ética Médica no capítulo IX, Art. 74, preserva o princípio de que: “É vedado ao médico revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente”.
Assim sendo, o pediatra deve:
- Manter a ética da privacidade e confidencialidade na consulta
- Construir espaço de interlocução sobre sexualidade de forma ampla, não se restringindo à prevenção das IST e da gravidez não planejada
- Verificar o cartão de vacinas (vacina Hepatite B e HPV)
- Estar atento aos comportamentos de risco para detecção precoce de IST, a fim de tratá-las conforme os protocolos, inclusive as formas assintomáticas
- Participar de ações coletivas em espaços frequentados por adolescentes, como escolas, clubes, academias, promovendo educação em saúde com temas referentes à sexualidade
- Salientar a importância do uso do preservativo interno ou externo em qualquer relação ou atividade sexual.