Sistema límbico: estruturas, funções e relevância para a prática psicológica

O interesse pelo sistema límbico, enquanto conjunto organizado de estruturas neurais, aparenta ter aumentado entre psicólogos e pessoas que buscam por serviços psicológicos. Este aumento talvez possa ser atribuído à expectativa de que o conhecimento deste sistema, comumente associado às emoções e distúrbios emocionais, possa ajudar no controle dos impulsos e das psicopatologias que nos acometem. Entretanto, a ideia de um sistema neural exclusivo e especializado no processamento das emoções remonta dualismos que contaminam há séculos o imaginário popular: um primeiro refere-se à separação entre emoção e razão, enquanto um segundo refere-se à separação entre emoção e corpo (Damásio, 2012).
Estas separações tornam-se evidentes em uma antiga forma de dividir hierarquicamente o sistema nervoso proposta inicialmente pelo pesquisador-teórico MacLean: o tronco encefálico e os gânglios da base, antigos na escala evolutiva, estariam envolvidos no controle do movimento e das funções vitais do corpo; o sistema límbico, mais desenvolvido entre os mamíferos, estaria associado às emoções e à motivação, exercendo controle sobre o corpo; o córtex cerebral, tendo como principal expoente o córtex pré-frontal (outra estrutura popularizada recentemente), sendo mais desenvolvido nos primatas e humanos, estaria associado à razão e processos cognitivos, exercendo controle sobre as emoções (Kaushal et al., 2024; Steffen et al., 2022).
Tal modelo vem sendo fortemente criticado pelo entendimento recente de que as estruturas neurais são funcionalmente interligadas, implicando que a razão, emoção e corpo não são facilmente distinguíveis na organização neuroanatômica, e nem dispostas de forma hierárquica (Steffen et al., 2022). Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo promover noções sobre o sistema límbico que permitam um melhor entendimento sobre o comportamento humano, com importantes implicações para a prática psicológica, incluindo a psicoterapia.
Estrutura, Organização e Função do Sistema Límbico
A palavra “Límbico” significa “fronteira” em Latim, justamente por fazer referência a um conjunto de estruturas localizadas na fronteira entre os hemisférios corticais, no topo do encéfalo e regiões do tronco encefálico na base do encéfalo. Atualmente, compreende-se que a atividade neuronal de algumas regiões do sistema límbico, como o hipocampo, está mais correlacionada a memória episódica e aprendizagem espacial, enquanto a atividade neuronal de outras regiões, como a amígdala, o córtex orbitofrontal e do córtex cingulado anterior, assim como da via mesolímbica, está mais correlacionada ao comportamento e aprendizagem emocional (Rolls, 2015). Compreende-se também que a atividade do sistema límbico seja crucial para outras funções, além das emoções e da memória, como o comportamento social, comportamento agressivo, comportamento sexual, tomada de decisão, atenção e adaptações corporais e metabólicas (Bear et al., 2017; Catani et al., 2013).
Dentre as estruturas límbicas, a amígdala ganhou grande notoriedade entre pesquisadores e leigos, sendo sua atividade neuronal relevante para a resposta de medo, ansiedade e agressividade. Esta importância pode ser ilustrada pelo caso do paciente S. M., que por conta de uma doença autossômica recessiva teve suas amigdalas danificadas, tornando-se incapaz de reconhecer expressões faciais de medo e de experimentar a emoção de medo, capacidades cruciais para a sobrevivência e para interações sociais (Purves et al., 2010). Embora a atividade da amígdala também possa ser relacionada também a situações agradáveis (Rolls, 2015), foi a dopamina liberada na via mesolímbica que ganhou destaque para esta função. Ao contrário do imaginário popular, a atividade dopaminérgica desta via não está associada ao prazer consumatório, mas sim a antecipação de consequências reforçadoras e a motivação para se esforçar para produzir tais reforçadores (Bear et al., 2017; Purves et al., 2010).
O córtex orbitofrontal é outra região límbica que vem ganhando destaque no processamento emocional em primatas e humanos. A atividade desta região tem sido associada a atribuição de valor emocional, a aprendizagem emocional e a predição de consequências reforçadoras, tendo papel essencial no comportamento social e na tomada de decisão (Rolls, 2015; Rudebeck & Rich, 2018). Um importante caso em neuropsicologia que ilustra o papel desta região é o de Phineas Cage, operário americano que sofreu acidente com barra metálica que atravessou seu crânio e danificou a porção frontal do seu encéfalo, incluindo o córtex orbitofrontal, lesão que passou a ser associada a uma grande dificuldade em tomar decisões importantes, no planejamento e organização e em comportar-se adequadamente em situações sociais, entretanto, sem prejuízos no raciocínio lógico (Bear et al., 2017; Breedlove & Watson, 2017; Catani et al., 2013; Damásio, 2012; Purves et al., 2010). Este caso ressalta a dificuldade de separar emoção e razão, uma vez que as emoções podem cruciais para direcionar com facilidade e eficiência as decisões sociais, o que seria quase impossível sem elas (Catani et al., 2013; Damasio, 2012).
É importante reconhecer que tanto a amígdala como o córtex orbitofrontal são moduladas por vias neurais associadas aos sentidos, como visão, audição, olfato, tato, paladar, o que seria necessário para atribuição de valor emocional aos objetos externos (Rolls, 2010). Entretanto, estas regiões também são moduladas pela atividade de vias neuronais associadas a aferição de variações no estado corporal (metabolismo, energia, frequência cardíaca e respiratória, dor), destacando-se áreas como a ínsula e o córtex somatossensorial (Damasio, 2004; Damasio, 2012; Prince & Harmon-Jones, 2015). Isto implica que as emoções não são uma simples reação a estímulos externos, mas são produzidas tendo como base variações no estado do corpo (Damasio, 2004; Damasio, 2012; Price & Harmon-Jones, 2015). Somado a isto, as regiões límbicas também modulam a atividade do hipotálamo, estrutura neural que promove a liberação de hormônios e respostas fisiológicas, como aumento da pressão sanguínea e da frequência respiratória, alterando o estado do corpo e, portanto, afetando as próprias emoções (Prince & Harmon-Jones, 2015; Rolls, 2010).
Relevância para a Prática Psicológica
O sistema límbico estabelece uma relação íntima com situações de estresse, integrando respostas emocionais, corporais e de tomada de decisão para superar desafios cotidianos. Entretanto, no processo de cronificação do estresse, quando o organismo é exposto a situações aversivas incontroláveis e imprevisíveis de forma intensa ou prolongada, ocorrem alterações estruturais e funcionais no sistema límbico que favorecem comportamentos de evitação e ansiedade (amígdala), desfavorecem a motivação para buscar reforçadores (via mesolímbica e córtex pré-frontal) e dificultam a consolidação de memórias de longo-prazo (hipocampo). Tais efeitos são elementos contidos no desenvolvimento de psicopatologias como depressão e ansiedade extrema (Arnsten et al., 2023; McEwen et al., 2015). Resiliência ao estresse, por sua vez, não deve ser entendida como a ausência de reação ao estresse, mas sim como um processo que envolve respostas iniciais à situação estressora, mas que se recuperam com o tempo, evitando a cronificação e as consequentes alterações estruturais e funcionais do sistema límbico (Bhatnagar, 2021).
Assim, a noção clínica primordial que se procura extrair destas concepções é a de que resiliência ao estresse não é um processo puramente racional, como idealizado pelo senso comum, onde seriamos capazes de assumir uma “frieza” emocional, tornando-nos insensíveis aos estressores. Resiliência deve ser entendido como um processo comportamental coerente, onde a diversidade de relações positivas na história do indivíduo, nas quais foi capaz de produzir ativamente reforçadores, ajuda na recuperação de situações aversivas nas quais dispõe-se de pouco controle ou previsibilidade. Desta forma, a promoção de resiliência não se dá somente na razão, mas no organismo como um todo, onde razão, emoção e corpo são instâncias indissociáveis.