Os acidentes de trabalho são ocorrências súbitas durante o desenvolvimento das atividades laborais. Eles podem resultar em prejuízos para a saúde do trabalhador por meio de perturbações funcionais ou lesões corporais que provocam a morte ou a perda ou diminuição da capacidade para o trabalho.
Dentre os locais de trabalho, as unidades de saúde são consideradas como ambientes que oferecem um elevado risco, sendo encontrados riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e psicossociais.
Os acidentes envolvendo riscos biológicos são frequentes e suscitam grande preocupação entre os profissionais da saúde, dada a sua potencial periculosidade e condições insalubres. Estes incidentes ocorrem principalmente devido ao contato direto com fluídos corporais ou à manipulação de materiais perfurocortantes contaminados, os quais podem facilitar a transmissão de diversos patógenos, incluindo o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e os vírus das Hepatites B e C (HBV e HCV), entre outros.
Ressalta-se que quanto maior a complexidade do serviço de saúde, mais procedimentos são realizados, aumentando também a presença de materiais perfurocortantes e, consequentemente, um maior risco de exposição dos profissionais.
Os acidentes com materiais perfurocortantes são entendidos como um desafio e uma preocupação devido ao potencial de transmissão de patógenos veiculados pelo sangue e suas implicações para a saúde.
Esse risco ocorre por conta da manipulação de diversos instrumentos utilizados pelos profissionais de saúde durante o exercício de suas funções.
A ocorrência de acidentes com materiais perfurocortantes no ambiente de trabalho pode acometer qualquer profissional, mas as equipes de enfermagem são as mais afetadas.
Afinal, o manuseio constante desses materiais apresenta um risco biológico iminente.
Fatores relacionados ao comportamento do trabalhador, como a falta de atenção durante a execução de procedimentos ou de qualificação profissional, desconhecimento dos riscos e não utilização de equipamento de proteção individual (EPI), bem como o descarte inadequado de resíduos, especialmente os perfurocortantes, podem aumentar o risco de acidentes.
Em 2005, foi estabelecida no Brasil a Norma Regulamentadora NR-32, que estabelece as diretrizes fundamentais para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores nos serviços de saúde. Esta norma visa aprimorar as condições de trabalho dos profissionais que, embora desempenhem tarefas rotineiras, operam em ambientes classificados como grau de risco III devido à natureza de suas atividades na área de Atenção à Saúde.
A implementação de medidas de biossegurança é essencial no contexto do trabalho da enfermagem.
Além do domínio técnico, os profissionais devem estar atentos ao realizar procedimentos críticos em pacientes, pois trabalham em um ambiente caracterizado pelo ritmo intenso e constante, fornecendo assistência ininterrupta a pacientes críticos e mantendo-se constantemente expostos.
Fatores como
desatenção, descuido, tensão, estresse, cansaço e fadiga
, tanto decorrentes da condição pessoal dos profissionais como das demandas do ambiente hospitalar, podem contribuir para a ocorrência de acidentes de trabalho.
Orientar os profissionais de enfermagem sobre as normas de segurança em vigor
e enfatizar a
importância da comunicação de acidentes
aos órgãos responsáveis pela vigilância da saúde do trabalhador é uma das primeiras estratégias de prevenção de acidentes. Isso contribui para aumentar o registro de ocorrências, que servirão como base para a implementação de ações para aprimorar a segurança do trabalhador. Além disso, permite a definição de medidas de apoio quando necessário, reforçando o compromisso com a proteção e bem-estar dos profissionais de enfermagem.
Nesse sentido, a conscientização da equipe de enfermagem quanto às questões relacionadas ao risco, proteção e prevenção é entendida como a principal forma de evitar acidentes durante o trabalho em ambientes hospitalares
. Os profissionais de enfermagem precisam entender a prevenção como a melhor forma de proteger a própria saúde
, o que inclui a necessidade de notificar imediatamente qualquer incidente, por mais simples que pareça.
Neste contexto, os profissionais de enfermagem emergem como a categoria mais suscetível a acidentes envolvendo riscos biológicos. Tal destaque se justifica pelo fato de serem o maior contingente de trabalhadores nos serviços de saúde. Além disso, desempenham atividades de cuidado direto com os pacientes, o que os expõe frequentemente a fluidos corporais e dispositivos perfurocortantes.
Os profissionais de enfermagem apontam diversas causas para a ocorrência de acidentes, incluindo falta de atenção, pressa, cansaço, distração, sobrecarga de trabalho, não utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), descarte inadequado de materiais e manipulação inadequada das caixas coletoras.
Além disso, a falta de recursos físicos e materiais adequados, desorganização nos processos de trabalho e falta de suporte adequado também são fatores que aumentam os riscos de acidentes. Esses elementos combinados contribuem para uma maior vulnerabilidade dos profissionais de enfermagem a incidentes no ambiente de trabalho.
Quando as exposições ocupacionais não puderem ser evitadas, é crucial que sejam implementadas condutas pós-exposição imediatamente após o acidente. Essas medidas podem reduzir significativamente o risco de transmissão de doenças como HCV, HIV e HBV.
Apesar de cada instituição possuir seu próprio protocolo, os procedimentos geralmente incluem três etapas principais:
cuidados imediatos, tratamento e acompanhamento pós-exposição.
A avaliação imediata do incidente deve envolver a escuta atenta e o aconselhamento tanto do profissional acidentado quanto do paciente envolvido.
É essencial que sejam realizados os encaminhamentos necessários e, quando indicado, seja administrada a quimioprofilaxia.
Além disso, é fundamental estabelecer um acompanhamento periódico do profissional por meio de controle sorológico, garantindo uma abordagem abrangente e contínua para mitigar os riscos potenciais após a exposição ocupacional.
O profissional deve manter a calma, interromper imediatamente o procedimento e comunicar o incidente ao responsável do setor.
É importante explicar ao paciente sobre o ocorrido, mencionando a existência de um protocolo institucional que orienta os procedimentos em casos de acidentes com profissionais de saúde na instituição. Informe ao paciente que a continuidade do tratamento será realizada por um colega assistente. Solicite apoio da equipe de suporte e siga as orientações delineadas no fluxograma de atendimento do protocolo institucional.
Nos primeiros 5 a 10 minutos após a lesão, é fundamental cuidar do ferimento exposto adequadamente.
Para lesões percutâneas ou cutâneas com pele intacta, é recomendado lavar exaustivamente o ferimento com água corrente e sabão.
Em seguida, deve-se secar a área e, se disponível, aplicar antisséptico tópico. Embora não haja evidências de que a expressão do local da lesão reduza o risco de transmissão, o uso de antisséptico não é contraindicado e pode ser benéfico.
No caso de exposição de mucosas, é necessário lavar cuidadosamente a área afetada com água corrente.
A testagem rápida será realizada no profissional acidentado
e, quando possível e autorizado, no paciente-fonte. Antes da realização dos testes, é essencial obter a autorização de ambos os envolvidos por meio da assinatura de um termo de consentimento. No caso de recusa por parte do profissional acidentado em realizar os testes, deve-se obter um termo de responsabilidade assinado por ele.
Um dos principais objetivos da utilização do teste rápido é evitar a prescrição desnecessária ou a continuidade do esquema profilático.
Resultados positivos nos testes realizados no paciente-fonte devem ser considerados como indicativos preliminares de infecção pelo HIV/AIDS, o que justifica a prescrição da Profilaxia Pós-exposição (PEP) no contexto da exposição ocorrida. Por outro lado, sorologias negativas descartam a necessidade de iniciar a quimioprofilaxia antirretroviral de forma desnecessária.
É importante ressaltar que a ocorrência de soroconversão recente (janela imunológica), que pode levar a resultados sorológicos negativos apesar da presença do vírus, é extremamente rara, especialmente na ausência de sintomas de infecção aguda. Quaisquer resultados falso-positivos ou falso-negativos devem ser interpretados considerando o contexto clínico e epidemiológico do paciente-fonte.
Entretanto, a prescrição da Profilaxia Pós-exposição (PEP) pode ser recomendada em casos onde o paciente-fonte é desconhecido ou possui histórico de exposição de risco nos últimos 30 dias, devido à possibilidade de resultados falso-negativos nos testes imunológicos de diagnóstico (rápidos ou laboratoriais) durante o período de janela imunológica.
É de extrema importância fiscalizar o cumprimento das normas de biossegurança para garantir que os acidentes de trabalho não sejam subnotificados, o que poderia comprometer o acompanhamento sorológico adequado dos profissionais envolvidos. Além disso, é essencial investir na educação continuada por meio de programas de capacitação, bem como promover projetos que enfatizem a importância da saúde do trabalhador, visando prevenir a ocorrência desses acidentes.
É fundamental reconhecer que a prevenção de acidentes no ambiente de trabalho requer a identificação e remoção dos fatores que contribuem para seu desencadeamento. Esse processo pode ser comparado a um efeito dominó, onde a sobrecarga de trabalho pode levar à perda de interesse, resultando em desgaste físico, psicológico e emocional, o que por sua vez pode levar à falta de atenção e descuido. Isso pode culminar no descarte inadequado de materiais perfurocortantes, aumentando o risco de lesões e infecções pelo HIV, Hepatite B e Hepatite C. Portanto, é essencial adotar medidas proativas para mitigar esses riscos e promover um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos os profissionais envolvidos.
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