Aliança terapêutica: a importância para a formação de vínculo e permanência na psicoterapia
O conceito de aliança terapêutica é tido como
central para o desenvolvimento de um bom processo de terapia independentemente da abordagem teórica.
Partindo desse princípio, Bordin (1979) buscou definir de forma universal e integradora o conceito de aliança terapêutica para que fosse utilizado nas diferentes teorias. O autor define tal constructo como a colaboração entre cliente/paciente e terapeuta no que tange a três aspectos:
- acordo sobre as metas de terapia;
- atribuição de tarefas e
- criação de vínculos positivos.
As terapias cognitivas colocam a importância do conhecimento e uso adequado das técnicas como estratégias de mudança; contudo, Beck et al. (1993) já enfatizavam que a eficácia das técnicas na terapia cognitivo comportamental depende do relacionamento estabelecido entre terapeuta e cliente. Os autores também apontam alguns elementos importantes para uma boa relação terapêutica, como empatia e genuinidade por parte do terapeuta.
Judith Beck (2007) postula a aliança terapêutica como um dos elementos centrais para a Terapia Cognitivo-Comportamental. Segundo a autora, uma boa aliança terapêutica deve ser verdadeiramente colaborativa, criar um ambiente no qual os principais problemas e demandas do paciente são abordados de forma clara e aberta, ter espaço para feedbacks de ambas as partes e proporcionar a criação de uma visão positiva da terapia por parte do paciente.
Embora a literatura tenha explorado nos últimos anos os componentes fundamentais para uma boa relação terapêutica, ainda é escasso o entendimento sobre quais componentes do terapeuta interferem nesse processo. Um estudo desenvolvido por Araújo e Lopes (2015) buscou desenvolver uma escala de avaliação da qualidade da relação terapêutica pela Terapia Cognitivo-Comportamental.
O instrumento foi baseado nos princípios postulados por Beck (2013) para uma boa aliança e organizado em quatro categorias: a) colaboração ativa com o paciente, b) feedback do paciente, c) visão que o paciente tem a respeito da terapia e d) reações do terapeuta.
Além de uma boa consistência interna do instrumento e bons parâmetros psicométricos, os resultados apontaram que os psicólogos que responderam o instrumento relataram “quase sempre” estar colocando em prática condutas clínicas que fortalecem uma boa aliança terapêutica, apresentando maior dificuldade na dimensão de “reações do terapeuta”.
Elementos que apontam para uma boa aliança terapêutica
A seguir, serão detalhados alguns elementos encontrados na literatura que apontam para uma boa aliança terapêutica:
- normalização das dificuldades do paciente;
- instilação de esperança;
- Empatia;
- feedback do paciente;
- reações do terapeuta;
- Colaboração.
Normalização das dificuldades do paciente
Ao abordar a normalização das dificuldades, é necessário tomar cuidado com a invalidação. A validação da expressividade emocional é vista como algo central no processo terapêutico, uma vez que colabora para que o paciente aceite e entenda suas emoções. A normalização se trata de flexibilizar a distorção do paciente de que ele é o único que passa por aquela situação e que, portanto, há algo de errado com ele.
Nesse sentido, tal tópico se aproxima do fator terapêutico da universalidade proposto por Yalom & Leszcz (2020). A universalidade é o ato de acolher as experiências do paciente e demonstrar que ele não é o único com seu sofrimento, trazendo sensação de alívio e pertencimento.
Instilação de esperança
A instilação de esperança também é um fator terapêutico grupal proposto por Yalom & Leszcz (2020). É fornecer esperança aos pacientes de que existem saídas e tratamentos eficazes para as demandas que estão sendo trazidas à terapia. Embora seja um fator grupal, pode aparecer em sessões individuais. O terapeuta pode instilar esperança por meio da validação emocional, do fortalecimento de ganhos e habilidades pré-existentes do paciente, além da própria aliança terapêutica bem construída (Beck, 2022).
Empatia
Habilidade fundamental para um bom atendimento em TCC, a empatia deve ser treinada e aprimorada pelo terapeuta na escuta de seus pacientes. É importante ressaltar que um terapeuta empático é acolhedor e demonstra se importar verdadeiramente com as demandas de seus pacientes, utilizando sua competência técnica para auxiliá-los da melhor forma possível (Beck, 2022). Para que a empatia não seja um problema na formação da aliança terapêutica, é necessário que o terapeuta esteja sempre atento aos seus pensamentos e emoções com relação àquele caso/paciente para que a contratransferência não prejudique o processo e enfraqueça o vínculo (Rocha et al., 2017).
Feedback do paciente
Eliciar feedbacks está entre uma das habilidades que um terapeuta em TCC deve ter. Eles são fundamentais não só para o entendimento do processo terapêutico, mas também para uma boa aliança e vínculo entre terapeuta e paciente. Devem ser eliciados em vários momentos da sessão, permitindo que ambas as partes avaliem o andamento da terapia e também consigam expressar como estão se sentindo com relação ao processo. Para a construção de uma boa aliança terapêutica, o terapeuta deve ouvir, entender e aceitar o feedback de seu paciente; ao fazê-lo, o terapeuta transmite a ideia de que se importa com o que o paciente traz e oportuniza que o mesmo reflita sobre o que está acontecendo na terapia (Beck, 2022).
Reações do terapeuta
Aqui é importante ressaltar que as reações do terapeuta não são apenas observadas pelo conteúdo das sessões, mas também pelas suas atitudes e empatia com o paciente (Beck, 1997; 2022). É fundamental que o terapeuta esteja atento às demandas do paciente, busque ouvi-lo atentamente e ofereça uma visão otimista e realista da terapia, demonstrando competência no atendimento daquele caso. Também é válido o mesmo cuidado com a contratransferência (Rocha et al., 2017), para que nenhuma reação inadequada ou pessoal do terapeuta venha à tona. Cabe ressaltar a grande importância de uma formação adequada e supervisão da prática clínica (Neufeld & Barletta, 2022).
Colaboração
Beck (2022) sugere que o terapeuta e seu paciente trabalhem como uma equipe, sendo que o terapeuta assume o papel de conduzir. Sendo a colaboração um dos princípios básicos da TCC, há um problema nesse aspecto quando os terapeutas são autoritários, controladores ou pouco acolhedores, minando a aliança terapêutica. Para que haja uma boa colaboração, além do engajamento do paciente na própria terapia, Beck (1997; 2022) sugere que o terapeuta seja interessado, competente e tenha boas habilidades de validação emocional.
Conclusão
Observando os componentes aqui citados, uma aliança terapêutica bem estabelecida, ao fornecer acolhimento, empatia e uma relação mais colaborativa, aumenta a adesão à terapia e também funciona como fator protetivo contra desesperança e descrença do tratamento ao longo do processo (Beck, 2013). Logo, a prática clínica de tais componentes, somado à supervisão e treinamento adequados, pode colaborar para atendimentos em TCC mais eficazes.
Como citar este artigo:Rebessi, I. P., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2023, 18 dez).Aliança terapêutica: importância para a formação de vínculo e permanência na psicoterapia.Blog do Secad.
Autoras
Isabela Pizarro Rebessi
Psicóloga e Mestre em Psicologia pela FFCLRP-USP. Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental pelo CETCC. Terapeuta Certificada pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Supervisora clínica em Terapia Cognitivo Comportamental e Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós Graduação em Terapia Cognitivo Comportamental e Terapia do Esquema. Pesquisadora colaboradora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo Comportamental (LaPICC-USP)
Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia – área de concentração Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).
SOBRE A EDITORA-CHEFE
Carmem Beatriz Neufeld:
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).