Dessensibilização sistemática: definição e aplicações na psicoterapia

A dessensibilização sistemática foi uma técnica desenvolvida por Wolpe em 1958 para tratamento de ansiedade, e que tem base nos estudos de Pavlov (Azar, 2020). É fundamentada na ideia da generalização respondente, de que um objeto / situação que cause medo em uma pessoa, se generaliza para outras situações / objetos parecidos, e assim é possível realizar uma exposição gradual aos estímulos que causam medo, associando a técnicas de relaxamento, até que a ansiedade frente a esses estímulos se extingua (Moreira & Medeiros, 2019).
Por exemplo, uma pessoa que tenha desenvolvido medo de aranha, provavelmente sentirá um medo 10, em uma escala de 0 a 10, de tocar em uma aranha. Ainda, ver uma aranha de brinquedo andando na sua frente pode ser classificada como um medo 8, tocar em uma aranha de pelúcia pode ser um medo 6, e apenas imaginar uma aranha pode ser um medo 2. Logo, a ideia é que a pessoa se exponha primeiro aos estímulos de menor medo, aprendendo a manejar sua ansiedade por meio de técnicas de relaxamento, e que aos poucos possa progredir na escala até o nível de maior medo, visando o objetivo de que este não desencadeie mais as sensações de ansiedade iniciais (Moreira & Medeiros, 2019).
A dessensibilização sistemática é uma técnica utilizada para ansiedades “irracionais”. Isso significa que, em alguns contextos, a ansiedade sentida pelo paciente pode ser racional, por exemplo, caso ele tenha medo de dirigir, mas nunca tenha tirado carta e não saiba fazer esta tarefa. Nesse caso, a ansiedade o protege de se colocar em uma situação de fato perigosa, e o melhor caminho seria desenvolver a habilidade de dirigir antes de mais nada.
Agora, em uma outra situação, na qual o paciente tenha tirado carta, saiba dirigir, mas fique ansioso pensando que vai morrer toda vez que dirige em sua cidade, podemos considerar a ansiedade “irracional”. Nesse caso, a dessensibilização sistemática é uma técnica que pode ser utilizada para ajudá-lo a se expor a esta situação que traz prejuízos em seu dia a dia (Turner, 2007).
Como funciona a dessensibilização sistemática
A ideia da técnica de dessensibilização sistemática é que o paciente aprenda uma resposta contrária à sua ansiedade, por exemplo uma técnica de relaxamento, e então se exponha gradualmente às situações ansiogênicas, utilizando essa nova resposta repetidamente até que aquele cenário deixe de desencadear medo (Barreto et al., 2021). As situações podem tanto ser
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quanto imaginadas, por exemplo (Azar, 2020). Existem três passos principais a serem seguidos em um processo de dessensibilização sistemática (Barreto et al., 2021):
- Construir uma hierarquia de medos
- Aprender técnicas de relaxamento
- Se expor gradualmente
- Construir uma hierarquia de medos:o sucesso desta técnica depende intrinsecamente da qualidade da hierarquia de medos que é desenvolvida para esse processo (Wright et al., 2019). A ideia é elencar situações ligadas ao medo que se deseja trabalhar, desde as mais fáceis de se enfrentar, até as mais difíceis (Clark & Beck, 2024).
- Aprender técnicas de relaxamento:a ideia é que a pessoa aprenda a desenvolver uma nova resposta emocional frente às situações que antes desencadeavam ansiedade. Essa nova resposta pode ser através de técnicas de respiração e relaxamento, que devem ser ensinadas e treinadas com o paciente. Alguns exemplos são o relaxamento muscular progressivo, a respiração diafragmática e práticas de meditação (Barreto et al., 2021; Clark & Beck, 2024).
- Se expor gradualmente:tendo sido construída a hierarquia de medos, e tendo sido aprendidas as técnicas de relaxamento, a ideia é que o paciente seja exposto gradualmente à hierarquia, combinando estes momentos de exposição com as técnicas de relaxamento. As situações classificadas como menos ansiogênicas são as primeiras às quais a pessoa é exposta, e este momento é associado às técnicas de relaxamento até que o indivíduo não se sinta mais ansioso quando submetido àquele nível de exposição. Isso ocorre sucessivamente até os últimos níveis da hierarquia (Barreto et al., 2021).
Procedimentos práticos
Os estudos em torno da eficácia da dessensibilização sistemática apontam possibilidades de uso desta técnica em diversos contextos nos quais as pessoas possam sentir ansiedade. O principal deles é para o caso de fobias específicas, mas ela também é amplamente utilizada nos tratamentos de transtornos de ansiedade social e transtorno de estresse pós-traumático, por exemplo.
Passando novamente pelas etapas da dessensibilização sistemática, quando a hierarquia de exposição é construída com o paciente, existem algumas dicas que podem ser seguidas para garantir sua qualidade:
- Ser específico:as descrições das situações precisam ser claras e definitivas. Por exemplo, ao invés de “deixar de ter medo de aranhas de pelúcia”, a etapa pode ser melhor descrita como “ficar 10 minutos abraçado a uma aranha de pelúcia, 3 vezes por semana”. Assim, torna-se mais provável que a etapa seja executada corretamente e que se tomem boas decisões com relação ao avanço na hierarquia de exposição (Wright et al., 2019).
- Classificar os itens por graus de dificuldade:Criar uma escala, por exemplo de 0 a 10, para a dificuldade das experiências de exposição que estão sendo listadas ajuda a selecionar as etapas seguintes do processo e a medir a progressão na hierarquia de exposição (Wright et al., 2019).
- Maioria dos itens entre 3 e 7: É importante que as experiências evitadas estejam em sua maioria na faixa de dificuldade moderada (de 3 a 7). Predominância de itens fáceis não reduzirá a ansiedade do paciente, enquanto predominância de itens muito difíceis pode acarretar em uma desistência do processo (Clark & Beck, 2024).
- Escolher as etapas colaborativamente:O momento de trocar de etapa de exposição, bem como a escolha da próxima etapa, deve ser feita de maneira colaborativa (Wright et al., 2019).
A figura 1 demonstra um exemplo de hierarquia de exposição para o medo de dirigir, feita em uma escala de angústia de 0 a 100:

Figura 1: exemplo de hierarquia de exposição para medo de dirigir em uma escala de 0 a 100. Retirada de Wright et al., 2019.
Além disso, Turner (2007) recomenda que a sessão na qual a dessensibilização sistemática é apresentada seja dividida em 4 partes:
- O paciente classifica seu grau de ansiedade utilizando uma escala validada como a SUDS.
- Há o desenvolvimento da hierarquia de exposição.
- São ensinadas as técnicas de relaxamento ao paciente.
- De acordo com a hierarquia feita, há a exposição do paciente a uma situação ansiogênica seguido da resposta de relaxamento profundo, resgatada a partir da técnica de relaxamento aprendida.
A subida na hierarquia é realizada uma vez que o item trabalhado já não provoque mais ansiedade. é importante que o ritmo de exposição seja sempre controlado (para que não seja muito fácil ou muito difícil), e que a prática seja feita diariamente, como um exercício físico (Clark & Beck, 2024).
Considerações importantes (cuidados e limitações da técnica)
A dessensibilização sistemática é uma das técnicas mais utilizadas advindas da Psicologia Comportamental. No entanto, ela possui limitações, como qualquer outra ferramenta. A primeira delas é que o processo de dessensibilização sistemática é longo. O tempo de exposição necessário a cada uma das etapas da hierarquia para que a pessoa deixe de se sentir ansiosa é variável, e pode ser extenso a depender da intensidade do medo trabalhado. Portanto, existe a possibilidade de que, a depender do perfil do paciente, ele deixe a terapia ou desista da técnica antes de ter atingido resultados satisfatórios (Calais & Bolsoni-Silva, 2008).
Além disso, a dessensibilização sistemática não pode vir descolada de uma conceitualização completa do caso. Ou seja, é necessário que seja entendido, também, se existe alguma função para a apresentação dos comportamentos de medo que visam ser trabalhados (Calais & Bolsoni-Silva, 2008). Por exemplo, o medo de dirigir pode fazer com que o paciente consiga passar mais tempo com seu cônjuge, uma vez que o parceiro acaba levando a pessoa de carro para os lugares que ela precisa frequentar. Sendo assim, mais do que trabalhar a dessensibilização sistemática do medo de dirigir, é importante que o terapeuta também converse sobre a função que o medo de dirigir tem tido na vida da pessoa, por exemplo, receber mais atenção do parceiro, e como é possível obter essa atenção de outras maneiras mais adaptativas para ambos.
Conclusão
A dessensibilização sistemática, portanto, é uma técnica eficaz para ser utilizada no tratamento de sintomas de ansiedade “irracional”, como por exemplo em fobias, transtorno de ansiedade social e transtorno de estresse pós-traumático. A ideia é que seja promovida a substituição da resposta ansiosa por estados de relaxamento, através de uma exposição gradual e planejada aos estímulos temidos.
É importante que o terapeuta priorize a construção cuidadosa da hierarquia de medos, invista no treino das estratégias de relaxamento, e incentive a exposição consistente às situações ansiogênicas. Por fim, é fundamental que a dessensibilização sistemática seja integrada a uma avaliação clínica abrangente, que leve em consideração a função dos comportamentos de evitação na vida do paciente, para que assim ela possa contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas atendidas.
Como citar este artigo: Risso, M. O., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Jun., 2025). Dessensibilização sistemática: definição e aplicações na psicoterapia. Blog da Artmed.
Autoras
- Mariana de Oliveira Risso
Psicóloga e Mestranda pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduada na área de Terapia do Esquema pela Verbo Educacional. Pesquisadora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP), onde também realizou treinamento e é supervisora de estágios. Foi cofundadora e presidente da Liga de Terapias Cognitivo-Comportamentais (LiTCC) USP-RP e participou do projeto de extensão TCC para a Comunidade.
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia/Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora Colaboradora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).
- Editora-chefe: Carmem Beatriz Neufeld.
Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.