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Aneurisma de aorta abdominal: existe evidência para realizar rastreamento?

Aneurisma de aorta abdominal (AAA) é a dilatação focal que ocorre na aorta em seu trajeto abdominal (abaixo do diafragma). Arbitrariamente, é o aumento em mais de 50% do seu diâmetro (eixo transversal) ao nível das artérias renais. Como o tamanho usual da aorta é aproximadamente 2 cm, do ponto de vista operacional define-se AAA a identificação de um diâmetro maior que 3 cm na aorta.  

Nesta postagem iremos conhecer aspectos gerais sobre o AAA, compreender por que seu rastreamento é indicado em alguns pacientes e ver como realizar esse rastreamento. Mas antes de iniciarmos é importante destacar alguns fatos:  

  • Deve-se estar atento que rastreamento é diferente de
    achado incidental
    e de
    investigação clínica
    . Rastreamento é a realização de exames em população assintomática, sem queixas espontâneas. Já achados incidentais ocorrem quando um exame (por exemplo, uma tomografia de abdome) é solicitada por outro motivo, mas um AAA é identificado. Por fim, investigação clínica é o que deve ser feito quando algum sintoma ou sinal sugere a doença. Apenas no rastreamento o médico desencadeia espontaneamente a investigação e o manejo; nos demais, ele é consequência de algum evento (surgimento de sintoma, realização de exame de imagem) que ocorreu previamente ao paciente.  
  • Uma série de fatores devem ser considerados para se realizar rastreamento (
    screening / check-up
    ). Essa discussão mais conceitual sobre este assunto não é o enfoque desta postagem, mas pode ser localizado no
    nosso blog
    .  

Conhecendo a doença
 

O grande problema dos AAA é o seu risco de ruptura, uma vez que este quadro é frequentemente fatal: 35-50% das pessoas submetidas a correção de urgência de um AAA evoluem para óbito. Deve-se destacar que destes dados estão excluídos pacientes que não conseguem procurar atendimento porque morrem sem diagnóstico. Infelizmente sua prevalência não é clara, mas em países que realizaram levantamento estima-se que 1-3,5% dos homens maiores de 60 anos tem AAA.   

Além disso, alguns dados da história natural e do tratamento ajudam a contextualizar a importância do rastreamento. O mais importante é que a chance de ruptura aumenta com o diâmetro do AAA e não é linear: aneurismas entre 3-4 cm de diâmetro tem uma chance muito baixa de ruptura, aqueles com 4-5 cm rompem numa taxa de 1-7% a cada 5 anos e os maiores de 5 cm chegam a 40% de chance de ruptura. Enquanto a taxa de mortalidade chega a 50% para cirurgias de urgência, para o tratamento eletivo (endovascular ou tradicional) é menor que 5%.  

Os fatores de risco também são importantes para entender a população a ser rastreada. AAAs aumentam de frequência com a
idade
. Por volta dos 60 anos, a prevalência de aneurismas maiores que 4 cm em
homens
é de aproximadamente 1%, enquanto aos 80 anos essa estimativa é de 7-10%. Por outro lado, em mulheres AAAs são 5 a 10 vezes menos comuns. O
tabagismo
é outro um fator de risco significativo, aumentando em até 12 vezes a chance de ocorrência de aneurisma. Por fim,
história familiar
também é um fator importante no risco de desenvolvimento deste problema.   

Por que rastrear?
 

Como vimos, os AAA têm uma história natural mais ou menos bem determinada, com um risco de ruptura que aumenta progressivamente e uma chance de morte marcadamente diferente dependendo do contexto que o aneurisma é tratado (urgência x eletivo). Do ponto de vista clínico e biológico, esses são os principais determinantes para embasar o rastreamento desta condição.   

Além destes fatores, AAA é facilmente identificado com a ultrassonografia abdominal, que é um exame de baixo custo, seguro e amplamente disponível. A sensibilidade e especificidade deste exame chegam próximas a 100% para detectar este tipo de aneurisma, sendo o exame ideal para
screening
. Em suma, trata-se de uma situação com um forte racional biológico de benefício, com um exame disponível, de baixo custo e acurado para diagnóstico em pessoas assintomáticas. 

Com isso, alguns ensaios clínicos randomizados foram realizados para avaliar se o rastreamento de AAA se transforma em benefícios palpáveis para pacientes. De forma conjunta, esses estudos avaliaram quase 200 mil homens e mostraram que o rastreamento diminui o risco de cirurgias de urgência e de morte por AAA em quase 40% ao longo de mais ou menos 10 anos de seguimento. Em termos absolutos, isso significa uma morte por AAA evitada a cada 200-900 pessoas rastreadas. E este benefício chega a se traduzir em uma redução do risco de morte por todas as causas em aproximadamente 3% e foi considerada uma medida custo-efetiva (estimativas entre US$ 8 e 18 mil por QALY).  

É curioso notar que a maior parte dos AAA são identificados como achados incidentais em exames de imagem. Outro dado interessante de um grande estudo observacional dos Estados Unidos é que por volta de 60% dos pacientes que realizaram correção de aneurisma não tinham indicação de rastreamento. Mas o principal motivo da não indicação era idade acima de 75 anos; ou seja, grande parte destes AAA poderiam ter sido detectados por programas de rastreamento em idades mais precoces.  

Apesar destas vantagens, existem riscos com o rastreamento. Como esperado, mais pessoas expostas a rastreamento farão procedimentos cirúrgicos e serão expostas aos riscos inerentes a esses. O rastreamento também parece aumentar a taxa de cirurgias em pacientes com aneurismas limítrofes. Assim, a decisão de rastreamento deve ser compartilhada, levando em conta as preferências do paciente (benefício de detecção precoce x risco de procedimentos desnecessários).   

Além disso, alguns estudos mostram que a qualidade de vida é alterada com o rastreamento. Ela tende a piorar antes da realização do exame, mas aumenta após um resultado normal. De forma análoga, com um resultado alterado, ela tende a se manter mais baixa até o tratamento cirúrgico; após o tratamento há uma reversão do quadro. Por fim, após 12 meses do rastreamento, os escores de qualidade de vida são iguais em quem realiza ou não a avaliação preventiva.  

Realizando o rastreamento
 

Assim, com base nestes dados e estudos, tanto o órgão norte-americano de medidas preventivas (U.S. Preventive Services Task Force - USPFTF) quanto recomendações de outros paises (Nova Zelândia, Inglaterra, Suécia) recomendam rastreamento. Como regra geral, deve-se ofertar rastreamento para
homens dispostos a realizar cirurgia de correção entre os 65 e 75 anos com uma ecografia de abdomên
. A recomendação é mais forte para tabagistas e ex-tabagistas e não há recomendação (a favor ou contra) para rastreamento em mulheres com fatores de risco (tabagismo, história familiar). Não se recomenda repetir avaliação após um rastreamento negativo em pessoas assintomáticas (não confundir com seguimento de exames alterados - ver a seguir).   

O processo de rastreamento (como qualquer procedimento em saúde) não pode ser visto como uma decisão unidirecional. Assim, deve-se realizar decisão compartilhada, explicando o racional, potenciais vantagens e desvantagens com o
screening
. Enquanto a ultrassonografia de abdome per se é uma técnica segura, o seguimento e procedimentos que ela pode desencadear não são inócuos. Exames de seguimento geram ansiedade, preocupação e custos; procedimentos conferem risco imediato aumentado para reduzir risco futuro de complicações.   

Como já vimos, a taxa de ruptura de um AAA depende de seu tamanho. Assim, o manejo de aneurismas detectados em rastreamento será guiado por essa variável. Apesar de existir alguma variabilidade nas recomendações, de uma forma geral, segue-se a seguinte estratégia em pessoas com AAAs: 

  • Aneurismas com > 5,5 cm tem recomendação de serem corrigidos (cirurgia ou endovascular); 
  • Aneurismas acima de 4 cm, mas que cresceram > 1 cm em um ano, tem recomendação de serem corrigidos (cirurgia ou endovascular); 
  • Aneurismas abaixo de 5,5 cm são usualmente acompanhados (a cada 6-12 meses) com ultrassom. 

Por fim, vale destacar que 90% dos AAAs detectados por
screening
têm entre 3-5,5 cm. Utilizar limiares de tratamento mais baixos que os recomendados acima tende a aumentar a taxa de sobretratamento e assim reduzir os benefícios do rastreamento.  

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