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Ansiedade na adolescência: aspectos clínicos relevantes

Segundo o Censo de 2022, no Brasil, temos cerca de 13,8% de adolescentes, se considerarmos a faixa de 10 a 19 anos de idade (a mesma que a OMS utiliza). 

Nesse período de desenvolvimento, os transtornos de ansiedade estão entre os transtornos psiquiátricos mais comuns: 7% de todos os adolescentes do mundo têm algum deles (Walter et al., 2020). Os efeitos de um transtorno de ansiedade na adolescência podem ser significativos, impactando o funcionamento diário, a trajetória do desenvolvimento e interferindo na capacidade de aprendizagem, desenvolvimento de amizades e nas relações familiares dos adolescentes (Stallard, 2010).  

Sendo assim, é crucial que entendamos quais são os aspectos clínicos relevantes da ansiedade na adolescência.  

A adolescência: características e desafios 

A adolescência é um período de construção social. Isso porque, antes de as sociedades se tornarem industrializadas, as crianças deixavam de ser consideradas crianças e passavam a ser vistas como adultas quando aprendiam um ofício ou amadureciam fisicamente. Não existia um período transicional (Papalia & Feldman, 2013).  

A partir do século XX, quando as crianças passaram a frequentar a escola, e isso retardou a entrada das mesmas no mercado de trabalho, foi-se criando o conceito de “adolescência”, que posteriormente se associou ao conceito de “puberdade”, que envolve as mudanças físicas pelas quais as crianças passam que as maturam sexualmente para a reprodução (Papalia & Feldman, 2013).  

É importante ter esse panorama em mente para que notemos o fato de que a adolescência passou a ser investigada num período relativamente recente. 

As alterações biopsicossociais pelas quais o adolescente passa, seja ao mudar seu papel de “criança” para um papel de maior tomada de decisões e independência, seja pelas mudanças derivadas da puberdade, os colocam numa posição vulnerável, com fatores de risco para seu desenvolvimento sendo acentuados (Flôr et al., 2022).  

Algumas dessas vulnerabilidades se referem ao uso de drogas, consumo de álcool e atividades sexuais sem proteção que podem acarretar em gravidez indesejada ou infecções sexualmente transmissíveis (Faial et al., 2020).  

Ao olharmos para o cérebro adolescente, o que salta aos olhos é o fato de que os lobos frontais ainda estão em desenvolvimento, e só atingem a maturidade por volta dos 20 anos de idade. Isso significa que a área responsável pela motivação, tomada de decisões e impulsividade ainda não está em plena operação (Papalia & Feldman, 2013), o que se correlaciona com os fatores de risco já citados.  

Além disso, existe uma maior produção de cortisol, o hormônio do estresse, o que acarreta em maior reatividade ao estresse na adolescência se compararmos à infância (Assumpção et al., 2017). 

Ainda pensando em aspectos cognitivos, considerando-se a teoria Piagetiana, os adolescentes estão começando a desenvolver e consolidar um raciocínio hipotético-dedutivo. Ou seja, é nesse momento em que eles começam a refletir e avaliar sua própria imagem e identidade, seus valores pessoais e seus laços sociais (Macedo et al., 2017).  

Nesse sentido, começam a surgir preocupações relacionadas à maior consciência da própria vulnerabilidade (por exemplo, medo da morte), bem como preocupações com comparações sociais, aparência física e medo de falhas e críticas (Stallard, 2010). E é nesse ponto que a ansiedade na adolescência pode começar a ser algo que traz prejuízo significativo, visto que um dos principais componentes da mesma é justamente a preocupação (Stallard, 2010). 

A ansiedade na adolescência 

A ansiedade é uma emoção, e, portanto, assim como toda emoção, tem uma função. No seu caso, ela serve como um alerta para o ser humano. Evolutivamente, tem a ver com nos mostrar situações potencialmente perigosas e nos preparar para uma ameaça (Hofmann, 2022). 

No entanto, existem casos em que consideramos a ansiedade como patológica. As características de uma ansiedade patológica são: 

  • uma ansiedade excessiva e desproporcional ao acontecimento; 
  • uma ansiedade que não tem algo específico que a desencadeia; 
  • uma ansiedade qualitativamente diferente do que é considerado padrão naquela faixa etária; 
  • uma ansiedade que prejudica a qualidade de vida de quem a sente (Mendes et al., 2017). 

A evolução de uma ansiedade considerada normal para um quadro de transtorno de ansiedade é permeada de aspectos que envolvem uma interação entre fatores biológicos, ambientais e individuais (Stallard, 2010). Podemos identificar a manifestação da ansiedade em quatro dimensões principais:  

  • cognição; 
  • emoções; 
  • comportamento e  
  • sintomas físicos (Petersen et al., 2011).  

Clark e Beck (2014) elencaram uma lista que ajuda a identificar os sintomas presentes em cada uma dessas dimensões.

Sintomas físicos 

  • Frequência cardíaca aumentada e palpitações 
  • Falta de ar, respiração rápida 
  • Dor ou pressão no peito 
  • Sensação de Asfixia 
  • Vertigem, tontura 
  • Sudorese, calores, calafrios 
  • Náusea, estômago embrulhado, diarreia 
  • Tremores, estremecimento 
  • Formigamento ou dormência nos braços e pernas 
  • Fraqueza, desequilíbrio, sensação de desmaio 
  • Tensão muscular, rigidez 
  • Boca seca 

Sintomas cognitivos 

  • Medo de perder o controle, de ser incapaz de enfrentar 
  • Medo de dano físico ou de morte 
  • Medo de “enlouquecer” 
  • Medo de avaliação negativa dos outros 
  • Pensamentos, imagens ou lembranças assustadoras 
  • Percepções de irrealidade ou alheamento 
  • Baixa concentração, confusão, distratibilidade 
  • Estreitamento da atenção, hipervigilância para perigo 
  • Memória fraca 
  • Dificuldade de raciocínio, perda de objetividade 

Sintomas comportamentais 

  • Evitação de sinais ou situações de ameaça 
  • Fuga, escape 
  • Busca de segurança, reasseguramento 
  • Desassossego, agitação, andar nervosamente de um lado para o outro 
  • Hiperventilação 
  • Paralisia, imobilidade 
  • Dificuldade para falar 

Sintomas emocionais 

  • Sentir-se nervoso, tenso, irritado 
  • Sentir-se assustado, temeroso, aterrorizado 
  • Ser irascível, apreensivo, alvoroçado 
  • Ser impaciente, frustrado

Quando olhamos especificamente para a adolescência, como comentado,
os medos principais (relacionados aos sintomas cognitivos da ansiedade) são preocupações a respeito das amizades, relações com o sexo oposto, independência e planos de vida
(Petersen et al., 2011). Se essa ansiedade persiste, sem tratamento adequado, pode acarretar em prejuízos na vida do adolescente à medida em que ele desenvolve estratégias compensatórias para evitá-la, com a possibilidade de queda da autoestima e mesmo desinteresse pela vida (Mendes et al., 2017).  

Entre adolescentes com ansiedade, 9% já tiveram ideação suicida e 6% fizeram tentativas de suicídio (Walter et al., 2020). Além disso, transtornos de ansiedade presentes na infância ou na adolescência aumentam as chances de agravamento progressivo da condição ao longo da vida (Mendes et al., 2017).  

Todas essas informações convergem para a importância de se conhecer quais são as intervenções propostas para a ansiedade na adolescência atualmente.  

Intervenções para a ansiedade na adolescência 

Em seu guia clínico para tratamento de crianças e adolescentes com ansiedade, Walter e colegas (2020) concluem que tanto
a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) quanto os medicamentos Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) têm evidências de serem tratamentos seguros e eficazes de curto prazo para ansiedade em crianças e adolescentes.
Eles frisam que a TCC é o tratamento de primeira linha e a medicação entraria como tratamento alternativo, especialmente para apresentações mais graves ou quando não for possível realizar um tratamento de qualidade em TCC. 

Olhando mais especificamente para as intervenções em TCC, Mendes e colegas (2017) descrevem que reestruturação de pensamentos distorcidos, treino de habilidades sociais e exposição gradual e prevenção de respostas por meio de uma hierarquia de sintomas são os principais pontos a serem trabalhados com adolescentes que tenham a ansiedade como demanda principal. Isso tudo deve ser aliado ao processo de psicoeducação, para que o adolescente possa reconhecer seus sintomas e ter uma participação ativa durante todo seu tratamento, entendendo os motivos de estar fazendo o que lhe é proposto. 

Como forma de representação sumarizada, Petersen e pesquisadores (2011) expõe as principais etapas a serem percorridas em programas de intervenção para ansiedade com adolescentes: 

  • psicoeducação; 
  • reconhecimento e manejo das emoções; 
  • identificação de cognições distorcidas e que aumentam a ansiedade; 
  • questionamento de pensamentos e desenvolvimento de cognições que reduzem a ansiedade; 
  • exposição e prática; 
  • automonitoramento e reforço; 
  • preparação para reveses. 

Para além de intervenções visando a melhora dos sintomas ansiosos já em curso, também são recomendados programas que visem a promoção e prevenção de saúde para adolescentes. Mendes e colaboradores (2017) sugerem como programas de prevenção de estresse e regulação emocional o
Coping Cat
(Kendall, 1994), a Terapia de Reciclagem Infantil (Caminha, 2015) e o Programa de Promoção de Habilidades para a Vida (PRHAVIDA) (Neufeld et al., 2014).  

Conclusão 

A adolescência possui características específicas que aumentam os fatores de risco desenvolvimentais, e, portanto, exige atenção dos profissionais de saúde. Os transtornos de ansiedade têm sido alguns dos transtornos psiquiátricos mais comuns nessa etapa, e cujo maior entendimento se faz necessário.  

As preocupações mais comuns na adolescência são a respeito das amizades, relações com o sexo oposto, independência e planos de vida. Elas podem acarretar comportamentos de evitação da ansiedade que podem eventualmente diminuir a autoestima e o interesse pela vida desses jovens. 

Sendo assim, intervenções para a ansiedade na adolescência são um tema crucial para o conhecimento dos profissionais de saúde. Atualmente, a Terapia Cognitivo-Comportamental tem sido o tratamento com maiores evidências para essa demanda.  

Os programas que tratam a ansiedade na adolescência passam principalmente por reestruturação de pensamentos distorcidos, treino de habilidades sociais e exposição gradual e prevenção de respostas por meio de uma hierarquia de sintomas.  

Também existem programas para prevenção e promoção de saúde estruturados para diminuição do estresse e regulação emocional que podem ser alternativas eficazes para o cuidado dos adolescentes com sintomas ansiosos. 

Como citar este artigo:
Risso, M. O., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2023, 18 dez).
Ansiedade na adolescência: aspectos clínicos relevantes.
Blog do Secad.

Autoras

Mariana de Oliveira Risso 

Psicóloga pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduanda na área de Terapia do Esquema pela Verbo Educacional. Pesquisadora colaboradora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP), onde realizou iniciação científica com o tema “relação professor-aluno e desempenho escolar na adolescência”. Treinamento de supervisoras pelo LaPICC-USP e supervisora observadora dos estágios do mesmo laboratório. Foi cofundadora e presidente da Liga de Terapias Cognitivo-Comportamentais (LiTCC) USP-RP e participou do projeto de extensão TCC para a Comunidade.  

Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia – área de concentração Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). 

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld:
 Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).