Rastreamento de osteopenia e osteoporose: evidências e prática clínica

Pontos principais do artigo
A osteoporose é definida pela Organização Mundial da Saúde como uma doença caracterizada
por baixa massa óssea e deterioração da microarquitetura do tecido ósseo, o que leva ao aumento da fragilidade óssea e do risco de fraturas
. Na prática clínica,
considera-se osteoporose a presença de fraturas por fragilidade
, que são aquelas que ocorrem em situações de baixo impacto, como quedas da própria altura, independentemente da densidade óssea. Também é definido como osteoporose o achado de
densidade mineral óssea com escore T abaixo de -2,5 desvios padrão
em relação à população jovem. Já o termo osteopenia é reservado para valores intermediários de densitometria óssea, com escore T entre -1,0 e -2,5.
Como a própria definição deixa claro, a principal preocupação na osteoporose é o risco aumentado de fraturas. Por isso, o tratamento (e o rastreamento) tem como foco central a redução desse risco. No Brasil, estima-se que ocorram cerca de 400 mil fraturas osteoporóticas por ano. Essa alta incidência tem grande impacto na saúde da população, pois fraturas são causa frequente de incapacidade (perda de funcionalidade, dor crônica após fraturas), além de estarem associadas a maior risco de novas fraturas e maior risco de morte. As fraturas de quadril merecem destaque, pois apresentam mortalidade de até 25% no primeiro ano após o evento. Esses números são ainda mais preocupantes para pessoas mais velhas e homens.
Nesta postagem veremos a discussão sobre rastreamento de osteoporose, quais ferramentas e abordagens existem para isso, bem como as recomendações de aplicação deste conhecimento na prática.
Avaliando o risco de fraturas osteoporóticas
Embora a densidade mineral óssea seja um fator importante para fraturas por fragilidade, o avanço da idade é um determinante ainda mais relevante. Outros fatores de risco comumente associados incluem uso prolongado de glicocorticoides, baixo peso corporal (menos de 58 kg), história familiar de fratura de quadril, tabagismo e consumo excessivo de álcool.
Um ponto adicional de desafio na avaliação de risco é que por volta de 70% das fraturas ocorrem em indivíduos com escore T entre -1,0 e -2,5 (com osteopenia). Por isso, algumas estratégias de rastreamento buscam identificar indivíduos com risco aumentado de fraturas, e não apenas aqueles com diagnóstico densitométrico de osteoporose.
Existem diversas calculadoras de risco, sendo o escore FRAX a mais estudada (e a única validada na população brasileira). Ele fornece uma estimativa do risco de uma fratura osteoporótica maior (fratura clínica vertebral, úmero, punho ou quadril) em homens e mulheres entre 40 e 90 anos.
Ele está disponível em uma calculadora online
. Com base no seu resultado pode-se compreender se o indivíduo tem um risco baixo o suficiente para não realizar a investigação ou se o risco é mais elevado. A
Figura 1
apresenta a zona de investigação (bem como zona de tratamento, ver detalhamento a seguir).
Figura 1.
Limiares para solicitação de densitometria (zona laranja) e indicação de tratamento (zona vermelha) de acordo com a estimativa do escore FRAX para população brasileira. Extraído da referência 4.

Assim, é lógico pensar em uma estratégia sequencial de rastreamento em que se inicie com o cálculo do risco de fratura osteoporótica. Se esta estimativa for acima de um determinado nível, a realização de densitometria seria indicada e, a partir dela, decide-se quanto a indicação de tratamento. Este tipo de abordagem foi testada em 2 ensaios clínicos randomizados de grande porte com resultados favoráveis.
O rastreamento
O principal objetivo do rastreamento da osteoporose é identificar indivíduos que irão se beneficiar das intervenções que comprovadamente reduzem fraturas, especialmente as de quadril. Ou seja, estamos falando principalmente em bisfosfonados e denozumab. E os estudos que testaram esses (e outros) medicamentos antifratura utilizaram densitometria para inclusão de pacientes.
Vimos que existem estudos que exploraram a combinação entre o escore de risco de fraturas e a densidade mineral óssea como estratégia de rastreamento em dois estágios, mas
não há evidência robusta que respalde decisões terapêuticas baseadas apenas na estimativa de risco
, sem o suporte da densitometria. Além disso, mesmo quando se considera iniciar tratamento sem o exame (zona vermelha na
Figura 1
), a avaliação densitométrica de base ainda é necessária para monitoramento futuro da resposta terapêutica. Por esses motivos, a literatura atual não sustenta o rastreamento ou tratamento da osteoporose sem o uso da densitometria, apesar de algumas diretrizes proporem essa possibilidade.
Ainda no processo decisório da realização ou não de rastreamento, a magnitude do benefício esperado com essa intervenção é útil. Utilizando-se dados de uma revisão sistemática recente realizada a pedido do organismo dos Estados Unidos para avaliação de medidas preventivas (USPFTF), sabemos que:
- o rastreamento populacional é capaz de reduzir aproximadamente 5 fraturas de quadril e 6 fraturas osteoporóticas maiores a cada 1000 pacientes rastreados ao longo de 5 anos.
- em pacientes com osteoporose (ou seja, aqueles que tiverem rastreamento positivo) que utilizam bisfosfonados tem 3 fraturas de quadril e 18 fraturas vertebrais a menos do que os que recebem placebo.
Vale ressaltar que a posição do Ministério da Saúde é não recomendar o rastreamento disseminado. Isso se baseia no custo elevado e na ausência de uma definição do que seria "custo-efetivo” no Brasil. Seguindo a posição do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Osteoporose brasileiro, recomenda-se o rastreamento dirigido e com idades mais elevadas que em outros países (ver
Tabela 1
).
Assim, considerando todos os pontos acima, não é de se estranhar que existam posições divergentes sobre rastreamento de osteoporose. Listamos algumas delas na
Tabela 1
, mas apontamos que a abordagem em dois estágios (FRAX e, conforme, densitometria) parece especialmente interessante para o cenário brasileiro. Custos e disponibilidade local de densitometria e tratamento devem ser considerados na decisão, uma vez que, na indisponibilidade destes recursos, os benefícios do rastreamento não serão atingidos e, portanto, ele não deve ser realizado.
Tabela 1.
Comparação de diferentes órgãos quanto ao rastreamento de osteoporose. Adaptado das referências 1, 2 e 6.

Conclusão
O rastreamento da osteoporose deve ser entendido como uma estratégia para reduzir o risco de fraturas, especialmente as de quadril, com grande potencial de impacto clínico e populacional. Embora existam diferentes recomendações entre diretrizes internacionais e nacionais, a combinação sequencial entre cálculo de risco (FRAX) e densitometria óssea parece ser uma abordagem interessante no Brasil. A decisão final deve sempre considerar idade, fatores de risco individuais e disponibilidade de exames e de tratamento.