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Atuação do enfermeiro na assistência a pessoas em situação de rua

A importância da enfermagem na saúde das populações vulneráveis

Relevância social e sanitária da atuação junto às pessoas em situação de rua 

A população em situação de rua (PSR) constitui grande contingente vulnerável, que vive exposta a múltiplos fatores de risco, como por exemplo: ausência de moradia adequada, insegurança alimentar, precariedade das condições de higiene, danos físicos e psicológicos e exclusão social. No Brasil, dados recentes mostram que esse grupo aumentou significativamente nos últimos anos, especialmente em grandes centros urbanos, em decorrência de crises socioeconômicas, pandemias e políticas públicas insuficientes.  

A enfermagem representa uma porta de entrada para muitos serviços de saúde, muitas vezes sendo a primeira ou única interface que essas pessoas têm com o SUS, por isso é tão relevante nesse cenário social. Enfermeiros atuam como mediadores de acesso, prestadores de cuidados básicos, promotores de vínculo, agentes de humanização, e também como agentes estratégicos para a prevenção de agravos e complicações de saúde. Essa atuação tem impacto tanto individual (melhora da qualidade de vida, atenção às doenças) quanto coletivo (redução de custos com internações, contenção de surtos, fortalecimento da saúde pública). A fragilidade dessa população amplifica os determinantes sociais da saúde, de forma que intervenções precoces e cuidadosas são essenciais.  

Papel da enfermagem dentro da rede de atenção primária e emergencial 

Na atenção primária, profissionais de enfermagem são fundamentais em programas como Consultório na Rua, Estratégia de Saúde da Família, Caps Ad, UBS itinerantes, onde se busca levar cuidados básicos na proximidade do território. Nessas instâncias, o enfermeiro pode identificar as necessidades de saúde, realizar triagem, cuidados básicos, promoção da saúde, estabelecimento de vínculo e orientação.  

Na rede de atenção emergencial, a enfermagem também é crucial no atendimento de urgência para complicações decorrentes das condições de vida na rua (feridas, infecções, desidratação, acidentes), no suporte psicológico imediato, e no encaminhamento. A articulação entre atenção primária e emergencial, mediada pelo enfermeiro, ajuda a reduzir rupturas no cuidado, evitando que casos simples se tornem emergências graves. 

 

Desafios específicos no atendimento à população em situação de rua

Barreiras de acesso ao SUS 

As pessoas em situação de rua enfrentam muitos obstáculos para acessar serviços do SUS: localização geográfica, horários incompatíveis, falta de documentos, preconceito institucional, falta de confiança no sistema, estigmas e discriminação.  

Além disso, a alta mobilidade dessa população torna difícil a continuidade do cuidado: mudança de local, dificuldade de manter agendamentos, falta de moradia fixa que impeça cumprir regimes de tratamento ou comparecimento regular.  

Questões relacionadas à saúde mental, dependência química e doenças crônicas 

A PSR apresenta prevalência elevada de transtornos mentais (depressão, ansiedade, transtornos psicóticos e problemas com uso de substâncias psicoativas). Estes agravam o quadro de vulnerabilidade, dificultam adesão ao tratamento, comunicação e autocuidado. Estudos mostram que enfermeiros frequentemente enfrentam pacientes com múltiplos diagnósticos, onde saúde mental, dependência química e doenças crônicas coexistem (como hipertensão, diabetes) e requerem manejo integrado. 

Vulnerabilidade a infecções e doenças transmissíveis 

Viver exposto ao clima, sem higiene adequada, em ambientes de grande circulação ou superlotados: tudo isso favorece a transmissão de doenças (respiratórias, dermatológicas, parasitárias, tuberculose, HIV, hepatites, COVID-19). A deficiência nutricional, imunológica e de higiene agrava infecções. Doenças crônicas não controladas também aumentam a susceptibilidade. Estudos apontam surtos ou prevalência superior de doenças infecciosas entre PSR, além de feridas crônicas que se complicam com frequência. 

 

Ações de enfermagem na assistência direta

Acolhimento e escuta qualificada 

Uma das primeiras ações é o acolhimento: garantir que a pessoa se sinta ouvida, respeitada e sem julgamentos. A escuta qualificada permite captar história de vida, condições de saúde, medos, necessidades, contextos sociais e culturais. Esse passo é essencial para construir vínculo de confiança, fundamental para adesão ao cuidado e continuidade. Vários estudos recentes indicam que a escuta é frequentemente negligenciada, mas muito valorizada pelos usuários. 

Realização de curativos, cuidados básicos e acompanhamento de doenças 

No atendimento direto, enfermeiros realizam curativos em feridas, tratam lesões de pele, higiene pessoal, controle de doenças crônicas (como medição de glicemia, pressão arterial), tratamentos de infecções, imunizações, acompanhamento do estado geral e suplementações de nutrientes (quando necessário). Monitoramento de sinais e sintomas, intervenções rápidas em casos de desidratação ou hipotermia também se destacam. A continuidade desses cuidados é dificultada pelo itinerário de vida dessas pessoas, mas essencial para evitar complicações maiores. 

Orientação em saúde e promoção de autocuidado possível 

Mesmo com limitações do contexto, enfermeiros promovem educação em saúde: higiene básica, uso de preservativos, cuidados com feridas, alimentação, orientação em doenças crônicas. Além de estimular o autocuidado mesmo em espaços públicos ou temporários. Também há ações de redução de danos no uso de drogas, apoio psicológico básico, orientação sobre acesso a serviços de saúde. 

 

Enfermagem e articulação com equipes multiprofissionais

Integração com CAPS, assistência social e programas de redução de danos 

Para responder às múltiplas necessidades da PSR, é imprescindível articulação com outras redes: saúde mental (CAPS), assistência social e serviços de redução de danos, por exemplo. Essas parcerias possibilitam que problemas complexos — como uso abusivo de substâncias ou transtornos mentais — sejam tratados não só pelos enfermeiros, mas por equipes com diferentes profissionais. 

Encaminhamentos e continuidade do cuidado 

Também faz parte do trabalho do enfermeiro: encaminhar para unidades de saúde, ambulatórios, hospitais ou serviços especializados quando necessário; garantir seguimento de tratamentos, retorno de consultas; articulação com políticas de moradia, redes sociais. A continuidade do cuidado é um desafio, mas enfermeiros podem atuar como coordenadores ou articuladores, promovendo referenciamento, acompanhando adesão, utilizando prontuários, promovendo registro comunitário.  

 

Protocolos e boas práticas na atenção à população em situação de rua

Estratégias do Ministério da Saúde e diretrizes nacionais 

O Brasil conta com políticas públicas que envolvem a população em situação de rua — por exemplo, Política Nacional de Atenção Básica, programas especiais como Consultório na Rua, diretrizes para redução de danos e articulação com assistência social. Resoluções do COFEN e portarias reforçam a necessidade de qualificação da atuação, acolhimento humanizado, ampliação de cobertura e fortalecimento do SUS para atender essa população.  

Exemplos de práticas exitosas em saúde coletiva 

Alguns estudos destacam experiências de sucesso: equipes de Consultório na Rua que promovem atendimento itinerante, ações de monitoramento de doenças infecciosas, vacinação, atendimento de feridas e articulação com assistência social. Estudos qualitativos demonstram que serviços com escuta qualificada, cuidado individualizado, flexibilidade de horário, localização adaptada, e respeito à dignidade, apresentam melhores resultados em adesão, satisfação e saúde percebida.  

Conclusão

A atuação do enfermeiro junto à população em situação de rua revela-se não apenas um dever profissional e ético, mas um componente essencial da equidade em saúde. Através de cuidados diretos, promoção de autocuidado, articulação intersetorial e prática humanizada, a enfermagem pode reduzir de forma concreta as desigualdades e mitigar impactos dos determinantes sociais. 

Para tanto, é fundamental investimento contínuo em capacitação profissional, políticas públicas específicas, protocolos adaptados e recursos adequados. A assistência humanizada, com respeito ao indivíduo, escuta qualificada, compromisso comunitário e sensibilidade às singularidades, não só melhora a saúde física, mas também contribui para a dignidade humana e reinserção social.