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Como avaliar pacientes com síncope?

Síncope é definida como um
evento súbito e transitório de perda da consciência relacionada à hipoperfusão cerebral
, usualmente de curta duração e associado à inabilidade para manter o tônus postural, seguido por uma recuperação rápida e completa.  

Termos como desmaio ou desfalecimento costumam ser referidos pelos pacientes, assim como tontura ou tonteira, e é parte da avaliação conseguir diferenciar síncope de outros sintomas (vertigem, desequilíbrio).  

O termo
pré-síncope se refere aos sinais e sintomas que podem preceder uma síncope, porém sem evolução para perda de consciência
; nestes casos, processos fisiopatológicos e etiologias semelhantes aos quadros de síncope devem ser considerados. Até mesmo pela sua definição, o principal mecanismo fisiopatológico é a hipoperfusão cerebral; a cessação do fluxo cerebral por 6 a 8 segundos assim como pressão sistólica abaixo de 50-60 mmHg são suficientes para a perda de consciência. 

A incidência de síncope aumenta com a idade e costuma ser maior em mulheres. As causas de quadros de perda súbita de consciência são variadas (
Tabelas 1 e 2
). Esse é o principal desafio desta situação clínica: estão englobados dentro de uma mesma manifestação clínica condições benignas, como síncope reflexa, e também doenças de maior risco e eventualmente fatais, como síncope de etiologia cardíaca, eventos cerebrovasculares e convulsões. 

Dentro das causas cardíacas de síncope há bradi e taquicardias, doenças cardíacas estruturais (valvopatias, infarto agudo do miocárdio, tamponamento) e eventos agudos em grandes vasos (embolia pulmonar, dissecção de aorta). Dessa forma,
reconhecer pacientes com sinais de alerta para causas graves
e identificar a causa de uma síncope é ao mesmo tempo fundamental e desafiador.  

A seguir, vamos nos aprofundar nesta investigação, em especial em como diferenciar situações potencialmente graves de quadros benignos. 

Avaliação clínica do paciente com síncope: como otimizar a avaliação
 

Na entrevista, a descrição dos episódios de síncope deve ser detalhada para compreender os sintomas que precederam a perda de consciência, acontecimentos durante o período de inconsciência (relato de terceiros) e condições da recuperação da consciência. Como a maioria dos episódios ocorre fora do hospital, pessoas que tenham presenciado o evento (familiares, amigos) podem fornecer importantes pistas diagnósticas. O diagnóstico da causa da síncope pode ser feito com história, exame físico e eletrocardiograma (ECG) em 63% dos pacientes com uma acurácia geral de 88%. 

Na
Figura 1
você encontra um resumo dos principais achados de história e exame físico que ajudam a identificar causas cardiogênicas em um paciente com perda súbita de consciência. Estão apresentadas as razões de verossimilhança (
likelihood ratios -
LRs) dos achados para a síncope de etiologia cardíaca. Uma discussão da aplicação de
LRs no processo diagnóstico
foge do escopo deste texto; resumidamente, valores menores que 1 reduzem a chance do diagnóstico e valores maiores que 1 aumentam essa chance.  

Figura 1.
Achados que sugerem etiologia cardíaca em pacientes com perda de consciência. Adaptado de (4). 

EGSYS:
Evaluation of Guidelines in Syncope Study
; LR:
likelihood ratio

a bradicardia (< 40 batimentos ventriculares/minuto), bloqueios sinoatriais repetidos, pausas > 3 segundos, desvio (supra ou infra) do segmento ST > 1 mm, bloqueio atrioventricular mobitz 2 ou mais avançado, bloqueio bifascicular, pausas sinusais, mau funcionamento de marcapasso,
sick sinus syndrome
e arritmia ventricular ou supraventricular rápida paroxística. 

b insuficiência cardíaca, cardiopatia isquêmica, doença valvar, cardiomiopatia ou cardiopatia congênita. 

c precipitado por posição, atividade (repouso, mudança de posição, exercício, urinar, defecar, tosse), situações (locais abafados ou cheios, ortostatismo prolongado, medo, dor). 

Além da identificação de síncope cardíaca, um desafio adicional é a diferenciação da causa da perda de consciência entre síncope e um episódio convulsivo. A presença de flexão da cabeça, posição corporal atípica, perda de esfíncteres, cianose, pródromos de tremores, alucinações e preocupações sugerem etiologia convulsiva. Amnésia do episódio e lesão na língua também reforçam essa hipótese. Por outro lado, a presença de calorões, palpitações, sudorese, dor torácica ou náuseas antes do episódio sugerem síncope. Episódios desencadeados por posição (ortostatismo ou mesmo sentado) e a lembrança de ter perdido consciência também reforçam a hipótese de síncope.  

Exames complementares
 

Apesar de a anamnese ser a principal ferramenta para diagnóstico de síncope, alguns testes complementares podem ser indicados para refinar a suspeita clínica. Especialmente o ECG é um exame simples, não-invasivo e realizado de rotina na avaliação destes pacientes, mas outros testes mais complexos podem ser indicados. Abaixo vamos abordar os exames mais comuns.  

Eletrocardiograma 

O ECG é um exame
recomendado para todos os pacientes
na avaliação de síncope no departamento de emergência e no consultório. Suas principais utilidades são identificar distúrbios de ritmo (bradi e taquicardias, fibrilação ou flutter atrial) e distúrbios de condução (bloqueios de ramo, pré-excitação ventricular, intervalo QT anormal), entre outras alterações (onda Q patológica sugerindo cardiopatia isquêmica e predisposição a arritmias ventriculares, por exemplo).  

Mais de metade dos pacientes podem apresentar ECG anormal, e as alterações mais associadas a prognóstico (mortalidade em um ano) foram fibrilação atrial, distúrbios de condução intraventricular, hipertrofia de ventrículo esquerdo e ritmo de marcapasso ventricular.  Em casos selecionados de pacientes ambulatoriais, pode-se lançar mão do Holter ou de um monitor implantável de eventos, que permitem avaliação por tempo ampliado. Quando houver suspeita de síncope por arritmia, é indicada a monitorização cardíaca contínua até estabelecer o diagnóstico e/ou o tratamento. 

Ecocardiograma 

O ecocardiograma está indicado para avaliar a presença de alterações estruturais cardíacas que possam induzir síncope (valvulopatias, cardiomiopatias), e está indicado quando não existe suspeita forte de outras causas pela história clínica, como síncope vasovagal.  

TILT ou teste da inclinação ortostática 

A principal indicação do teste TILT é a confirmação diagnóstica em pacientes com suspeita de síndrome vasovagal, pois induz uma resposta hipotensora e pode reproduzir os sintomas de síncope em um paciente com sensibilidade a outros estímulos (dor, calor, longo tempo em ortostase). No teste, o paciente fica em posição supina e, após algum tempo determinado, é elevado a 60-80 graus; o teste é considerado positivo se houver queda súbita da pressão arterial na presença de sintomas, e o uso de nitratos pode ser considerado para aumentar a sensibilidade do exame. Como a taxa de falso-positivos pode ser alta (superior a 1 em 10), é recomendado excluir causas estruturais e outros motivos para a síncope antes de indicar o exame.  

Sinais de alarme
 

Como a síncope pode ser a manifestação de condições com variada gravidade, é fundamental reconhecer os pacientes que apresentam
redflags
ou sinais de alarme para causas graves. A síncope de origem cardiopulmonar, também chamada de cardíaca, é uma situação especial que não pode passar despercebida (
Tabela 3
). Arritmias cardíacas (bradi ou taquiarritmias) são eventos potencialmente graves que podem levar a morte súbita sem a oportunidade de atendimento de saúde, e os pacientes em risco devem ser identificados e mantidos em monitorização até esclarecimento diagnóstico.  

Outro diagnóstico etiológico com elevada morbidade e que muitas vezes não é a principal hipótese diagnóstica é o tromboembolismo pulmonar (TEP): cerca de 1 a cada 4 pacientes com TEP no contexto de síncope podem não apresentar sinais clássicos como taquicardia, taquipneia, hipotensão ou sinais de trombose venosa profunda (TVP). O TEP deve ser considerado como causa de síncope, em especial: em pacientes que não se identifica a causa em uma primeira avaliação; se o risco de TEP não for considerado baixo (com base na história clínica, escores de risco e d-dímeros); e se houver achados específicos (TEP prévio, taquicardia, hipotensão, sinais de TVP, taquipneia, neoplasia ativa) (7). 

Os principais sinais de alarme para um episódio de síncope e que devem desencadear pronta investigação, incluindo considerar internação hospitalar para tal, estão descritos na
Tabela 3.
 

Tabela 3
. Sinais de alarme: achados de alto risco para causas graves de síncope. Adaptado de (2).

Resumo
 

No atendimento de pacientes com síncope, o profissional ter diversos desafios. Os dois principais são: 

  1. confirmar que o quadro se trata de uma síncope (em especial, diferenciar de um episódio convulsivo generalizado); 
  2. diferenciar a maioria dos pacientes com condições de baixo risco (síncope reflexa e ortostática, principalmente) de uma fração pequena, porém significativa, de pacientes com síncope de origem cardíaca.  

A
Figura 2
abaixo apresenta uma proposta de abordagem que integra essa avaliação. 

Figura 2.
Abordagem clínica do paciente com síncope. Adaptado de (4).  

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