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Dengue: como realizar o manejo ambulatorial

A dengue é a principal arbovirose que ocorre no mundo e no Brasil. Tem um perfil de distribuição urbano, relacionado à presença do mosquito
Aedes aegypti
. Trata-se de uma doença bastante frequente no nosso país, atingindo mais de um milhão e meio de pessoas a cada ano.

O quadro clínico inclui uma combinação de sintomas que envolve febre alta, mialgias intensas, cefaléia e dor retro-ocular,
rash
e artralgia. Casos graves evoluem com choque e eventos hemorrágicos.

Para pacientes que se apresentam nos primeiros 5 dias de sintomas, deve-se realizar a investigação com antígeno NS1 ou com técnicas de identificação viral direta. Para pacientes que se coleta amostras após o 5º dia, o diagnóstico é realizado com exames sorológicos. Os aspectos clínicos e de investigação da doença (e sua relação com zika e chikungunya) estão apresentados
neste artigo aqui
.

Neste texto, você verá como identificar situações de gravidade e como manejar os pacientes com dengue.

Os principais pontos atenção é a classificação adequada dos pacientes em grupos de gravidade e o tratamento de suporte. A identificação de sinais de alarme permite monitoramento mais próximo e intervenção mais precoce em pacientes de maior risco de evolução desfavorável.

Classificação de gravidade da dengue

O primeiro passo do manejo do paciente com dengue é a identificação da gravidade do caso. Isso é fundamental para definir o local de atendimento e a intensidade do tratamento, como veremos a seguir.

Assim, deve-se estar atento ao sinais de alarme a todo o momento (
Tabela 1
), mas principalmente quando ocorre defervescência, período em que o choque costuma se instalar. Além disso, nos pacientes com sinais de alarme, deve-se estar atento aos sinais de gravidade (
Tabela 2
), que são sinais de choque circulatório. Com base nestas duas informações (sinais de alarme e gravidade) e na presença de comorbidades, se define vários aspectos do tratamento, como apresentado no
Quadro 1
.

Tabela 1. Sinais de alarme para dengue grave. Referências 1 e 2.

  • Dor abdominal intensa e contínua
  • Vômitos persistentes
  • Derrames cavitários (ascite, pleura, pericárdio)
  • Hipotensão postural e lipotímia
  • Letargia ou irritabilidade
  • Hepatomagalia > 2 cm abaixo do rebordo costal
  • Sangramento de mucosas
  • Aumento do hematócrito em relação ao basal (hemoconcentração)

Tabela 2. Sinais de gravidade (choque) na dengue grave. Referências 1 e 2

  • Pulso rápido e fraco
  • Hipotensão arterial
  • Pressão de pulso reduzida (<20 mmHg em crianças)
  • Extremidades frias
  • Enchimento capilar lento
  • Pele úmida e pegajosa
  • Oligúria (<1,5 ml/kg/dia)
  • Agitação, irritabilidade, convulsões

Quadro 1. Grupos de estadiamento clínico dos pacientes suspeitos de dengue. Extraído da referência 2.

Grupo A

  • Ausência de manifestações hemorrágicas espontâneas e prova do laço negativa
  • Ausência de sinais de alarde
  • Sem comorbidades, sem risco social ou condições clínicas especiais
  • Acompanhamento ambulatorial

Grupo B

  • Sangramento de pele espontâneo (petéquias) ou induzido (prova do laço positiva)
  • Ausência de sinais de alarde
  • Grupos específicos: a) lactentes, gestantes e adultos com idades >65; b) comorbidades (hipertensão arterial ou outras doenças cardiovasculares graves, diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crônica (Dpoc), doenças hematológicas crônicas, doença renal crônica, doença ácido-péptica, hepatopatias e doenças autoimunes); e c) risco social
  • Acompanhamento em unidade de saúde com leitos de observação até ter resultados de exames e ter sido realizada a reavaliação clínica

Grupo C

  • Presença de algum sinal de alarde e sinais de gravidade ausentes
  • Pacientes devem ter acompanhamento em leito de internação até a estabilização
  • Observação: devem ser atendidos, inicialmente, em qualquer serviço de saúde, independentemente do nível de complexidade, sendo obrigatória a hidratação venosa rápida, inclusive durante eventual transferência para uma unidade de referência. Se não houver melhora clínica e laboratorial, conduzir como Grupo D.
  • Acompanhamento em leito de internação até estabilização e critérios de alta, por um período mínimo de 48 horas

Grupo D

  • Presença de sinais de choque, desconforto respiratório
  • Comprometimento grave de órgãos
  • Manifestações hemorrágicas graves
  • Acompanhamento em leito de UTI até estabilização (mínimo de 48 horas). Após a estabilização, permanecer em leito de internação

Observação: nos lactentes, alguma irritabilidade e choro persistente podem ser a expressão de sintomas, como cefaleia e algias.

Tratamento da dengue

Talvez a primeira dúvida que o profissional se depara quando está iniciando o tratamento de um paciente com suspeita de dengue é quanto ao nível de atendimento (ambulatorial x internação).

As recomendações do Ministério da Saúde estão apresentadas no
Quadro 1
, seguindo a classificação de gravidade. Outras organizações, como a Associação Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde, tem recomendações semelhantes.

Como regra geral,
pacientes com quadros graves, com necessidade de hidratação parenteral, com sinais de alarme, ou que não conseguem manter hidratação por via oral, devem ser internados.
Aqueles com choque devem ser manejados em ambiente de terapia intensiva.

O principal recurso de tratamento para dengue é garantir hidratação adequada e reposição naqueles pacientes desidratados ou hipovolêmicos.
Esta é a principal intervenção para minimizar o risco de óbito e tratar os quadros de choque. Outro aspecto central do manejo é a
reavaliação frequente e monitorização de sinais vitais, diurese e surgimento de sinais de alarme.

Apesar da mialgia intensa e da necessidade de analgesia, deve-se evitar anti-inflamatórios não esteroidais e aspirina por aumentarem o risco de sangramento. Dessa forma, deve-se dar preferência para analgesia com paracetamol ou dipirona.

Em pacientes com hipertensão arterial, deve-se considerar uma redução de 40% em relação aos valores usuais como indicativo de choque. Além disso, deve-se suspender anti-hipertensivos em caso de choque.

Pacientes em uso de antiplaquetários e anticoagulantes com plaquetas acima de 50 mil/mcL não precisam suspender na ausência de sinais de gravidade ou sangramento.

A seguir, esquematizamos o tratamento de acordo com o estancamento proposto pelo Ministério da Saúde. Independente do estágio da doença, deve-se sempre realizar a notificação (mesmo antes da confirmação), buscar a confirmação laboratorial conforme o tempo de evolução dos sintomas e buscar controlar possíveis focos do vetor no domicílio.

Grupo A

  • Sem necessidade de exames laboratoriais rotineiramente; realização a critério médico.
  • Repouso e manter dieta conforme tolerância. Estimular aleitamento materno.
  • Hidratação oral 60 ml/kg/dia* (em crianças, ajustar de acordo com peso**), sendo idealmente 1/3 do volume nas primeiras 4-6 horas. Especificar na receita o volume a ser ingerido. Manter por até 48h após melhora da febre.
  • Não realizar auto-medicação e retornar para revisão ao final da febre (atenção a fase de choque) ou no 5o dia.
  • Orientar sobre sinais de piora clínica (redução do débito urinário, tontura, confusão, má perfusão…) e retorno imediato se surgimento destes.

Grupo B

  • Solicitar rotineiramente hemograma e plaquetas. Exames adicionais a depender das doenças e situação do paciente. Obter resultado no mesmo dia para pautar a conduta.
  • Enquanto paciente aguarda exames, realizar hidratação oral conforme explicitado acima.
  • Se for verificado ausência de hemoconcentração e plaquetas normais: manter hidratação oral e reavaliação na defervescência ou se surgirem sinais de piora clínica.
  • Paciente com alteração laboratorial ou sinais de alarme durante a observação: manejo hospitalizado.

Grupos C e D

  • Manejo hospitalar. Pacientes do grupo D devem ficar em ambiente de terapia intensiva.
  • Enquanto se aguarda transferência, iniciar reposição de volume parenteral imediatamente com ringer lactato ou soro fisiológico 0,9% na dose de 10-20 ml/kg de peso ideal.

*O ministério da saúde recomenda especificamente que 1/3 do volume diário deve ser de solução salina 0,9% em adultos ou soro de reposição oral em crianças e o restante com líquidos usuais (água, suco, chá). Entretanto demais referências não seguem a mesma recomendação. Em suma, a questão central é garantir aporte hídrico elevado.

**Crianças < 13 anos: até 10 kg: 130 ml/kg/dia; de 10 a 20 kg: 100 ml /kg/dia; acima de 20 kg: 80 ml/kg/dia

Perspectivas futuras

Existem estudos avaliando o uso de inibidores virais diretos ou de entrada do vírus no organismo, mas não existem ainda antivirais para uso clínico. Estudos com corticoesteróides, cloroquina, imunoglobulina não demonstraram benefício. Existem vacinas disponíveis no mercado, porém ainda não incorporadas no Sistema Único de Saúde, provavelmente por questões orçamentárias. Por outro lado, uma vacina nacional está em desenvolvimento.