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Exame de FAN (fator antinuclear): como funciona e como interpretá-lo?

O que é o exame de FAN? 

A pesquisa de fator antinuclear (FAN) é um exame que investiga a presença de auto-anticorpos contra porções celulares. É útil para o diagnóstico de lupus eritematoso sistêmico (LES), bem como várias outras doenças autoimunes, como esclerose sistêmica, síndrome de Sjögren e miopatias autoimunes (dermatomiosite e polimiosite). Ele é de grande auxílio na investigação clínica de pessoas com suspeita de doenças autoimunes, assim entender seu funcionamento é muito útil neste contexto.  

Um aspecto muito curioso e informativo do exame envolve seu nome.
Fator (anticorpo) antinuclear
(ou, em inglês,
antinuclear antibodies
[ANA]) vem da descoberta nos anos 1940 que pacientes com LES possuiam no soro anticorpos contra componentes dos núcleos celulares. Porém, com a melhora das técnicas laboratoriais, passou-se a identificar anticorpos contra estruturas celulares fora do núcleo. Em função disso, atualmente discute-se qual o melhor nome para o exame, uma vez que FAN (ou ANA) são termos consagrados, mas imprecisos. O consenso brasileiro de autoanticorpos recomenda o uso do termo “
FAN - Pesquisa de Anticorpos Anticélula
” para manter o nome mais conhecido e, ao mesmo tempo, promover a migração para um termo tecnicamente mais adequado.   

Estima-se que 5% da população saudável tenha FAN positivo em títulos de até 1:160. Outro aspecto relevante é que a prevalência de exame alterado na população adulta aumenta com a idade. A identificação de anticorpos anticélula é duas vezes mais comum em mulheres do que em homens. Além disso, é importante lembrar que o FAN pode ser positivo em outras doenças auto-imunes, como hepatite auto-imune e tireoidite de Hashimoto.   

Aspectos laboratoriais
 

Como o exame de FAN funciona?
 

O principal método (e considerado padrão-ouro) para o FAN é o exame de imunofluorescência indireta com anticorpos marcados em células epiteliais humanas do tipo 2 (células HEp-2). Trata-se de uma técnica dependente da experiência do operador que está realizando a leitura e classificação do padrão na microscopia. De forma esquemática, o método está apresentado na
Figura 1
, em que podemos compreender que o soro do paciente é aplicado em uma placa com células HEp-2 e os anticorpos do paciente reagem com antígenos celulares. Após a aplicação do soro, adicionam-se anticorpos de detecção que emitem fluorescência quando se ligam a anticorpos do paciente acoplados a antígenos das células HEp-2. Por fim, essa placa é lida no microscópio, para identificação do padrão e da titulação dos auto-anticorpos.  

Figura 1.
Representação esquemática da técnica de imunofluorescência indireta para pesquisa dos anticorpos anticélula (FAN). Extraído e traduzido da referência 3. 

Além da técnica de imunofluorescência indireta, pode-se mudar o alvo de uma célula padronizada (HEp-2) para auto-antígenos isolados em uma placa ou membrana. E o mecanismo de leitura pode ser enzimático (ELISA) ou colorimétrico. Ou seja, muda-se o variar como o auto-antígeno é colocado em contato com o soro do paciente e como a reação entre eles é medida. É com este tipo de técnica que pode-se pesquisar os anticorpos individualmente, de forma direta. Estes incluem, por exemplo, os exames de anti-SSa e -SSb (síndrome de Sjögren), anti-topoisomerase (esclerose sistêmica) e anti-DNA dupla-hélice (LES).  

Quanto à classificação de padrões, o consenso brasileiro de autoanticorpos segue as recomendações internacionais. Assim, existem 29 padrões de FAN que podem ser identificados pela imunofluorescência indireta de células HEp-2. Além destes 29 padrões “tradicionais", a diretriz brasileira apresenta 5 padrões adicionais, chamados de “transitórios”. Todos os padrões tem um código de letras e números para facilitar a comunicação; por exemplo, o código AC-3 indica o padrão centromérico e o padrão AC-21 é citoplasmático pontilhado fino. O prefixo BAC indica os padrões adicionais brasileiros transitórios. A árvore de decisão do consenso brasileiro está apresentado na
Figura 2
para fins de ilustração.  

Figura 2.
Arvore de decisão dos padrões de autoanticorpos identificados pelo exame de FAN definida pelo consenso brasileiro de autoanticorpos. Extraído da referência 5. 

Ainda sobre detalhamentos técnicos, é relevante que a consenso brasileiro de autoanticorpos recomenda que a pesquisa de FAN seja iniciada com a diluição do soro em 1:80. Esse ponto de partida foi estabelecido com base em evidências de que indivíduos saudáveis com resultados falsos positivos tendem a apresentar reatividade em baixos títulos (1:40 e 1:80). Por outro lado, quanto maior o título, maior a chance de resultado verdadeiro positivo; a maioria dos pacientes com doenças autoimunes apresenta títulos pelo menos moderados (1:160 ou maiores).  

Aplicação prática
 

Como usar o FAN?
 

Como qualquer exames complementar, o FAN deve ser solicitado conforme a suspeita clínica de cada paciente. Assim, pacientes com sinais, sintomas ou outras manifestações consistentes com
LES, doença mista do tecido conjuntivo, esclerose sistêmica, síndrome de Sjögren, dermato/polimiosite, fenômeno de Raynaud, hepatite autoimune e colangite biliar primária devem ter como parte da sua investigação o exame de FAN
. Na
Tabela 1
apresentamos as principais doenças reumatológicas associadas com FAN positivo (e outros auto-anticorpos) e os padrões deste acometimento.  

Tabela 1. Principais doenças reumatológicas e padrões de FAN relacionados. Extraído, adaptado e traduzido da referência 3.

Além das recomendações de solicitação, um aspecto muito relevante do exame é a presença de falsos positivos. Como vimos, até 5% da população saudável pode ter exame de FAN positivo. Uma vez que a prevalência de doenças associadas ao FAN é de aproximadamente 1%, 4 a cada 5 pessoas terão exames falsos positivos. Assim, o exame não deve ser solicitado sem uma suspeita clínica específica, tampouco como forma de rastreamento. Essa posição é endossada por diversas sociedades e inclusive faz parte das campanhas de uso racional de recursos
Choosing Wisely
. Ao receber o resultado do exame, seja qual for o motivo da solicitação. 

Independente da indicação do exame, ao receber o seu resultado o médico deve avaliar se o mesmo é consistente com o quadro do paciente. Para isso, é muito útil revisar quais as associações de doença mais comuns com o padrão encontrado. Para isso, sites das sociedade brasileira e internacional de auto-anticorpos são muito úteis (
https://www.hep-2.com.br/
ou
https://www.anapatterns.org/
, respectivamente). Neles temos os padrões, as associações de doença e os auto-anticorpos específicos associados com cada padrão. Vale lembrar que, além das doenças reumatológicas, outras doenças e situações clínicas "não reumatológicas” podem cursar com FAN positivo, como tireopatia autoimune, infecções, neoplasias e medicamentos.  

O padrão AC-2 (associado ao anticorpo anti-DFS70) merece um comentário separado. Ele está geralmente relacionado à ausência de doença autoimune. Sua presença, mesmo em títulos elevados (por exemplo, maiores que 1:640), reduz significativamente a probabilidade de condição autoimune, sendo considerado um marcador de benignidade. Ainda assim, o padrão AAC-2 pode mascarar outros padrões sorológicos concomitantes. Em pacientes com alta probabilidade de doença (pelo quadro clínico) pode ser necessário realizar testes adicionais diretos de auto-anticorpos.  

Quanto ao laudo, o consenso brasileiro de auto-anticorpos recomenda um laudo estruturado, que ao mesmo tempo informe sobre os achados e auxilie na tomada de decisão. Ele deve incluir o código internacional (ou brasileiro para os padrões transitórios), a técnica utilizada, a títulação do exame (p.ex., 1:640), as porções das células HEp-2 que marcaram (citoplasma, núcleo, placa metafásica…). Além disso, ele deve direcionar para o site brasileiro ou internacional para que o solicitante possa verificar quais doenças estão mais associadas com aquele padrão.  

Conclusão
 

FAN é um exame bastante útil para avaliação de algumas doenças reumatológicas, em especial LES, esclerodermia, síndrome de Sjögren e doença mista do tecido conjuntivo (
Tabela 1
). Sua técnica mais tradicional (imunofluorescência indireta) identifica auto-anticorpos contra porções do núcleo ou do citoplasma (
Figura 1
). Apesar de poder identificar um grande número auto-anticorpos, é um exame que deve ser solicitado apenas para pacientes com suspeita de doenças reumatológicas, pois falsos positivos são frequentes.  É muito útil para o médico atendendo estes pacientes conhecer e usar os sites de apoio (
https://www.hep-2.com.br/
ou
https://www.anapatterns.org/
) para consultar as doenças mais associadas com cada padrão.