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Depressão na adolescência: aspectos clínicos relevantes

A adolescência é compreendida como um período do desenvolvimento humano marcado pela transição da infância para a vida adulta (Macedo et al., 2017). Os marcadores cronológicos que delimitam quais anos da vida abrangem esta etapa variam, principalmente de acordo com cada país. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) compreende a adolescência como uma fase que se estende dos 12 aos 18 anos, considerando algumas medidas até os 21 anos (Brasil, 1990).  

Esse período da vida é delimitado por tarefas desenvolvimentais e exigências específicas, quando ocorrem diversas transformações a nível físico, cognitivo, emocional e comportamental nos indivíduos (Macedo et al., 2017). Algumas das demandas as quais os adolescentes devem atender são o maior convívio social com seus pares, maior autonomia e responsabilidades, o desenvolvimento da autopercepção e de suas habilidades e competências, a construção da própria identidade e de valores, e tomadas de decisão quanto à carreira profissional (Macedo et al., 2017).   

As substanciais mudanças que ocorrem, junto da considerável pressão social experienciada nesta fase da vida, configuram especificidades que exigem atenção, pois podem evoluir para dificuldades de adaptação à sociedade e em relacionamentos interpessoais e na apresentação de comportamentos anti sociais dos adolescentes (França et al., 2022).  

Além disso, é fato que as experiências vividas na adolescência podem comprometer a qualidade de vida das pessoas por um grande período de tempo do desenvolvimento, tornando-se problemas crônicos (Sagar & Krishnan, 2017). Por isso, os adolescentes devem ser estimulados a buscarem experiências positivas para seu desenvolvimento nos contextos em que se encontram (Macedo et al., 2017). 

Ao considerar o que é característico do desenvolvimento esperado para esta etapa da vida, pode-se rebater tais impressões tão enraizadas a respeito da adolescência. Por exemplo, o fato de ser incipiente o processo de abstração do pensamento, que até então era bastante concreto, pode explicar parcialmente a razão dos comportamentos tidos como socialmente imaturos (Elkind, 1984; 1998). Os adolescentes tendem a se envolverem mais em discussões a fim de testar a sua capacidade de raciocínio que aumentou recentemente. Podem também tentar procurar defeitos e discordar das figuras de autoridade, pois começaram a perceber falhas nos adultos, que antes eram muito venerados. 

Além disso, podem supor que as outras pessoas estão pensando o mesmo que eles ou que deveriam saber o que eles pensam, devido a uma autoconsciência aumentada, entre outras características (Neufeld et al., 2017). 

O fato é que nem todas as capacidades e habilidades importantes para a vida estão desenvolvidas plenamente na fase da adolescência e, por isso, é necessário entender que muitas vezes os comportamentos dos adolescentes são diferentes dos comportamentos dos adultos (Neufeld et al., 2017; Steinberg & Scott, 2003)  

Olhar para essas questões é extremamente importante, visto que cerca de 13,4% dos adolescentes apresentam algum transtorno psicológico, e, dentro desses transtornos, a depressão e transtornos de ansiedade são os mais comuns encontrados. A depressão a terceira principal causa de adoecimento nesta população (Reardon et al., 2017; World Health Organization, 2017).  

Fatores de risco na adolescência para a depressão 

 Entende-se como fatores de risco as características, ações, eventos ou experiências de caráter genético, biológico, psicossocial e cultural que aumentam a probabilidade de problemas ou de consequências adversas para o funcionamento psicológico/social ocorrerem (Assis et al., 2009; Gomide et al., 2005; Grant et al., 2006; Kraemer et al., 2010).  

Os fatores de risco para o desenvolvimento da depressão aumentam a vulnerabilidade dos adolescentes a problemas comportamentais e emocionais, prejudicando, por sua vez, a aquisição das habilidades essenciais para uma adaptação positiva e a promoção da saúde mental (Santos-Vitti et al., 2020). 

Alguns destes fatores estão relacionados às características individuais dos adolescentes, como o temperamento, e outras se relacionam ao meio em que estão inseridos, incluindo as condições estruturais e socioculturais mais amplas (Zweig et al., 2002).
Entre aqueles já identificados na literatura para o desenvolvimento da depressão na adolescência,
estão as dificuldades nas relações familiares e o conflito interpessoal
(França et al., 2022).  

As dificuldades nas relações familiares, mais especificamente o conflito com os pais, se relaciona diretamente à maior prevalência da depressão em adolescentes.
As variáveis familiares de disciplina inconsistente, vinculação pobre entre pais e filhos, negligência, baixo envolvimento parental com a vida escolar dos filhos, falta de rotina, conflito familiar e conjugal e existência de divórcio são mediadoras para os sintomas psicológicos, levando ao isolamento, à rejeição, ao descontrole emocional, à dificuldade de enfrentamento, entre outras questões emocionais e comportamentais (Grant et al., 2006).  

Além disso,
os estudos apontaram maior correlação do estado emocional depressivo com a apresentação de relacionamentos conturbados dos adolescentes entre seus pares e professores.
Os conflitos no relacionamento apresentam-se como fator desencadeante para comportamentos depressivos (de Lima Coutinho et al., 2016).  

Como a depressão se apresenta na adolescência 

 Existe uma ampla diversidade nas manifestações comportamentais da população infanto-juvenil, bem como características relacionadas à relação do adolescente com sintomas de depressão e seu ambiente externo: 

  • As variações são notáveis mesmo dentro do mesmo diagnóstico clínico (Gauy & Rocha, 2014). 
  • Exemplos contrastantes incluem adolescentes depressivos com isolamento, letargia e anedonia, enquanto outros manifestam agitação e agressividade (Wright & Zacriski, 2001). 
  • A depressão se manifesta predominantemente em problemas comportamentais e emocionais internalizantes, como isolamento e tristeza (Del Prette & Del Prette, 2005). 
  • A depressão frequentemente coexiste com ansiedade, problemas de conduta e outras condições médicas, dificultando a definição clara de suas manifestações (Gauy & Rocha, 2014).  
  • Emoções e comportamentos associados à depressão são frequentemente despercebidos por outras pessoas de sua convivência, já que eles se manifestam pouco de maneira externa (Camargo et al., 2019). 
  • Adolescentes frequentemente adotam comportamentos defensivos, como se isolar ou ocultar sintomas, dificultando a identificação e o diagnóstico da depressão (Camargo et al., 2019). 

Mesmo que os sintomas não sejam manifestados com relação aos outros, o sofrimento psicológico ainda é experienciado e o fato de muitas vezes as pessoas do convívio dos adolescentes não perceberem, ou entenderem estes sintomas apenas como algo que é característico da fase da adolescência, pode gerar invalidação e piorar ainda mais a situação. Isso porque o desenvolvimento da depressão reflete em sobrecarga psicológica e corporal, impactando negativamente a vida das pessoas quando estas não recebem o tratamento adequado (Camargo et al., 2019). 

Nesse sentido, é essencial que os terapeutas tenham um conhecimento profundo sobre os aspectos relativos ao desenvolvimento esperado para os adolescentes, para ter aptidão quanto ao tratamento e os encaminhamentos necessários de serem oferecidos aos jovens. Além disso, é importante que os terapeutas tenham expertise para identificar se as dificuldades apresentadas pelos adolescentes se tratam do tipo internalizante, optando por técnicas predominantemente cognitivas para a intervenção nestas questões (Macedo et al., 2017).  

O tratamento 

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) vem sendo considerada a abordagem terapêutica mais qualificada para o tratamento dos transtornos depressivos (Wainer et al., 2003). A eficácia da TCC para depressão vem sendo estudada em diversas pesquisas ao longo dos anos, para as mais diferentes populações. Quanto à eficácia nos tratamentos para a depressão com adolescentes, a TCC também tem mostrado excelentes resultados, tanto na modalidade de atendimento individual quanto em grupo (Ferdon & Kaslow, 2008). Isso porque os
estudos científicos apresentam evidências de redução de sintomas dos transtornos depressivos nos adolescentes após estes serem submetidos à prática da TCC
(Klein et al., 2008).  

Um dos principais objetivos da intervenção baseada na TCC para a depressão é promover uma avaliação mais realista dos acontecimentos e a modificação de pensamentos distorcidos e suas crenças disfuncionais, resultando em uma melhora duradoura no humor e no comportamento dos pacientes (Almeida & Lotufo Neto, 2003). Toda essa intervenção é marcada pelo caráter educativo da TCC, pelo desenvolvimento da confiança e da colaboração entre terapeuta e paciente, sendo que este último possui papel ativo em seu processo de mudança (Matos & Oliveira, 2013). Abaixo apresentamos alguns fatores cruciais para o manejo com adolescentes na TCC.

Fatores essenciais de manejo que o terapeuta cognitivo-comportamental precisa se atentar nos atendimentos aos adolescentes

  • Envolvimento da família e da escola 

Apesar de o movimento para a aquisição da autonomia e da independência ser considerado um dos seus maiores desafios desenvolvimentais, estes ainda não são totalmente independentes e, por isso, as suas escolhas e comportamentos são pautados no sistema familiar. Nesse sentido, o psicólogo cognitivo-comportamental necessita ter ciência sobre a estrutura, o funcionamento e o sistema de crenças familiar do adolescente que atende (Neufeld et al., 2017), além de que a família e a escola devem estar envolvidas na intervenção, visando potencializar os ganhos terapêuticos (Friedberg & McClure, 2004). 

  • Centralidade do contexto social 

É fundamental que a centralidade do contexto social dos adolescentes seja considerada pelos terapeutas. O objetivo da terapia vai ser preparar o adolescente para os desafios da vida, focando em desenvolver habilidades para facilitar a resolução de problemas (Neufeld et al., 2017). Lembrando que o que caracteriza uma intervenção de alta qualidade é o quanto se consegue construir com o paciente maneiras mais adaptativas de se comportar, pensar e sentir, buscando melhor adaptação (Kendall, 2011).  

  • Forma de chegada do adolescente pela terapia 

Outro fator que deve ser considerado no momento da intervenção pelo terapeuta é como se deu a chegada do adolescente à intervenção. Sabe-se que, na maioria das vezes, a procura não é feita pelo jovem, mas por encaminhamentos da escola ou da família, trazendo consequências para os resultados terapêuticos quando não foi uma decisão espontânea do paciente. Assim, é importante que esforços sejam feitos para que o ambiente terapêutico seja agradável, que gere engajamento, e que fique claro o benefício potencial da participação na intervenção. Além disso, é importante que o adolescente seja visto e se sinta autônomo e ativo no processo interventivo, o que pode ser generalizado para o controle dos próprios problemas (Donnellan et al., 2012; Kendall, 2011). 

  • Empatia, validação e vínculo terapêutico 

A empatia do profissional de psicologia para com o seu paciente é fundamental, já que a adolescência é uma fase marcada por desafios. A busca por compreender o que o adolescente vivencia e validar essas experiências, buscando entrar em seu universo é essencial para que os resultados terapêuticos sejam alcançados, oferecendo oportunidades e feedbacks, com o apoio e as exigências necessárias (Neufeld et al., 2017). Além disso, é preciso que o psicólogo esteja disposto a embarcar no universo dos adolescentes e em suas questões, atualizando-se dos interesses do paciente, visando construir o vínculo terapêutico (Neufeld et al., 2017).  

  • Estratégias da TCC
     
  • A psicoeducação deve ser um dos focos principais, para que o propósito e o processo da terapia fiquem claro ao adolescente (Lock, 2005).  
  • Quanto à reestruturação cognitiva, é essencial que o terapeuta tenha como foco auxiliar o paciente a treinar perspectivas e alternativas diferentes. É importante que o profissional seja ativo, mas que cuide para não assumir todo o processo sem colaboração (Lock, 2005).  
  • Lock (2005) chama a atenção para a importância da simplificação da linguagem e do estilo de comunicação com o adolescente, assim como a necessidade de haver maior flexibilidade em relação aos planos de ação propostos.  
  • Sugere-se a utilização de técnicas de resolução de problemas quando a reestruturação cognitiva se mostrar desafiadora demais para os adolescentes quanto à sua capacidade de abstrair e questionar as próprias crenças (Lock, 2005).   

É esperado que os adolescentes não percebam os benefícios do tratamento com facilidade, mas isso não significa que os benefícios e aprendizados não tenham acontecido (Kendall, 2011). Espera-se que após um tempo, ao experienciar situações que exijam o uso de estratégias de enfrentamento adquiridas no processo terapêutico, as competências adquiridas comecem a se refletir em melhor ajuste do adolescente (Neufeld et al., 2017).  

Por fim, é interessante ressaltar os benefícios que a intervenção grupal com adolescentes vem apresentando. Devido à importância da aceitação dos pares e da identificação com um grupo, os adolescentes podem se beneficiar grandemente das intervenções em grupo (Carrell, 2010). O grupo possibilita aos jovens compreenderem que os problemas os quais enfrentam podem ser comuns aos seus pares, confrontar seus próprios pontos de vista e praticar habilidades sociais.  

No entanto, é essencial que as técnicas utilizadas no contexto grupal sejam adaptadas de acordo com os perfis específicos do grupo, que variam de acordo com o número de participantes, do contexto sociocultural, da distribuição de gênero e dos papéis que os integrantes desempenham no grupo (Neufeld et al., 2017). 

Conclusão 

A adolescência é uma fase marcada por especificidades desenvolvimentais e desafios, e tais aspectos, assim como as concepções pré-estabelecidas a respeito desta fase da vida, precisam ser levados em consideração quando objetiva-se entender como se apresentam os transtornos depressivos na adolescência e quais são os tratamentos e a forma de manejo indicados para tais demandas. Por fim, entende-se que as evidências científicas demonstram que intervenções cognitivo-comportamentais têm se mostrado eficazes para tratar a depressão na adolescência, sendo fundamental não deixar de lado as estratégias de manejo necessárias para atender essa população.

Como citar este artigo:
Rezende, A. L., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2023, 18 dez).
Depressão na adolescência: aspectos clínicos relevantes.
Blog do Secad. 

Autoras

Alessandra Luzia de Rezende  

Psicóloga e mestranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Possui formação em Psicologia Baseada em Evidências pelo InPBE. Foi co-fundadora da Liga de Terapias Cognitivo-Comportamentais da USP-RP (LiTCC-USP). Atualmente é Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). 

Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia – área de concentração Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). 

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld:
 Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).