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Terapia do Esquema: o que é e como funciona?

A Terapia do Esquema (TE), desenvolvida por Jeffrey Young (2003) na década de 1990, é uma abordagem terapêutica integrativa que une a terapia cognitivo-comportamental (TCC) com elementos da teoria do apego, da Gestalt, da psicodinâmica e das neurociências. Focada especialmente em pacientes com padrões emocionais crônicos e transtornos de personalidade, a TE busca não apenas aliviar sintomas, mas promover mudanças estruturais e duráveis na personalidade. Os esquemas iniciais desadaptativos (EIDs), formados na infância, passam a orientar respostas emocionais, cognitivas e comportamentais ao longo da vida, influenciando negativamente a autoestima, os relacionamentos e a regulação emocional (Edwards, Arntz, 2012; Young, Klosko & Weishaar, 2003). A TE se propõem a trabalhar em mudanças profundas e duradouras da personalidade do indivíduo através das necessidades emocionais básicas, esquemas iniciais desadaptativos (EIDs) e os modos esquemáticos (ME), já que a manutenção destes impactam diretamente a manutenção dos quadros psicopatológicos. (Wainer e Rijo, 2016).

Fundamentos da Terapia do Esquema - Origens e principais conceitos

A TE surge da necessidade de tratar pacientes que não respondem integralmente à TCC focada em sintomas, como aqueles com transtorno de personalidade borderline. Young, Klosko e Weishaar (2003) classificaram 18 EIDs, agrupados em cinco domínios básicos relacionados ao não atendimento das necessidades emocionais básicas. Além dos esquemas, a TE introduz o conceito de modos esquemáticos — estados emocionais e comportamentais ativados por esquemas – que podem ser reconhecidos nos Modos Criança, Modos de enfrentamento (coping), Modos de vozes internalizadas críticas/exigentes ou punitivas e Modo adulto saudável (Bamelis et al., 2014; Lobbestael, van Vreeswijk & Arntz, 2007).

Diferenças em relação à TCC

Embora compartilhem raízes na terapia cognitiva, TE e TCC divergem significativamente em seus alvos e métodos. A TCC tradicional foca na reestruturação de pensamentos automáticos disfuncionais. Já a TE investiga a origem afetiva e relacional dos sintomas, com ênfase na vivência emocional e na modificação profunda dos esquemas. Técnicas como imaginação com ressignificação e o trabalho com modos, por meio de dramatizações (ex.: cadeiras), tornam a abordagem mais experiencial e relacional (Edwards, Arntz, 2012; Young, et al., 2003).

Aplicação clínica da Terapia do Esquema

Estrutura da intervenção

A Terapia do Esquema costuma seguir um formato de intervenção em fases.

  1. Avaliação e formulação
    – Identificam-se esquemas e modos por meio de entrevistas clínicas, questionários (como o YSQ e o SMI) e análise da história de vida (Young et al., 2003).
  2. Psicoeducação
    – Explica-se ao paciente como os esquemas e modos funcionam, como se originaram e como se repetem (Young et al., 2003).
  3. Intervenções vivenciais
    – O paciente revivencia situações do passado (geralmente da infância) que deram origem aos esquemas, por meio de técnicas como imaginação guiada e ressignificação emocional (Van der Wijngaart, 2021).
  4. Técnicas cognitivas
    – Questionamento socrático, busca de evidências, vantagens e desvantagens dos esquemas, reestruturação de crenças e uso de cartões lembrete para fortalecer o Adulto Saudável (Fassbinder et al., 2016).
  5. Mudança comportamental
    – Trabalho ativo com habilidades sociais, autorregulação, exposição emocional e quebra de padrões disfuncionais (Bamelis, Evers, Spinhoven, Arntz, 2014).
  6. Reparentalização limitada
    – O terapeuta oferece, dentro dos limites da relação terapêutica, uma presença protetora, empática e reguladora, promovendo experiências corretivas (Farrell & Shaw, 2012).

Técnicas centrais utilizadas

Entre as técnicas mais empregadas na Terapia do Esquema estão:

  • Imaginação com ressignificação (imagery rescripting): o
    paciente revisita cenas da infância com o apoio de seu Adulto Saudável ou do terapeuta, para reescrever o desfecho emocional (Van der Wijngaart, 2021).
  • Chair work:
    técnica baseada no uso de cadeiras para encenar diálogos entre modos (por exemplo, Criança Vulnerável x Pai Punitivo) (Josek et al., 2023; Kellogg & Young, 2006).
  • Cartões lembrete:
    frases escritas que reforçam crenças adaptativas e ajudam na autorregulação fora da sessão (Fassbinder, Arntz, 2021).
  • Role-playing:
    dramatização de situações do cotidiano para praticar respostas novas e funcionais (Josek et al., 2023; Kellogg & Young, 2006).

Casos em que a Terapia do Esquema é eficaz

Transtornos de personalidade

A TE tem apresentado resultados interessantes em pesquisas que visam expandir sua aplicabilidade dentro da psicologia (Zhang, et al., 2023). Atualmente existem evidências importantes sobre a eficácia da TE para os tratamentos dos Transtornos de Personalidade Borderline, Narcisista e Antissocial (Wainer, Wainer, 2023). Os Transtorno Depressivo maior e Transtorno Depressivo persistente apresentam resultados otimistas (Wainer, Wainer, 2023; Kolb, Rodrigues, 2023). Os Transtornos relacionados a Traumas e Ansiedade (incluindo Cluster C), Transtornos Alimentares ou Transtornos por uso de substância apresentam pesquisas promissoras de sua aplicação mas ainda carecem de mais replicações para validar sua eficácia (Panagiotopoulos et al., 2023; Wainer, Wainer, 2023).

A evidência mais robusta da eficácia da TE está nos transtornos de personalidade, especialmente o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). O estudo de Giesen-Bloo et al. (2006) mostrou que a TE foi significativamente mais eficaz do que a terapia focada na transferência, com taxas de recuperação em torno de 52% em três anos. Metanálises recentes também demonstram efeito médio a alto da TE nesse grupo, inclusive em contextos de grupo.

Nos casos de transtornos de personalidade mistos ou não especificados, a Terapia do Esquema adota um modelo dimensional e transdiagnóstico que integra múltiplos EIDs e ME, permitindo uma formulação clínica individualizada com base na matriz de EIDs, ME e estilos de enfrentamento (Bach & Bernstein, 2019; Bamelis et al., 2014). Evidências indicam que a Terapia do Esquema apresenta eficácia superior ao tratamento usual em TPB e outros transtornos de personalidade complexos, com redução significativa de sintomas, melhora no funcionamento interpessoal e maior retenção em terapia (Giesen-Bloo et al., 2006; Bamelis et al., 2014).

Conclusão

A Terapia do Esquema é uma abordagem inovadora e eficaz para pacientes com padrões emocionais crônicos, transtornos de personalidade e histórico de traumas relacionais. Sua busca por integração entre estratégias cognitivas, vivenciais, comportamentais e relacionais, permite acesso profundo às raízes do sofrimento emocional. Ao ir além do alívio de sintomas e promover transformação de longo prazo na estrutura de personalidade, a TE oferece ao paciente não apenas ferramentas para enfrentar seus problemas, mas um novo modelo interno de cuidado, estrutura e autoestima.

Para o clínico, aprender a utilização da Terapia do Esquema passa a ser uma possibilidade importante visando aprofundar o trabalho emocional com pacientes desafiadores e oferecer intervenções consistentes e baseadas em evidências.