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Uso problemático de telas na infância: consequências no desenvolvimento cognitivo e emocional

As telas, dispositivos digitais que permitem interação com um conteúdo, em forma de vídeo, texto, áudio e vídeo, fazem parte do dia a dia das crianças (The US Surgeon General's Advisory, 2023). Apesar de nos dias atuais as crianças estarem constantemente conectadas, esse fato não é contemporâneo: desde os anos 2000, a infância deixa um pouco de lado as brincadeiras e passa a ser movida pela aproximação com a internet e uso de
smartphones.
Isso reflete um paralelo: ao mesmo tempo em que os pais têm se empenhado em proteger os filhos dos perigos do mundo externo, mantendo-os dentro de casa, as crianças têm se conectado cada vez mais ao mundo digital. 

Pensando nessa realidade que acompanha a infância, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), recomenda que o uso de telas por crianças deve respeitar uma combinação entre tempo e idade. Para crianças de até dois anos de idade, por exemplo, deve-se evitar; de três a cinco, sugere-se uma hora por dia, supervisionadas e com oferta de conteúdos educativos; de seis a doze anos, até duas horas por dia e para adolescentes, até três horas por dia, com limites personalizados (SBP, 2024). Ainda, não apenas o uso de telas mas a posse do celular merece atenção: as crianças não devem possuir os próprios celulares antes dos 12 anos de idade e, mesmo após essa idade a aquisição merece uma avaliação cuidadosa (SECOM, 2024).  

Essas orientações dão diretrizes considerando benefícios, riscos e outras necessidades importantes na infância, para além das telas. Contudo, dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil expõem que o acesso à internet já ultrapassa 90% do público de 9 a 17 anos, em diferentes classes sociais, tendo como principal dispositivo o telefone celular. Ainda, uma revisão sistemática e meta análise, reunindo estudos ao redor do mundo, com a maior parte da América do Norte, e com mais de 80 mil participantes, expõe que apenas 24,7% dos pais cumprem a diretriz de “tela zero” antes dos dois anos de idade (McArthur et al., 2022). Esses dados não se mantêm estáveis com o passar do tempo: há evidência do crescimento do acesso à internet por parte das crianças cada vez mais cedo, ano após ano (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, 2024).  

Conforme exposto, apesar das diretrizes relacionando tempo, uso e idade, vê-se uma realidade diferente em que muitas crianças estão expostas a telas por tempo indeterminado, fazendo, então, um uso excessivo sem supervisão. Mais do que excessivo, tem-se um uso problemático na medida em que também importa o conteúdo que as crianças estão expostas e as consequências do uso que se faz. Isso é um fator crítico, na medida em que a infância é um período sensível para todo o desenvolvimento posterior. Assim, há um campo vasto de evidências sobre os riscos que o uso excessivo e indiscriminado pode acarretar ao desenvolvimento, sobretudo à saúde mental e ao bem-estar de crianças. 

Impactos do uso problemático de telas
 

O uso problemático de telas, apesar de ser um fenômeno global, pode se associar a prejuízos significativos no desenvolvimento das crianças e adolescentes. O maior volume de horas diante de telas têm impactado o desenvolvimento emocional, social e cognitivo das novas gerações, limitando o contato com experiências fundamentais para o desenvolvimento saudável, como as brincadeiras ao ar livre, a interação social presencial, a linguagem e a resolução autônoma de conflitos cotidianos (Muppalla et al., 2023). Frente a isso, estudos ao redor do mundo apontam para o quanto, a depender da maneira com que os dispositivos digitais são utilizados, pode-se ter mais riscos do que benefícios.  

Prejuízos no desenvolvimento cerebral  
 

A maneira como as crianças vivenciam a infância influencia na maturação de determinadas regiões cerebrais, especialmente em períodos críticos do desenvolvimento. Se pensarmos na crescente exposição das crianças às mídias digitais, levanta-se preocupações quanto aos impactos no neurodesenvolvimento e no alcance desses marcos desenvolvimentais (Neophytou et al., 2019).  

Nesse sentido, pesquisadores se detiveram a investigar os efeitos da exposição digital no desenvolvimento cerebral de mais de seis mil crianças americanas, com idade entre 9 e 11 anos, ao longo de quatro anos. Os resultados indicam que o uso frequente de dispositivos digitais está associado a alterações no desenvolvimento do córtex cerebral, incluindo o córtex pré-frontal. Embora os efeitos tenham sido considerados sutis, o estudo aponta o impacto da exposição de telas durante a infância em estruturas cerebrais responsáveis pela regulação emocional, atenção e controle de impulsos (Nivins et al, 2024). 

Embora o uso moderado de telas possa não acarretar prejuízos significativos, há evidências de que o uso desenfreado está associado a déficits. Uma recente revisão sistemática da literatura que inclui estudos transversais aponta para a associação entre o uso excessivo e sem supervisão de telas e problemas atencionais em crianças (Jourden et al., 2023). Além disso, o aumento no tempo de telas e as notificações constantes e múltiplos estímulos estão associados a pior desempenho em algumas funções executivas, como memória de trabalho verbal e flexibilidade cognitiva, além de regulação emocional e comportamental (Lakicevic et al., 2025; Ribas & Santana, 2022).   

Prejuízos na Linguagem
 

O uso excessivo, precoce e não supervisionado de dispositivos digitais está associado ao atraso na fala e habilidades comunicativas (Takahashi et al., 2023), ao passo que o uso limitado, mediado, interativo e com propósito educativo pode ter efeitos benéficos para a linguagem das crianças (Alamri et al., 2023). Considerando a linguagem como uma habilidade central no desenvolvimento infantil, pode-se hipotetizar as consequências em outras funções como as executivas, cognição social e regulação emocional.  

Uma revisão sistemática da literatura expõe a associação entre o uso precoce e excessivo de telas e o atraso na fala em crianças. Os principais achados dizem respeito a correlação negativa entre o tempo excessivo de exposição aos dispositivos digitais e uma redução no vocabulário. Ainda, a revisão aponta que a idade precoce pode ser um fator de risco, na medida em que crianças menores de dois anos podem ter maior vulnerabilidade para atraso linguístico, se comparadas às maiores. Outro dado relevante, foi sobre modelagem parental, em que filhos de pais que passam muito tempo em frente às telas apresentam pior desempenho linguístico, sobretudo pela menor frequência de leitura compartilhada e de interações verbais significativas (Alamri et al., 2023).  

Prejuízos na Saúde Mental
 

 Há mais de uma década, uma série de estudos tem apontado um aumento preocupante nos indicadores de sofrimento psíquico entre o público de crianças. Esses índices parecem ser expressivos quando se analisa a associação com exposição e tempo de telas (Frith, 2017).  

Um estudo norte americano investigou a associação entre o tempo de tela e a presença de problemas comportamentais em mais de cem mil crianças de 0 a 17 anos. Os dados evidenciaram que ambos tiveram tempo excessivo de telas, para além do recomendado. O excesso foi positivamente associado a problemas comportamentais como agitação e agressividade, atrasos no desenvolvimento da fala e dificuldades de aprendizagem. Como alerta, um dado significativo neste estudo aponta para correlações mais fortes em crianças pequenas em idade pré-escolar (Qu et al., 2023). 

Estudos apontam também para associação entre uso excessivo de redes sociais e aumento de sintomatologia, externalizante, como impulsividade e agressividade, e internalizante, tais como baixa autoestima, isolamento social e ansiedade (Eirich et al., 2022; Muppalla et al., 2023). Ao pensar no uso de telas, é preciso analisar cuidadosamente o tipo de conteúdo consumido, as motivações para o uso, o contexto social e características individuais. O acesso irrestrito à internet tem exposto crianças a conteúdos inadequados (Twenge et al, 2018), por exemplo violência, sexualização precoce e representações normalizadas do consumo de álcool e tabaco. O impacto desses conteúdos no comportamento dos jovens está diretamente relacionado à frequência e duração da exposição, sendo mais prejudicial quanto mais precoce e prolongado for o acesso (Pagani et al., 2010).  

Estratégias para mitigar os impactos negativos
 

Considerando que a literatura científica aponta o uso excessivo de telas por parte das crianças e, na prática, muitas vezes os cuidadores se queixam das dificuldades sobre o manejo e controle, faz-se necessário fornecer suporte e recursos às famílias. Essa realidade destaca que orientações simples podem auxiliar com que os pais possam adequar as recomendações baseadas em evidências no dia a dia com as crianças (SBP, 2024; SECOM, 2024; Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2015).  

Com base em recomendações de instituições de saúde e em evidências científicas (Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2015; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2024; SECOM, 2024; McArthur et al., 2022; Nabuco et al., 2020; Theopilus et al., 2025; Young & Abreu, 2019), reunimos algumas estratégias para mitigar os impactos negativos do uso excessivo de telas. Cabe ressaltar que as propostas aqui apresentadas não esgotam as possibilidades de intervenção, mas representam caminhos viáveis e adaptáveis a diferentes contextos familiares e institucionais.  

Aos pais

É preciso compreender o cenário atual de cada família, avaliando o tempo aproximado de uso de tela e para quais objetivos. É necessário que a mudança parta de um monitoramento e também reflexão dos pais sobre o próprio uso de telas, isso porque um dos fatores que pode estar associado ao uso excessivo dos dispositivos e desde a primeira infância é o uso das telas dos parte dos pais. Portanto é fundamental que os adultos façam uso equilibrado e saudável das telas para, então, propor mudanças para toda a família. 

Não basta apenas limitar o uso das telas, isso porque é necessário reconhecer o desenho do uso das telas por parte das crianças. Diante disso, a proposta é equilibrar o acesso e usá-las de forma saudável, contribuindo para que as crianças compreendam os riscos do ambiente digital, promovendo a educação crítica e o fortalecimento da autonomia moral e emocional dos filhos.   

  • Reunião familiar:
    pode ser válido que os pais façam reuniões com os membros da família, provendo diálogo aberto e escuta sobre o que gostam e assistem, o que acessam e sentimentos associados. Esses momentos podem auxiliar no estabelecimento de combinados do uso de telas dentro do ambiente familiar e fora. Deve-se pensar em discutir sobre o que é permitido acessar, tempo, segurança de informações pessoais, contatos com outros usuários e monitoramento dos responsáveis. 
  • Zona livre de telas e de carregamento:
    os pais podem combinar com a criança espaços da casa e momentos do dia em que o uso de telas não é permitido. Além de pensar em espaços destinados ao carregamento dos dispositivos digitais, sobretudo no início e final do dia/noite. Estes combinados podem ser expressos de forma lúdica com cartazes. 
  • Modelo do uso de telas:
    os pais precisam tomar consciência do próprio uso de telas, buscando um uso saudável, discriminado e responsável, ou seja, com tempo delimitado, com qualidade, propósito dos conteúdos acessados e cuidado com informações divulgadas.  
  • Momentos tela zero:
    as famílias precisam pensar em atividades que não envolvam telas e que sejam viáveis de serem realizadas com a finalidade de se conectar sem o uso de dispositivos. Por exemplo, leitura em conjunto, jogos de tabuleiro ou brincadeiras ao ar livre.  
  • Monitoramento:
    os pais devem monitorar o uso de telas por parte dos filhos, auxiliando-os na compreensão e respeito do tempo e da forma do uso. Para menores de idade, ou seja, crianças, não falamos de privacidade, falamos em monitoramento contínuo e próximo do uso que a criança faz das telas. Isso é exercer o papel de cuidado e proteção responsável. Há ferramentas que podem auxiliar, como Google Family Link, Microsoft Family Safety, Qustodio, Norton Family em que os pais podem determinar tempo de uso e controle de acesso. Além de ajustar a supervisão em plataformas como Netflix, PlayStation e YouTube. 
  • Equilíbrio no uso:
    a chave para o uso de telas é a dosagem. Os pais podem permitir o uso de acordo com diretrizes de tempo e idade, e ao mesmo tempo é preciso colocar limites no uso para que não seja indiscriminado, sem supervisão e em excesso. 
  • Limites realistas:
    o estabelecimento de limites envolve não permitir que as crianças usem as telas de forma isolada, passiva por horas e horas. Outro ponto importante é o acesso a conteúdos violentos, os quais podem estar dentro de jogos a priori inofensivos para crianças. Os pais podem experimentar os jogos, vídeos e aplicativos utilizados pelos jovens, avaliando a qualidade, violência e riscos envolvidos.  

Aos profissionais
 

Os profissionais que acompanham crianças em consultórios devem incluir nas entrevistas iniciais questionamentos sobre o uso de telas por parte da criança e da família, independente do sintoma que leva os responsáveis a buscar o atendimento. A partir desse questionamento, pode-se compreender a relação entre a sintomatologia manifestada e os impactos que as telas, quando excessivas, podem estar trazendo e impactando o funcionamento da criança.  

Ao profissional cabe conhecer qual é a função que as telas estão exercendo para a criança e para os pais, uma vez que o uso de telas pode estar sendo empregado por uma variedade de fatores. Dentre eles, tem-se as dificuldades dos pais em manejar comportamentos, a desconexão entre pais-filhos, a utilização como estratégia de regulação emocional e comportamental, uso para pais terem um momento do casal, entre outros.  

O enfrentamento dos desafios impostos pela hiperconectividade na infância e adolescência requer uma atuação integrada, sensível e embasada cientificamente. O papel dos profissionais também será de pensar em conjunto com os pais e criança em estratégias cabíveis em cada contexto e levando em consideração características do funcionamento familiar, para que grandes mudanças ou pequenos ajustes possam ser colocados em prática.   

Conclusão
 

Frente ao exposto, nota-se que, apesar de benefícios atrelados ao fácil acesso aos dispositivos, o uso excessivo e indiscriminado de telas é uma realidade na infância e pode se associar com prejuízos em níveis físicos, sociais, emocionais, cognitivos e comportamentais das crianças. Diante dessa realidade, faz-se necessário, sobretudo, ensinar sobre o uso adequado e saudável de telas para cada idade e contexto. Os adultos que estão diariamente em interação com a criança precisam se envolver e são os responsáveis dessa construção, especialmente buscando o resgate da brincadeira, especialmente quando compartilhada com familiares e amigos.  

Também torna-se urgente um debate global sobre a responsabilização das empresas de tecnologia e a proteção dos usuários mais vulneráveis: as crianças. A sociedade tem um papel crucial na promoção da educação digital, ensinando o uso responsável e equilibrado da tecnologia. É necessário um pacto coletivo, em que famílias, escolas, profissionais de saúde, governo e as empresas de tecnologia cumpram o papel de tornar a Internet um lugar mais seguro para as crianças. 

Como citar este artigo: Heinen, M., Palmas, G., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Mai., 2025).
Uso problemático de telas na infância: consequências no desenvolvimento cognitivo e emocional e estratégias de intervenção e prevenção. Blog da Artmed 

Autoras

  •  
    Marina Heinen
     

Psicóloga (CRP 07/28154). Doutora em Psicologia (UNISINOS) e Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS). Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental na infância e adolescência (Wainer Psicologia) e em Psicoterapias e Intervenções Familiares (Instituto VilaElo). Formação em Terapia Analitico-comportamental Infantil. Terapeuta certificada pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).   

  • Gisele Palmas
     

Psicóloga (CRP 07/37946). Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental da Infância e Adolescência (CBI of Miami) e em Desenvolvimento Infantil (CBIofMiami). Pós-graduanda em Prática Baseada em Evidências na Clínica Psicológica (InPBE) e em Psicoterapia para Adultos Neurodivergentes (Sínteses). Formação em Orientação Parental e Saúde do Sono Pediátrico.  

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
     

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC) da Universidade de São Paulo (USP). Membro associada à Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). 

  •  
    Editora-chefe: Carmem Beatriz Neufeld.
     

Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.