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Edema agudo de pulmão (EAP): abordagem diagnóstica e terapêutica

A insuficiência cardíaca (IC) aguda (ou, em inglês
acute decompensated heart failure
) é uma situação clínica heterogênea definida pela presença de sinais e/ou sintomas de IC de instalação rápida ou gradual e graves o suficiente para levar a procura de atendimento médico de urgência.

Como grupo, pacientes com IC aguda estão sujeitos a alto risco de complicações, reinternação e morte. As taxas de mortalidade um ano após uma internação por IC aguda podem chegar a 25%. É uma das principais causas de visitas à emergência e internação em adultos no Brasil e no mundo.

O edema agudo de pulmão (EAP) é uma das possíveis formas clínicas da IC aguda. Tem como mecanismo básico o aumento da pressão capilar pulmonar e das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo. Este evento pode ser desencadeado por uma série de fatores, como hipertensão, síndrome coronariana aguda, taquiarritmias, entre outros. É caracterizado por quadro de instalação rápida de dispneia, ortopnéia, falência respiratória (hipoxêmica ou hipercápnica), taquipneia e aumento do esforço ventilatório.

Nesta postagem, vamos explorar as manifestações e o manejo de quadros de EAP na perspectiva dos outros possíveis quadros de IC agudamente descompensada.

Diagnóstico

Fenótipos clínicos de IC aguda

O EAP é um dos possíveis fenótipos clínicos de IC aguda, assim é importante ter claro as possíveis síndromes clínicas de descompensação de IC. Elas estão resumidas na
Tabela 1
. Deve-se destacar que essas formas não são mutuamente excludentes, e o paciente pode ter manifestações de mais de um fenótipo. Além disso, é útil classificar o paciente em um dos 4 perfis hemodinâmicos apresentados na
Figura 1
, pois eles ajudam a identificar a síndrome clínica e assim direcionar o tratamento. Esses perfís hemodinâmicos também tem importância prognóstica (pacientes com perfil frio e úmido tem pior prognóstico).

Tabela 1.
Possíveis quadros de insuficiência cardíaca aguda. Adaptado da referência 1.

Figura 1.
Perfis hemodinâmicos na insuficiência cardíaca aguda. Adaptado da referência 3.

O EAP, foco deste texto, perfaz 15% dos pacientes e frequentemente está acompanhado de hipertensão. Se destaca que é um quadro de instalação mais aguda que o quadro de IC aguda sem EAP (manifestação mais comum).

Se destaca no quadro a congestão pulmonar predominando sobre congestão sistêmica. O quadro clínico de EAP tipicamente é bastante agudo, com sensação de sufocação ou afogamento, ansiedade, tosse e expectoração de líquido róseo espumoso. O paciente tem dispneia em repouso, com fala entrecortada, batimento de asa de nariz e uso de musculatura acessória. Há sudorese, pele fria e pegajosa, cianose e moteamento da pele.

A presença de hipertensão arterial marcada (pressão sistólica acima de 160 - 180 mmHg) é mais fator desecadeante ou contribuidor (por aumento da pós-carga) do que consequencia da ativação adrenérgica. É comum hipoxemia, com saturação de O2 < 90%, bem como crepitantes finos nos pulmões (que pode chegar em ápices); sibilos e sinais de derrame pleural também podem estar presentes. A ausculta cardíaca tende a ser difícil pela presença de taquicardia, mas deve-se estar atento à B3 (e B4). Apesar de ser um exame complementar, o infiltrado bilateral na radiografia de tórax, com edema intersticial perihilar (em asa de borboleta) é parte do quadro clínico clássico.

Alguns sinais clínicos devem ser considerados de alarme de piora progressiva e de evolução para choque cardiogênico. Confusão mental, extremidades frias, oligúria devem gerar atenção redobrada e monitorização mais próxima.

EAP em Flash: um caso especial

O EAP em
flash
descreve um grupo de pacientes com quadro especialmente agudo e intenso de dispneia e descompensação clínica associada com hipertensão marcada.

Costuma ocorrer por aumento súbito das pressões de enximento do ventículo esquerdo em uma emergência hipertensiva, isquemia micárdica ou taquiarritmia, além de estar especialmente associado com estenose bilateral de artérias renais. Como os pacientes frequentemente não tem sobrecarga volêmica, mas sim aumento exclusivo da pós-carga, o manejo envolve vasodilatação agressiva, tipicamente com nitroprussiato de sódio.

Edema de pulmão não-cardiogênico

O mecanismo básico para o edema pulmonar cardiogênico é o aumento na pressão capilar pulmonar levando a acúmulo de líquido nos alvéolos. Comparativamente, o edema pulmonar não cardiogênico é relacionado a acúmulo de líquido alveolar por outros mecanismos, o mais comum aumento da permeabilidade vascular.

A causa mais frequente é síndrome do desconforto respiratório agudo, mas edema de pulmão por reexpansão pulmonar, neurogênico e por altas altitudes são outras causas. A diferenciação pode não ser fácil em pacientes gravemente doentes e, em alguns casos, a sobreposição de achados impede uma diferenciação completa dos quadros.

Fatores que sugerem edema pulmonar não cardiogênico incluem a ausência de sinais de IC (ausência de B3, turgência jugular, sopros, pressão de pulso reduzida), presença de fator desencadeante compatível (pancreatite, sepse, cirurgia, procedimento pulmonar, viagem para alta altitude, entre outros), BNP não elevado e necessidade de ventilação mecânica invasiva com altas concentrações de O2 e pressões para tratar a hipoxemia.

Abordagem ao paciente

Nos pacientes com IC aguda, incluindo os pacientes com EAP, a avaliação diagnóstica e terapêutica devem ser realizadas de forma rápida e em paralelo.

Avaliação diagnóstica

O diagnóstico de IC aguda se baseia em um conjunto de dados que corroborem o diagnóstico. Uma proposição de abordagem é classificar pacientes de acordo com a probabilidade do diagnóstico. Pacientes de alta probabilidade não necessitam de investigação adicional, enquanto os demais pacientes deve-se progredir a investigação.

São exemplos de quadros de alta probabilidade, pessoas com história prévia de IC que se apresentam com quadro compatível (edema pulmonar ou periférico, turgência jugular, B3) ou indivíduos sem história prévia mas com quadro típico com ortopneia, dispneia proxística noturna, sinais clínicos e achados radiográficos compatíveis.

Pacientes com doença cardíaca prévia e dispneia, mas sem nenhum outro achado de IC tem probabilidade intermediária e
investigação adicional com BNP
, ecocardiograma e ultrassom pulmonar deve ser realizada. Por fim, pacientes com outro diagnóstico mais provável para o quadro de dispneia aguda devem ser manejado de acordo com a suspeita. Se, entretanto houver incerteza do diagnóstico, investigação adicional deve ser realizada.

Para pacientes com IC aguda, recomenda-se no mínimo realização de um eletrocardiograma em repouso, radiografia de tórax e avaliação laboratorial (hemograma, eletrólitos, creatinina, transaminases). Além destes, ultrassom pulmonar, troponina, BNP, gasometria, TSH, d-dímeros, lactato podem ser úteis dependendo da suspeita clínica e gravidade do quadro. De todas as formas, na maioria das vezes, o tratamento não deve ser postergado para iniciar a terapia.

Como o quadro de insuficiência cardíaca é a via final de uma série de eventos cardíacos, circulatórios e pulmonares, o primeiro passo é revisar a possível causa da descompensação para instituição do tratamento direcionado à causa da descompensação. A lista de possíveis causas é extensa e inclui desde eventos graves até situações como má adesão a fármacos e cuidados dietéticos.

Apesar disso, no momento inicial deve-se avaliar as causas graves e ameaçadoras a vida, listadas a seguir. Em conjunto com essa busca de causas graves, deve-se estar atento a sinais de choque e falência respiratória, que exigem manejo específico e imediato. Após essa avaliação, o manejo deve seguir o perfil clínico identificado (vide
Tabela 1
).

Causas graves de IC aguda:

  • síndrome coronariana aguda;
  • emergência hipertensiva;
  • taqui ou bradiarritmias;
  • trauma cardíaco / torácico, ruptura de cordoalha, procedimento cardíaco;
  • tromboembolismo pulmonar;
  • tamponamento cardíaco;
  • infecções.

Manejo do EAP

Uma primeira dúvida no manejo de pacientes agudamente dispneicos que chegam para atendimento é o contexto / nível de cuidado adequado. Pacientes com EAP, pela gravidade da insuficiência respiratória, usualmente são manejados em box de urgência, sala vermelha, unidade cardíaca ou UTI.

Os principais recursos de tratamento no EAP são suporte ventilatório, diuréticos e vasodilatadores. Dado que o quadro de insuficiência respiratória tende a dominar as menifestões das pessoas com EAP, a primeira intervenção costuma ser ofertar suporte ventilatório. Tende-se a iniciar com a oferta de O2 suplementar, mas sempre que disponível, deve-se iniciar ventilação não-invasiva com pressão positiva ou cateter nasal de alto fluxo.

Ventilação não-invasiva é capaz de reduzir o risco de intubação e mesmo de morte, além de melhorar parâmetros ventilatórios mais rapidamente que a oferta de O2 isoladamente. Apesar dessas vantagens, como a pressão positiva pode reduzir o retorno venoso e o débito cardíaco, deve-se realizar monitorização frequente da pressão arterial e de sinais de choque, especialmente em pacientes com maior risco de choque cardiogênico.

Diuréticos e vasodilatadores são os outros dois principais recursos para o tratamento de EAP. Tende-se a dar preferência para diuréticos de alça por via endovenosa, tipicamente durosemida. A dose inicial costuma ser 20-40 mg ou o dobro da dose oral que o paciente utilizava em domicílio. O ajuste é feito de acordo com o débito urinário, se não se atingir pelo menos 100 ml/hora em 6 horas, duplica-se a dose até atingir este alvo ou até a dose teto do medicamento. Após atingir dose alvo, mantém-se em 2-4 administrações ao dia. Eletrólitos e função renal devem ser monitorados nesta estratégia. Apesar de haver dúvidas quanto a eficácia de vasodilatadores adicional ao uso de diurético, recomenda-se uso de nitroglicerina ou nitroprussiato endovenoso para pacientes com pressão arterial sistólica > 110 mmHg com monitorização e titulação constante de dose.

Opióides são medicamentos frequentemente utilizados no EAP, com o objetivo de reduzir o esforço ventilatório, ansiedade e facilitar a adaptação à ventilação não-invasiva. Apesar dessa potencial utilidade, estudos observacionais sugerem um risco de aumento do tempo de internação e mesmo necessidade de intubação. Em suma, devem ser reservados para pacientes com ansiedade, dor ou dispneia refratários.

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