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Eritema infeccioso: etiologia, diagnóstico e tratamento em crianças

As infecções pelo parvovírus B19 (B19V) são comuns e ocorrem em todo o mundo. Infecções clinicamente aparentes, como a doença eruptiva do eritema infeccioso e crise aplástica transitória, são mais prevalentes em crianças em idade escolar (70% dos casos ocorrem em pacientes entre 5 e 15 anos de idade). Os picos sazonais ocorrem no final do inverno e na primavera, com infecções esporádicas durante todo o ano. A soroprevalência aumenta com a idade, sendo que 40-60% dos adultos têm evidência de infecção prévia.  

A transmissão do B19V é feita pela via respiratória, presumivelmente por meio de disseminação de gotículas grandes a partir da eliminação viral nasofaríngea. A taxa de transmissão é de 15 a 30% entre contatos domiciliares suscetíveis, e as mães são mais comumente infectadas do que os pais. Em surtos de eritema infeccioso em escolas de ensino fundamental, as taxas de ataque variam de 10% a 60%. Também ocorrem surtos nosocomiais, com taxas de ataque de 30% entre profissionais de saúde suscetíveis.  

Embora a disseminação respiratória seja o principal modo de transmissão, o B19V também é transmissível no sangue e em produtos sanguíneos, conforme documentado entre crianças com hemofilia que recebem fator de coagulação de doadores.  

Dada a resistência do vírus a solventes, a transmissão por fômites pode ser importante em creches e outros ambientes de grupo, mas esse modo de transmissão não foi bem documentado.  

Etiologia e quadro clínico 
 

O eritema infeccioso, também conhecido como megaloeritema epidêmico, ou quinta doença, é causado pela infecção por Parvovírus B19. Pode ocorrer em surtos escolares, geralmente no fim do inverno e início da primavera.  

O contágio se dá por via respiratória e é considerado moderadamente contagioso, o período de transmissibilidade é de 7 dias antes do surgimento do exantema em indivíduos sem imunossupressão.  

Fases clínicas da doença e suas manifestações típicas

Exantema

É apresentação clássica da doença que em geral não se acompanhada de outras manifestações sistêmicas, entretanto alguns pacientes podem referir sinais e sintomas inespecíficos como febre baixa, mialgia, artralgia, adenopatia, cefaleia, náuseas, mal-estar, faringite ou diarreia.  

O exantema surge em geral, após 7 dias do início dos sintomas, caracterizando-se por 3 estágios:  

  • Estágio 1:
    aparência de bochecha esbofeteada, ou seja, manchas ou placas confluentes eritematosas nas bochechas, poupando a região nasal e perioral, desaparece em 1 a 4 dias. 
  • Estágio 2:
    o exantema se espalha pelo tronco e face extensora dos membros, clareando em placas, com aspecto rendilhado, podendo ser pruriginoso. Essa erupção dura 5 a 9 dias. Pode também ocorrer exantema purpúrico, urticariforme ou vesicular, mas o morbiliforme/rubeoliforme são os mais frequentes. 
  • Estágio 3:
    pode ocorrer semanas ou meses após, sendo desencadeado por exposição solar, exercícios, alterações de temperatura ou estresse emocional.    

Figura 1: Uma criança com a característica erupção cutânea malar (“bochecha esbofeteada”) associada ao B19V (eritema infeccioso, quinta doença). 

Artralgias

Artralgias ocorrem em aproximadamente 8% das crianças com a doença, mas são muito mais comuns em adolescentes e adultos jovens. Os pacientes não são mais considerados infecciosos quando a erupção cutânea aparece. 

Crise aplásica transitória

É uma parada transitória da eritropoiese e a reticulocitopenia absoluta induzida pela infecção que leva a uma queda súbita na hemoglobina sérica em indivíduos com condições hemolíticas crônicas. Pode ocorrer em pacientes com todos os tipos de hemólise crônica e/ou rápida renovação de hemácias, incluindo doença falciforme, talassemia, esferocitose hereditária e deficiência de piruvato quinase. Em contraste com as crianças com eritema infeccioso apenas, pacientes com crise aplástica em geral apresentam febre, mal-estar e letargia associados a sinais e sintomas de anemia profunda, incluindo palidez, taquicardia e taquipneia. Raramente há erupção cutânea. O período de incubação da crise aplástica transitória é mais curto do que o do eritema infeccioso porque a crise ocorre coincidentemente com a viremia. Crianças com hemoglobinopatias falciformes também podem ter uma crise de dor vaso oclusiva concomitante, confundindo ainda mais a apresentação clínica.  

Figura 2: Eventos virológicos, imunológicos, hematológicos e clínicos selecionados na infecção pelo B19V. 

Outras manifestações

O B19V pode causar miocardite em crianças e adultos, apesar de ser uma manifestação rara, ela pode ser grave, com prognóstico variando de recuperação completa, a cardiomiopatia crônica ou mesmo óbito.  

Durante a gestação, em caso de primo-infecção, pode haver transmissão vertical para o feto, causando infecção dos precursores eritroides e extensa hemólise, levando à anemia grave, à hipóxia tecidual, insuficiência cardíaca de alto débito e a edema generalizado (hidropsia fetal). Perdas fetais secundárias à infecção pelo B19V foram relatadas no primeiro trimestre. A imunidade é adquirida após a infecção, e 50% das mulheres em idade fértil são soropositivas, antes da gestação. A taxa de transmissão vertical é citada em 16%, se ocorrida nas primeiras 20 semanas de gestação e 35% após as 20 semanas.

O risco de desenvolver hidropsia fetal com anemia hemolítica é de 10% e tende a diminuir com o avançar da gestação. Novos trabalhos estimam que a incidência, acima de 20 semanas, aproxime-se de 9% para perdas fetais e 3% para hidropsia fetal após a mãe ter sido infectada  

Diagnóstico diferencial 
 

O eritema infeccioso pode ser confundido com outras doenças exantemáticas como o exantema súbito, porém este acomete crianças mais jovens em geral. Também pode ser confundido com rubéola, sarampo e escarlatina, entretanto a rubéola e o sarampo são cada vez menos comuns devido à vacinação, já a escarlatina se apresenta com diversas outras características como alterações de amígdalas, sinal de Pastia e Filatov.  

Exames complementares

O diagnóstico do eritema infeccioso geralmente se baseia na apresentação clínica da erupção cutânea típica e raramente requer confirmação virológica.  

Testes sorológicos

A IgM específica para B19 se desenvolve rapidamente após a infecção e persiste por 6 a 8 semanas. A IgG anti-B19 serve como marcador de infecção ou imunidade passada. A determinação de IgM anti-B19 é o melhor marcador de infecção recente/aguda em uma única amostra de soro; a soroconversão de anticorpos IgG anti-B19 em soros pareados também pode ser usada para confirmar a infecção recente. Demonstração de IgG anti-B19 na ausência de IgM, mesmo em títulos altos, não é diagnóstico de infecção recente. 

O diagnóstico sorológico não é confiável em pessoas imunocomprometidas; nesses são necessárias metodologias para detectar o DNA viral, como o PCR e hibridização de ácido nucleico, testes que não são amplamente disponíveis, em geral só são feitos em centros de referência.   

Tratamento e manejo clínico 
 

Condutas terapêuticas 

Como o exantema aparece no momento pós viremia não há tratamento específico, podendo ser necessário o uso de sintomáticos como anti-inflamatórios para dores e artralgias e anti-histamínicos em caso de prurido.  

Pacientes imunocomprometidos podem sofrer infecções crônicas pelo vírus B19. Esses pacientes têm anemia persistente causada pela lise contínua dos precursores de células vermelhas. A infecção por B19V tem sido comumente observada em crianças com leucemia linfocítica aguda. Outros estados de imunodeficiência nos quais o vírus B19V crônico foi documentado incluem síndrome de Nezelof, leucemia mieloide aguda, leucemia mieloide crônica, linfoma de Burkitt, linfoma linfoblástico, síndrome mielodisplásica, astrocitoma, tumor de Wilms, infecção por HIV, imunodeficiência combinada grave, transplante de medula óssea. O B19V foi associado à lesão crônica do aloenxerto renal. Lotes comerciais de imunoglobulina intravenosa (IVIG) têm sido usados com algum sucesso para tratar episódios de anemia e insuficiência da medula óssea relacionados ao B19V em crianças imunocomprometidas.

O anticorpo específico pode facilitar a eliminação do vírus, mas nem sempre é necessário, pois a interrupção da quimioterapia citotóxica com subsequente restauração da função imunológica é suficiente. Em pacientes cujo estado imunológico provavelmente não melhora, como pacientes com AIDS, a administração de IVIG pode proporcionar apenas uma remissão temporária e infusões periódicas podem ser necessárias. Em pacientes com AIDS, a eliminação da infecção pelo B19 foi relatada após o início da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) sem o uso de IVIG. 

Não foram publicados estudos controlados sobre a dosagem de IVIG para a aplasia de hemácias induzida pelo B19V. Vários relatos de casos e séries clínicas limitadas relataram o sucesso do tratamento da anemia grave secundária à infecção crônica pelo B19V utilizando vários esquemas diferentes de dosagem de IVIG.  Em geral, recomenda-se uma dose inicial de 400 mg/kg/dia por 5 dias. A dose e a duração da IVIG podem ser ajustadas com base na resposta à terapia. 

Alguns fetos infectados pelo B19V com anemia e hidropisia foram tratados com sucesso com transfusões intrauterinas de hemácias, mas esse procedimento tem riscos significativos. Uma vez diagnosticada a hidropisia fetal, independentemente da causa suspeita, a mãe deve ser encaminhada a um centro de terapia fetal para avaliação adicional devido ao alto risco de complicações graves. 

Prevenção 

Crianças com eritema infeccioso provavelmente não transmitem o vírus na apresentação, pois a erupção cutânea e a artropatia representam fenômenos pós-infecciosos imunomediados. O isolamento da escola ou da creche são desnecessários e ineficazes após o diagnóstico. Crianças com aplasia de hemácias induzida pelo B19V, são infecciosas na apresentação e demonstram uma viremia mais intensa.  A maioria dessas crianças precisa de transfusões e cuidados de suporte até que seu estado hematológico se estabilize. Elas devem ser isoladas no hospital para evitar a disseminação para pacientes e funcionários suscetíveis. O isolamento deve continuar por pelo menos uma semana e até que a febre desapareça. As cuidadoras grávidas não devem ser designadas para esses pacientes.  

Já o afastamento de mulheres grávidas de locais de trabalho onde crianças com eritema infeccioso (por exemplo, escolas primárias e secundárias) não é recomendada como política geral porque é improvável que reduza seu risco. Não há dados que apoiem o uso de IVIG para profilaxia pós-exposição em cuidadoras grávidas ou crianças imunocomprometidas. Não há vacina disponível no momento.   

Conclusão 
 

O parvovírus B19 está associado a uma variedade de síndromes clínicas e, em indivíduos imunocompetentes, pode se manifestar como eritema infeccioso ou artralgia/artrite. Em pacientes com hemoglobinopatias ou imunossupressão, pode causar crise aplástica transitória. Além disso, em mulheres grávidas não imunes, a infecção pode levar a complicações como hidropisia fetal. É importante reconhecer a condição para evitar diagnósticos errôneos, como rubéola ou sarampo, que podem levar a tratamentos desnecessários e ausências prolongadas da escola. Portanto, o reconhecimento clínico é importante para o manejo adequado e para a orientação dos pacientes e suas famílias.