Ideação suicida: avaliação, manejo e intervenções para psicólogos

O suicídio é um grave problema de saúde pública, responsável por mais de 727 mil mortes anuais no mundo (OMS, 2021). Para cada morte, estima-se que ocorram entre 10 e 30 tentativas (Bachmann, 2018). A ideação suicida, definida como pensar, considerar ou planejar o suicídio (Klonsky et al., 2016), é o processo que precede quase todas as tentativas. Ela pode se manifestar de forma ativa, quando há identificação de método, elaboração de plano ou intenção de agir, ou de forma passiva, sem plano ou intenção explícita (Turecki & Brent, 2016). Além disso, a ideação varia em intensidade, considerando fatores como frequência, duração e grau de controle dos pensamentos.
Globalmente, 9,2% das pessoas já pensaram em suicídio, e, desse grupo, 33,6% chegaram a criar um plano e 29% realizaram uma tentativa (Nock et al., 2008). Portanto, a ideação suicida representa um grande desafio na prática clínica. Psicólogos frequentemente se deparam com pacientes que relatam desejo de morrer e planejamento de tirar a própria vida. Portanto, é fundamental que estejam preparados para avaliar adequadamente esse risco e oferecer intervenções eficazes.
Fatores de Risco e Sinais de Alerta
Os fatores de risco para ideação suicida estão bem documentados na literatura e ajudam a entender por que algumas pessoas desenvolvem esses pensamentos. Destacam-se os transtornos mentais, como depressão, ansiedade e transtorno por uso de substâncias (Franklin et al., 2017; May & Klonsky, 2016). Fatores psicológicos como desesperança (crenças de que nada vai melhorar), pertencimento frustrado (experiência de solidão e desconexão com os outros), percepção de ser um fardo (visão de que todos estarão melhor quando não estiver mais presente) e impulsividade diante de emoções negativas também são fortemente associados (Chu et al., 2017; May & Klonsky, 2016; Klonsky & May, 2010). Além disso, histórico de abuso (físico, sexual ou emocional) eleva significativamente o risco (Franklin et al., 2017).
Os sinais de alerta representam manifestações que indicam risco iminente de agravamento da ideação e comportamento suicida. De acordo com o consenso de especialistas da
American
Association of Suicidology
(Rudd et al., 2006), os principais sinais são:
- Ameaçar se machucar ou se matar.
- Procurar maneiras de se matar.
- Falar ou escrever sobre morte, morrer ou suicídio.
- Expressar desesperança.
- Raiva, fúria ou desejo de vingança.
- Comportamentos imprudentes ou envolvimento em atividades de risco, sem considerar as consequências.
- Sentir-se preso, como se não houvesse saída.
- Aumento do consumo de álcool e outras drogas.
- Isolamento de amigos, familiares ou da sociedade.
- Ansiedade, agitação, insônia ou, ao contrário, sono excessivo.
- Mudanças drásticas de humor.
- Falta de sentido na vida ou percepção de ausência de propósito.
Avaliação da Ideação Suicida
O primeiro passo ao lidar com a ideação suicida de um paciente é determinar o nível de risco (Galynker, 2023). A avaliação deve abordar, de forma acolhedora, os seguintes pontos:
- Presença de ideação suicida: O paciente tem pensado em morrer?
- Frequência: Esses pensamentos são esporádicos ou persistentes?
- Tipo de ideação: É passiva ou ativa?
- Planejamento: Existe um plano definido? O paciente sabe como, onde e quando faria?
- Acesso aos meios: O paciente tem acesso a meios letais?
- Histórico de tentativas: Já tentou anteriormente? Como foi?
- Histórico familiar de suicídio: Alguém na família morreu por suicídio?
- Nível de impulsividade: o paciente costuma agir por impulso?
- Fatores de proteção: Família, religião, vínculos afetivos, projetos futuros.
- Fatores estressores atuais: Perdas recentes, conflitos familiares, problemas financeiros, doenças graves.
Embora a entrevista clínica seja insubstituível, o uso de instrumentos padronizados auxilia na estruturação da avaliação e no monitoramento do risco ao longo do tratamento. A seguir os principais instrumentos disponíveis para aplicação no Brasil:
- Escala Beck de Ideação Suicida (BSI; Beck & Steer, 1991; adaptado por Cunha, 2001): Avalia ideação, planejamento, comportamentos e atitudes suicidas.
- Inventário de Frequência de Ideação Suicida (FSII; Chang & Chang, 2016; adaptado por Teodoro et al., 2022): Avalia a frequência da ideação no último ano.
- Questionário de Comportamentos Suicidas – Revisado (SBQ-R; Osman et al., 2001; adaptado por Aprigio & Gauer, 2024): Avalia planejamento, tentativas, frequência de ideação no último ano e risco futuro.
- Escala de Avaliação da Gravidade do Suicídio de Columbia (C-SSRS; Posner et al., 2011): Avalia gravidade e intensidade da ideação, comportamento suicida e letalidade.
- Mini International Neuropsychiatric Interview (M.I.N.I; Sheehan et al., 1998) – Módulo B (Suicidalidade): Avalia ideação, planejamento, tentativas e risco atual.
- Escala de Ideação Suicida Relacionada ao Trabalho (EISRT; Cândido, 2020): Avalia ideação suicida no contexto laboral.
Intervenções Psicoterapêuticas
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é a principal intervenção psicológica para o manejo da ideação suicida, com evidências robustas de redução desses pensamentos (Wu et al., 2022). Destacam-se dois protocolos de tratamento: “Terapia Cognitivo-Comportamental para Pacientes Suicidas” (Wenzel et al., 2010) e “Terapia Cognitivo-Comportamental Breve para Prevenção do Suicídio” (Bryan & Rudd, 2024). Ambos focam na redução do risco por meio da reestruturação de pensamentos disfuncionais, desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e prevenção de recaídas.
O tratamento cognitivo-comportamental se organiza em três fases. Na fase inicial, o foco é a redução rápida do risco de suicídio. O principal recurso utilizado é o plano de segurança, que consiste em um documento breve e prático que ajuda o paciente a reconhecer sinais de alerta, utilizar estratégias de enfrentamento, acionar pessoas de confiança, procurar suporte profissional e reduzir o acesso a meios letais. Junto a isso, é comum utilizar a “caixa da esperança”, que reúne objetos que resgatam motivos para viver e ajudam o paciente a se reconectar com elementos positivos de sua vida durante momentos de crise.
Na fase intermediária, o foco é o desenvolvimento de habilidades. As intervenções incluem ativação comportamental, que visa aumentar o engajamento do paciente em atividades prazerosas. Também são ensinadas estratégias de relaxamento e distração, que ajudam a manejar o sofrimento agudo. A reestruturação cognitiva ocupa um papel central, permitindo que o paciente identifique e questione pensamentos disfuncionais relacionados à desesperança, percepção de fardo ou falta de sentido na vida. Além disso, o treinamento em solução de problemas fortalece a capacidade do paciente de enfrentar desafios de forma prática. Também são utilizados cartões de enfrentamento, que servem como lembretes práticos de estratégias para lidar com momentos de crise.
Na fase final do tratamento, o foco está na consolidação das habilidades aprendidas e na prevenção de recaídas. O paciente é incentivado a revisar e reforçar os recursos adquiridos, além de simular possíveis situações futuras de crise, favorecendo maior autonomia e segurança para enfrentar desafios, o que contribui significativamente para a redução do risco de retorno da ideação suicida.
Conclusão
A ideação suicida é um desafio na prática clínica e exige que psicólogos estejam preparados para avaliar o risco e aplicar intervenções baseadas em evidências. A identificação de fatores de risco, sinais de alerta e o uso de instrumentos específicos são essenciais para compreender a gravidade do quadro e orientar o manejo.
Nesse contexto, a TCC se destaca como uma abordagem comprovadamente eficaz, oferecendo protocolos estruturados que combinam manejo do risco, reestruturação cognitiva, desenvolvimento de habilidades e prevenção de recaídas. É fundamental que profissionais da psicologia estejam capacitados para aplicar essas intervenções, promovendo segurança, autonomia e reconstrução do projeto de vida de seus pacientes.
Como citar este artigo: Pereira, E. G., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Jun., 2025). Ideação suicida: avaliação, manejo e intervenções para psicólogos. Blog da Artmed.
Autores
- Elder Gomes Pereira
Psicólogo. Mestre e Doutorando em Psicologia: Cognição e Comportamento na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador no Laboratório de Processos Cognitivos (LabCog-UFMG), onde desenvolve estudos sobre mecanismos neurocognitivos relacionados ao comportamento suicida. Professor do curso de pós-graduação lato sensu em Terapia Cognitivo-Comportamental da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC) da Universidade de São Paulo (USP). Membro associada à Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).
- Editora-chefe: Carmem Beatriz Neufeld.
Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.