III COnTCC e VIII JoTCC 2024: confira os destaques do evento

Em 27 e 28 de maio de 2024 ocorreu a 8ª edição da Jornada Internacional de Terapias Cognitivo Comportamentais, que ocorre a cada dois anos, e a 3ª edição do Congresso Online Internacional de Terapias Cognitivas e Comportamentais do LaPICC-USP, que ocorre anualmente, reunindo os maiores profissionais a nível nacional e internacional da Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC).

O evento ocorreu de forma online e ao vivo, permitindo debates e o aprofundamento de diferentes temas relevantes das TCCs. A realização foi do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP), com o apoio da Artmed. 

Confira abaixo alguns destaques do evento!   

Lata McGinn é professora titular de Psicologia na Yeshiva University de Nova York e professora adjunta no Mount Sinai Hospital, também em Nova York. É presidente da Confederação Mundial de Terapias Cognitivas e Comportamentais (WCCBT), membro da diretoria da Associação Internacional de Terapia Cognitivo-Comportamental (IACBT) e co-fundadora do Cognitive and Behavioral Consultants. Na conferência de abertura do evento, a Dra. McGinn discorreu acerca da necessidade de construir resiliência psicológica, frente ao aumento da ocorrência de eventos traumáticos (ex: catástrofes climáticas, pandemia, terrorismo, entre outros). Um evento traumático é definido como a exposição a algo ameaçador à vida, seja diretamente consigo, presenciando ou sabendo de alguém próximo. 

Entretanto, a palestrante destaca que os indivíduos são afetados de diferentes formas e, consequentemente, reagem de maneiras diversas, sendo que apenas uma pequena parcela desenvolve transtornos mentais, como o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Ela enfatiza dois aspectos positivos neste contexto: a capacidade de construção da resiliência e as pesquisas sobre o que é eficaz para as demandas desencadeadas pelas crises. Dentre estes, concluiu-se que, logo após os eventos traumáticos, os Primeiros Socorros Psicológicos são fundamentais e auxiliam o desenvolvimento natural da resiliência.   

O Dr. Stefan Hoffman é professor Alexander von Humboldt e ganhador do LOEWE Spitzenprofessur de Psicologia Clínica Translacional na Universidade Philipps de Marburg, na Alemanha, além de psicólogo clínico, laureado com importantes prêmios, como o Prêmio Aaron T. Beck de 2015. Na presente edição da JoTCC e ConTCC, Hoffman discutiu com o público sobre a ansiedade social e a regulação emocional. Em sua fala, o professor destaca a alta prevalência do Transtorno de Ansiedade Social (TAS), indicando a importância de bons tratamentos para a regulação individual de pessoas que sofrem com esse transtorno, que está associado com a depressão e, em casos mais graves, com suicídio. 

A ansiedade é uma forma muito intensa de emoção, e, em certa medida, as emoções são passíveis de regulação. A regulação emocional consiste, portanto, em processos empregados pelas pessoas para monitorar, avaliar e modificar reações emocionais, a fim de alcançar objetivos emocionais. Foram discutidas as formas como diferentes estratégias de regulação emocional se relacionam a psicopatologias. Além disso, Hoffman apresentou modelo de TCC para TAS com evidências de eficácia, com destaque para a função da evitação no TAS e de estratégias de exposição para lidar com a ansiedade de forma eficaz. Pessoas com transtornos emocionais apresentam não somente desregulação do afeto negativo mas também deficiência do afeto positivo. As emoções são reguladas através de processos intrapessoais e interpessoais, por isso a importância de adotar outras práticas na regulação emocional. Por fim, o convidado destaca que é necessário considerar as características individuais no tratamento do TAS, considerando que é um transtorno heterogêneo.   

A sessão especial TCC, ciência e arte foi coordenada pela Profa. Dra. Angela Donato Oliva, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC) e contou com o Prof. Dr. Irismar Reis de Oliveira, Professor aposentado de Psiquiatria do Departamento de Neurocências e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Dr. Oliveira discutiu os modelos o diagrama de conceituação cognitiva da Terapia Cognitiva Processual, com ênfase nas mudanças nas diferentes fases do tratamento. Na fase antes do tratamento, as crenças nucleares negativas disfuncionais estão predominantemente ativas. Durante o tratamento, há ativação das crenças nucleares positivas funcionais com a TCP, e, após o tratamento, há equilíbrio entre ativação das crenças nucleares positivas e negativas disfuncionais. Durante o tratamento, são empregadas diferentes técnicas da TCP, desenvolvidas para modificar os pensamentos automáticos. 

O Professor Dr. Irismar Oliveira compartilhou sobre o desenvolvimento da TCP através da inspiração no livro "O Processo" de Kafka. O Professor a considera uma história psicológica, em que o próprio autor, Kafka, estava envolvido em um processo de autoacusação. Interpretou que o autor tinha uma intenção de propor um princípio universal representado por uma autoacusação. Nesse sentido, Oliveira propõe os elementos da terapia cognitiva que correspondem a autoacusação, ou seja, crença nuclear negativa disfuncional (ex.: Eu sou um fracasso; Eu sou incapaz de ser amado). Ao ajudar o indivíduo a conhecer essa auto acusação, através de técnicas cognitivas como investigação com a seta descendente, mas em um ambiente jurídico, com um tribunal em que o indivíduo possa se defender, a TCP é concebida. Oliveira convida então, a Profa. Dra. Kátia Caetano para contribuir com sua fala, apresentando elementos da livro Carta ao Pai, de Kafka. Os professores puderam discutir o livro e conceitualizar um trecho da carta que Kafka escreve ao seu próprio pai no diagrama da TCP, com destaque ao processamento em 3 níveis.   

Vicente E. Caballo é Doutor em Psicologia pela Universidade Autônoma de Madri e Catedrático de Psicopatologia na Universidade de Granada (Espanha), Fundador e diretor da revista Behavioral Psychology/Psicologia Conductual, da Associação Psicológica Ibero-americana de Clínica e Saúde (APICSA) e do grupo de pesquisa Avanços na Psicopatologia e Terapia do Comportamento (APYTEC). Em sua palestra na VIII JoTCC e III ConTCC, Dr. Caballo destaca a prevalência e a gravidade das situações envolvendo bullying. O professor traz a definição do bullying, as suas diversas consequências, como o fato de crianças vítimas terem maior probabilidade de sofrer problemas de saúde mental e emocional, além de terem consequências na vida adulta e destaca o continuum existente entre agressor e vítima, para então apresentar algumas possibilidades frente à questão: o que fazer em relação ao bullying? Vicente Caballo destaca que a intervenção precoce frente ao bullying é fundamental, mas sobretudo a sua prevenção. 

O Programa HASO ou “Vamos Compartilhar”, é um programa de prevenção ao bullying que tem como objetivos:

É direcionado para alunos dos 9 aos 12 anos, conduzido pelo professor ou outra pessoa responsável pelo ensino com conhecimento de habilidades sociais, em sala de aula com todos os alunos, durante o ano letivo, pelo menos uma hora por semana.

O programa se dá no formato grupal, em 9 sessões, em que as sessões 1 a 7 introduzem o aluno na disciplina das habilidades sociais, e as duas últimas sessões consistem em um jogo, compondo parte lúdica para reforçar a aprendizagem. O jogo estruturado "Galáxia HASO" contém perguntas, questionários e jogos sobre habilidades sociais, que recriam situações interpessoais, e as respostas estão agrupadas em torno dos domínios abordados nas sessões. Algumas das dimensões de habilidades sociais incluídas no programa são: manejar conversas, dar e aceitar elogios, fazer e recusar pedidos, expressar e lidar com críticas. Dr. Caballo finaliza sua fala concluindo que o jogo implica uma participação ativa, produzindo divertimento para a criança, mas também uma forma de lidar com a frustração, proporcionando experiências que permitem à criança aprender e progredir. 

Scott Waltmann é terapeuta clínico certificado pela American Board of Professional Psychology, pesquisador e treinador internacional em Terapia Cognitivo-Comportamental e prática baseada em evidências. É presidente eleito da Academia de Terapias Cognitivas e Comportamentais (A-CBT – EUA). Em sua palestra neste evento, o Dr. Waltmann percorreu o caminho desde as raízes do método socrático, originalmente praticado por Sócrates na Grécia Antiga, até o uso clínico atual desta estratégia na TCC. O filósofo grego buscava apontar aos indivíduos sobre o que não conheciam e promover o ensino através de perguntas, ao invés de falas e palestras, como era de costume. 

Na TCC moderna, esta técnica pode ser também denominada de diálogo socrático e pauta-se na estratégia semelhante da realização de perguntas. Entretanto, diferentemente do contexto original, o objetivo não é levar a uma resposta, mas sim promover reflexão e compreender em profundidade o problema em questão. Assim, no método clínico de questionamento socrático, realiza-se quatro passos: foco no conteúdo-chave, compreensão fenomenológica, curiosidade colaborativa e resumo/síntese. Ao final, o palestrante mencionou também o estoicismo, o qual se relaciona também ao às origens do questionamento socrático e é foco do novo livro lançado pelo autor (ainda não traduzido para o Brasil). Esta linha vai ao encontro da Terapia de Aceitação e Compromisso, com a ideia de identificar valores e aceitar os sentimentos, sem uma postura de julgamentos frente a esses.  

Lynn McFarr é doutora pela New York University (NYU), professora na Universidade da Califórnia (UCLA), presidente da Associação Internacional de Terapia Cognitivo-Comportamental (IACBT), fundadora e diretora executiva do CBT/DBT California, onde promove atendimento e treinamento em psicologia baseada em evidências. Em sua conferência na VIII JoTCC e III ConTCC, a Dra. McFarr abordou os aspectos cognitivos dentro da Terapia Comportamental Dialética (DBT, do inglês Dialectical Behavior Therapy), a abordagem padrão ouro para tratamento do Transtorno de Personalidade Borderline. Inicialmente, foram apontadas desvantagens do foco na cognição na DBT, devido à desregulação emocional expressiva, a percepção de invalidação do problema e a potencial simplificação do mesmo. 

Entretanto, foi apontado que as intervenções cognitivas são relevantes, após o indivíduo estar emocionalmente regulado. Assim, a cognição é já é abordada na DBT, tal como no pensamento dialético. Porém, há espaço para a utilização de técnicas tipicamente concebidas na TCC desenvolvida por Aaron Beck, objetivando modificar pensamentos que podem permanecer mesmo após a modificação comportamental, como pode ocorrer na ideação suicida. Portanto, uma das formas de maximizar os benefícios da DBT através de intervenções cognitivas, é através do questionamento socrático, já descrito anteriormente.   

Em mais um ano, o III ConTCC e a VIII JoTCC trouxeram contribuições incríveis baseadas em evidências, com assuntos relevantes e atuais sobre as Terapias Cognitivo-Comportamentais. Temas essenciais foram discutidos por palestrantes de renome internacional e nacional, enriquecendo os debates científicos. A cada edição, a equipe LaPICC, em parceria com a Artmed, promove excelentes ConTCC e JoTCC, que permitem o aprendizado e a democratização do conhecimento de forma gratuita e pela modalidade online, acessíveis para todo o mundo.

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Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora Clínica no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).  

Psicóloga graduada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP. Membro do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC). Especializada em Psicologia da Saúde no Contexto Hospitalar com ênfase em Psicologia Pediátrica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP (HCFMRP-USP). 

Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).