Neurobiologia da ansiedade: o que todo psicólogo precisa saber?

Este artigo tem como objetivo apresentar a neurobiologia da ansiedade, explorando os mecanismos cerebrais envolvidos e como essas informações podem ser aplicadas no tratamento e manejo clínico da ansiedade.
A neurobiologia da ansiedade é um campo fundamental para psicólogos, pois permite compreender os processos cerebrais e fisiológicos que sustentam os sintomas ansiosos. Isso é essencial tanto para a formulação de casos clínicos quanto para a escolha de intervenções mais eficazes. Aqui vai um panorama do que todo psicólogo precisa saber:
A ansiedade é uma resposta natural do organismo a uma ameaça percebida. Envolve um conjunto de reações físicas, emocionais e cognitivas que têm função evolutiva de proteção. Quando se torna crônica, desproporcional ou desadaptativa, caracteriza um transtorno.
A ansiedade é uma resposta natural do organismo a situações percebidas como ameaçadoras ou desafiadoras. Caracteriza-se por sentimentos de tensão, preocupação e alterações físicas, como aumento da frequência cardíaca. Embora seja uma emoção normal, quando excessiva ou persistente, pode configurar um transtorno de ansiedade, impactando negativamente a qualidade de vida.
Estima-se que aproximadamente 3,6% da população global sofra de transtornos de ansiedade, com uma prevalência maior entre mulheres (7,7%) em comparação aos homens (3,6%) (Costa et al., 2019).
Conhecer os circuitos cerebrais envolvidos na ansiedade — como o papel da
amígdala
,
hipotálamo
,
córtex pré-frontal
e
eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal)
— permite ao clínico entender melhor como os sintomas se manifestam no corpo e na mente. Isso ajuda a diferenciar, por exemplo, uma reação adaptativa de medo de um transtorno ansioso (Ramos, 2015).
Intervenções como a
terapia cognitivo-comportamental (TCC)
, a
terapia de exposição
, ou até práticas
mindfulness
ganham respaldo e direcionamento mais claros quando baseadas em dados neurobiológicos. Saber que a regulação emocional pode envolver o fortalecimento do córtex pré-frontal, por exemplo, dá sentido a técnicas que estimulam o autocontrole e o reprocessamento cognitivo.
A compreensão da neurobiologia permite ao terapeuta pensar em
intervenções mais individualizadas
. Por exemplo, um paciente com hiperativação da amígdala pode se beneficiar mais de técnicas que envolvam
regulação autonômica
, como respiração diafragmática ou biofeedback, enquanto outro pode precisar de foco maior em reestruturação cognitiva.
Quando o terapeuta explica a ansiedade com base em evidências neurobiológicas, isso ajuda o paciente a entender que seus sintomas não são “fraquezas”, mas respostas do sistema nervoso. Essa
psicoeducação baseada em ciência
pode aliviar a culpa, reduzir o estigma e aumentar a adesão ao tratamento.
Mecanismos neurobiológicos da ansiedade
A resposta do cérebro a uma ameaça é rápida, automática e profundamente enraizada na nossa biologia de sobrevivência. Ela envolve um circuito complexo de estruturas cerebrais que se ativam diante de estímulos percebidos como perigosos — reais ou imaginários. (Esperidião-Antonio, 2008). A amígdala é uma estrutura chave no sistema límbico, responsável por detectar rapidamente sinais de perigo, mesmo antes da consciência plena do estímulo. Ela avalia o ambiente em busca de ameaças e, ao identificar algo potencialmente perigoso, envia sinais de alerta.
- Velocidade: Essa avaliação ocorre em milissegundos.
- Imprecisão: A resposta da amígdala é rápida, mas não muito precisa — ela prefere “errar por excesso” para garantir a sobrevivência.
Uma vez ativada a amígdala, ela sinaliza ao hipotálamo, que desencadeia a ativação do eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal). Esse eixo regula a liberação de
cortisol
e
adrenalina
, hormônios que preparam o corpo para a reação de
luta, fuga ou congelamento
.
- Aumento da frequência cardíaca
- Dilatação das pupilas
- Tensão muscular
- Hipervigilância
O córtex pré-frontal é responsável pela avaliação racional da situação. Ele pode
inibir ou modular a resposta da amígdala
, ajudando o indivíduo a perceber que o perigo não é real ou não é tão grande quanto parecia.
- Quando o córtex pré-frontal está ativo e regulado, a pessoa consegue "pensar melhor antes de reagir".
- Em quadros de ansiedade crônica ou trauma, a comunicação entre o córtex pré-frontal e a amígdala pode estar comprometida, dificultando a autorregulação.
O hipocampo ajuda a distinguir se o perigo é novo ou já conhecido. Ele compara a situação atual com memórias passadas e fornece contexto.
- Exemplo: ver uma cobra de brinquedo pode ativar a amígdala, mas o hipocampo e o córtex pré-frontal podem ajudar a identificar que não há ameaça real.
Tratamentos e abordagens terapêuticas baseadas na neurobiologia
O avanço na compreensão neurobiológica da ansiedade permite que psicoterapeutas adotem intervenções mais direcionadas e eficazes, focadas na
regulação dos circuitos neurais envolvidos
na percepção de ameaça, na ativação emocional e na autorregulação.
TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental), atua diretamente na
relação entre pensamentos, emoções e comportamentos
, o que ajuda a reduzir a ativação disfuncional da amígdala. Fortalece a atividade do
córtex pré-frontal
, promovendo maior controle sobre respostas automáticas. Através de técnicas como
reestruturação cognitiva
e
exposição gradual
ajudam o cérebro a reinterpretar o perigo e a dessensibilizar reações de medo.
O uso de técnicas de regulação emocional, ensinam o paciente a reconhecer, nomear e modular emoções, promovem o desenvolvimento de
competências de autorregulação autonômica
, diminuindo a reatividade do sistema simpático. Utilizam recursos como:
- Respiração diafragmática
- Técnicas de grounding
- Treinamento em tolerância ao desconforto emocional
Mindfulness e meditação
- A prática regular de mindfulness tem mostradoredução da atividade da amígdalae aumento da conectividade entre amígdala e córtex pré-frontal.
- Promove uma mudança da reatividade automática para umaresposta consciente e intencional, desacelerando o eixo HPA.
- Melhora aconsciência corporale a capacidade de observar sensações internas sem julgamento.
Estratégias psicoterapêuticas para regular a resposta neurobiológica da ansiedade
Psicoeducação neurobiológica
- Explicar ao paciente como o cérebro responde à ameaça pode reduzir o medo dos sintomas e aumentar o senso de controle.
- Exemplo: “Seu cérebro está tentando te proteger, mas está reagindo como se você estivesse em perigo real, mesmo sem haver ameaça atual.”
Treinamento de segurança e reinterpretação cognitiva
- Criarexperiências de segurançano setting terapêutico ajuda a modular o sistema límbico e reconstruir memórias mais seguras via hipocampo.
- Incentivar areavaliação cognitivaajuda o cérebro a reinterpretar estímulos inicialmente percebidos como perigosos.
Técnicas somáticas e de respiração
- Ativam o sistema nervoso parassimpático, regulando o tônus autonômico.
- Respiração lenta e consciente reduz os níveis decortisole acalma a hiperatividade da amígdala.
Exposição controlada e dessensibilização
- Ajuda a dessensibilizar o circuito de medo, promovendohabitação neurobiológica.
- Fortalece a tolerância emocional e promove a reconexão entre o hipocampo e o córtex pré-frontal.
Integração corpo-mente
- Abordagens comoEMDR,terapia somática,neurofeedbacketerapias baseadas em trauma(como abordagem de Stephen Porges com a Teoria Polivagal) também buscam modular as respostas automáticas de ameaça e reforçar a sensação de segurança.
Conclusão
Compreender a
neurobiologia da ansiedade
vai muito além de um interesse técnico — trata-se de aprofundar o olhar clínico e ampliar a sensibilidade sobre o que se passa, de fato, no cérebro e no corpo do paciente ansioso.
Esse conhecimento permite ao psicólogo:
Entender os sintomas com mais precisão
, reconhecendo que muitas das respostas emocionais e físicas do paciente são fruto de circuitos cerebrais hiperativos — e não apenas “fraqueza” ou “exagero”.
Escolher intervenções mais direcionadas
, alinhadas com o funcionamento neurofisiológico do paciente.
Modular a relação terapeuta-paciente
, oferecendo psicoeducação e acolhimento com base científica, o que fortalece a aliança terapêutica.
Dialogar com a interdisciplinaridade
e acompanhar os avanços da ciência aplicada à saúde mental.
Como citar este artigo: Donadon, M. F., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Mai., 2025). Neurobiologia da ansiedade: o que todo psicólogo precisa saber? Blog da Artmed.
Autoras
- Mariana Fortunata Donaron
Possui Graduação em Psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP- USP); Licenciatura em Psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP- USP); É Bacharela em Psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP- USP); Possui Bacharelado Especial em Pesquisa em Psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP- USP). Fez Mestrado em Saúde Mental pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto na Universidade de São Paulo (USP); Doutorado em Saúde Menta pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto na Universidade de São Paulo (USP). É Especialista em Clínica com enfoque em Psicoterapia Cognitivo comportamental pelo Centro de Terapias Cognitivas para atendimento de crianças, adolescentes e adultos (CTC-VEDA). Possui certificação internacional em Psicoterapia cognitivo comportamental (União Europeia - DGERT internacional); É Membra da Comissão de Artigos Científicos do Centro de Terapias Cognitivas de Ribeirão Preto (CTC VEDA). É Professora conteudista de material didático e instrucional para o curso de Psicologia do Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto. Atualmente é Psicóloga clínica com enfoque de atendimento em crianças, adolescentes e adultos e docente de cursos Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), no Centro de Terapias Cognitivas (CTC VEDA), Faculdade Psicologia (FAPSI) a qual atua como supervisora clínica e no Centro Universitário Unifafibe. É autora de inúmeros livros na área da saúde mental e psicoterapia cognitivo comportamental. Atua principalmente nos seguintes linhas de pesquisa: Instrumentos de avaliação em saúde mental; psicopatologia; saúde mental; avaliação psicológica; psicoterapia cognitivo comportamental; tradução e adaptação de escalas de avaliação em saúde mental; supervisão de estágios e Psicologia Clínica. É Terapeuta associada à Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC) e a Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências (AESBE). Psicóloga associada à Associação de Psicologia Americana (APA). Atua em clínica particular como Terapeuta Cognitivo-Comportamental atendendo crianças, adolescentes e adultos.
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).
- Editora-chefe:Carmem Beatriz Neufeld.
Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.