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Ingestão de corpo estranho em crianças: condutas em casos de emergência

A ingestão de corpo estranho é um evento muito próprio da pediatria. Afinal, 75% dos casos ocorrem em menores de 5 anos, sendo que aproximadamente 20% do total de casos atendidos são de pacientes entre 1 a 2 anos.

A maioria dos casos ocorre de forma acidental, com objetos do cotidiano. Aproximadamente metade dos casos atendidos é completamente assintomática (fora os que nem chegam ao pronto atendimento).

Os sintomas são bastante diversos, passando por:

  • estridor;
  • odinofagia;
  • salivação;
  • agitação;
  • dor torácica ou abdominal;
  • febre;
  • recusa alimentar;
  • sibilos;
  • desconforto respiratório.

Neste artigo, traremos mais orientações sobre as condutas em casos de ingestão de corpo estranho na pediatria.

Objetos

De forma didática, os objetos podem ser divididos da seguinte forma:

  • baterias tipo botão;
  • imãs;
  • objetos pontiagudos e/ou afiados;
  • moedas e objetos sem corte ou ponta;
  • objetos ou materiais superabsorventes;
  • tóxicos e cáusticos.

Lugares

Os lugares são todo o trato gastrointestinal, desde esôfago, onde a retirada é mandatória, até estômago e intestino. Um local que pode ser acometido na ingestão são as vias aéreas. Além disso, há relato de objetos encontrados em ouvidos, nariz, pênis e vagina, mas não serão discutidos aqui.

Sinais e sintomas

Nos casos em análise, a narrativa mais significativa geralmente está associada à ingestão de corpos estranhos. No entanto, cerca de 20% das ocorrências não apresentam esse relato específico, e em 15% dos casos, os sintomas manifestam-se de maneira pouco clara. Em pacientes mais jovens, a história pode ser imprecisa, enquanto em pacientes mais velhos, a vergonha do incidente pode influenciar a narrativa. A seguir, destacam-se os sintomas mais comuns em relação a cada faixa etária:

  • Lactentes
    : irritabilidade, anorexia, melena, disfonia;
  • Pré-escolares:
    febre, dispneia, tosse, estridor, salivação (sanguinolenta), vômitos;
  • Escolares
    : dor cervical, torácica ou abdominal.

Os sintomas, quando não há história de ingestão de corpo estranho, podem gerar confusões com gastroenterites agudas e resfriados.

Condutas

Os casos compartilham uma abordagem inicial semelhante, contudo, as distintas naturezas dos objetos envolvidos e os locais de impactação ou diagnóstico podem indicar a necessidade de condutas diferenciadas.

Gerais

A história deve ser muito bem tirada, procurando especificar os detalhes em tempo de ingestão, material ingerido, quantidade e possíveis outros materiais.

O exame físico geral deve ser conduzido conforme a rotina padrão, com especial atenção para a possível presença de crepitação na região cervical, indicativa de perfuração da via aérea, bem como para sinais de edema cervical. É fundamental observar atentamente quaisquer indícios que demandem a remoção urgente do corpo estranho, tais como salivação excessiva, episódios de engasgos, respiração ruidosa, além de estar alerta para possíveis sinais de abdome agudo.

Em geral, são feitas radiografias, mesmo para corpos estranhos opacos, pois podem mostrar sinais indiretos de complicações.

Recomenda-se a realização de radiografias específicas, incluindo as projeções PA e perfil do tórax, bem como a cervical lateral e do abdome em posição supina. É importante ressaltar que, embora essas projeções sejam sugeridas, não é obrigatório realizá-las todas simultaneamente. Em situações específicas, pode ser necessário incluir uma incidência lateral na imagem do abdome.

Indicação e retirada por endoscopia

A endoscopia pode ser dividida pelo tempo de realização.

As endoscopias de emergência devem ser realizadas em até 2 horas, independente do jejum, desde que haja estabilidade clínica para isso. Por não haver jejum, a proteção da via aérea é mandatória.

As endoscopias de urgência devem ser realizadas em até 24 horas, e o jejum deve ser respeitado como habitualmente.

As endoscopias eletivas são as que podem ser realizadas em mais de 24 horas.

Condutas por objetos

Baterias

As baterias são hoje um dos objetos mais perigosos. Muitas baterias hoje são compostas por lítio (Li), podendo causar lesões graves. Elas configuram aproximadamente 10% das ingestões de corpos estranhos e podem causar lesões graves em até 5% dos casos.

As lesões graves são essencialmente esofágicas, com início a partir de 2 horas da ingestão, e podem levar ao óbito (0,15% dos casos, a maioria por acometimento vascular).

Em dois terços dos casos, as baterias são retiradas dos próprios aparelhos — por isso brinquedos têm agora um parafuso de segurança no local da bateria. A maioria das ingestões também são das baterias menores do que 20mm, de menor risco. As baterias maiores respondem por 7% das ingestões.

A lesão causada é uma lesão cáustica, que pode durar até 15 dias, e na região do esôfago, podendo causar perfuração e lesões de grandes vasos, que pode ser fatal.

Contudo, o mais comum é não haver lesão; quando presente, a complicação mais comum é a úlcera esofágica, seguida pela perfuração esofágica, com ou sem formação de fístula traqueal. Outras complicações incluem estenose, paralisia das cordas vocais devido à lesão do nervo laríngeo recorrente, além de mediastinite, pneumotórax, pneumonia, espondilodiscite e lesões vasculares. Destacam-se, entre as complicações mais graves, os casos de fístula aórtica.

A conduta deve ser remoção por endoscopia sempre que possível. Em casos de impactação esofágica evidenciada por radiografia, a endoscopia de emergência é recomendada. Quando a impactação ocorre em uma região próxima à aorta, a ressonância magnética é indicada para avaliar o envolvimento da parede da artéria. Se a presença do corpo estranho for identificada no estômago, a retirada por meio de endoscopia é sugerida como medida urgente. No caso de impactação pós-pilórica, embora a retirada não seja indicada, a endoscopia é recomendada para avaliação de possíveis lesões ao longo do trajeto.

Além disso, a oferta de mel (alimento ácido e viscoso) é sugerida pelos estudos.

Imãs

A ingestão de ímãs torna-se um potencial risco em duas condições específicas: quando se trata de ímãs de alta potência e quando ocorre a ingestão de mais de um ímã, ou de um ímã associado a um corpo de metal.

Se não for essa a condição, deve-se seguir conforme o formato do imã — provavelmente um material não cortante ou perfurante — e sua localização segundo à radiografia.

Porém, na ingestão de mais de um imã ou de imã + peça metálica, há indicação de remoção endoscópica de emergência.

O principal risco são fístulas entero-entéricas, com perfuração de alças e complicações hemorrágicas e infecciosas, assim como as complicações de longo prazo.

É uma ingestão que vem tendo aumento de casos, com maior gravidade e óbitos.

A conduta deve incluir a realização de radiografias em, no mínimo, duas incidências. Caso a ingestão seja confirmada, a internação é indicada. Se os ímãs estiverem localizados até o ângulo de Treitz, a endoscopia é mandatória e deve ser realizada de forma emergencial. Para ímãs entéricos, há controvérsias na literatura devido à dificuldade técnica, no entanto, considera-se a opção de terapia laxativa com acompanhamento por radiografias seriadas em ambiente hospitalar, podendo ser também considerada a enteroscopia.

Em casos de ímãs distais, a colonoscopia pode ser uma opção a ser considerada. Esses casos apresentam um alto potencial de gravidade, com até 30% dos pacientes submetidos à cirurgia, dos quais mais de 50% desenvolvem complicações, tais como perfuração, fístula, volvo e necrose.

Afiados e com ponta

Esses talvez sejam os objetos que trazem mais medo para os pais, mas certamente não são os mais perigosos. Respondem por 10% das ingestões e exigem atenção.

A radiografia é um passo inicial essencial, no entanto, é importante destacar que alguns materiais, como madeira e vidro, podem não ser visíveis nesse exame. Se a suspeita é elevada e a radiografia não for conclusiva, é recomendável considerar a realização de outros exames complementares, tais como tomografia, ressonância magnética, ultrassonografia ou esofagograma.

Se o objeto estiver localizado no esôfago, a endoscopia é considerada mandatória para avaliação e, se necessário, para a remoção do corpo estranho. No entanto, se o objeto estiver situado até o ângulo de Treitz, sugere-se a remoção endoscópica como uma abordagem preferencial.

Se o corpo estranho estiver localizado após o ângulo de Treitz, a conduta recomendada é a observação em ambiente hospitalar, com radiografias diárias, especialmente se o corpo estranho for radiopaco. Essa abordagem visa monitorar o movimento do corpo estranho e avaliar sua eventual passagem pelo trato gastrointestinal até a evacuação.

Não afiados

São os objetos de menor risco. A maioria tem resolução espontânea, sem qualquer risco. Objetos maiores do que 20 a 25mm (dependendo da idade) tem baixa chance de passar pelo piloro, assim como aqueles com mais de 6 cm de comprimento.

A radiografia é muito importante na diferenciação entre moedas — o objeto não afiado mais comum — e baterias. O sinal do duplo halo e o degrau fazem essa diferenciação. Se mantiver a dúvida, considerar, como o pior cenário, a bateria.

Se o objeto estiver localizado no esôfago, a abordagem recomendada é a realização de uma endoscopia digestiva alta (EDA) para a retirada do corpo estranho. Se o paciente estiver sintomático, a EDA de emergência é indicada. No entanto, se o paciente estiver assintomático (o que é a maioria dos casos), a remoção pode ser programada e realizada em até 24 horas. Recomenda-se realizar uma nova radiografia imediatamente antes da EDA para evitar o risco de realizar o exame quando o objeto já migrou para o intestino, o que poderia tornar a endoscopia desnecessária ou menos eficaz.

Se objeto estiver localizado no estômago ou no intestino, a conduta sugerida é a observação expectante em ambiente domiciliar, com atenção aos sinais de alarme. É recomendável repetir radiografias semanalmente para monitorar a posição do objeto e observar as fezes para avaliar a sua passagem. Se retido por mais de 4 semanas, considerar remoção pela técnica mais adequada para o local (colonoscopia, endoscopia ou cirurgia).

Impactação de alimentos

O quadro clínico em questão é considerado raro, porém, ganha importância devido à sua associação frequente com doenças de base, sendo, por vezes, o primeiro sintoma evidente dessas condições.

Se o paciente apresenta incapacidade de deglutir saliva, a indicação é de endoscopia de emergência. Quando o paciente está sintomático, mas ainda consegue deglutir efetivamente, o que sugere uma obstrução parcial, a recomendação é a realização de endoscopia de urgência, preferencialmente dentro das primeiras 24 horas.

Considerar a realização de biópsias do esôfago e estômago no momento da endoscopia e dar seguimento com gastroenterologista pediátrico.

Materiais superbasorventes

O fenômeno descrito, embora raro, possui relatos mais frequentes na literatura médica. Refere-se a materiais que têm dimensões reduzidas quando secos, mas que expandem significativamente quando entram em contato com líquidos, como no ambiente do trato gastrointestinal. Entre os exemplos mais comuns estão fraldas e absorventes femininos, mas também incluem alguns brinquedos projetados para aumentar de tamanho quando em contato com a água.

Existem poucas evidências, apesar de um óbito relatado.

Os desafios desse material é que é radiolucente e de progressão "fácil" pelo TGI superior. No estomago, aumentaria muito de tamanho e ficaria impactado, podendo gerar problemas sérios.

Dada a potencial gravidade, a conduta recomendada é a realização de endoscopia de emergência, se possível. Caso não seja viável realizar a endoscopia imediatamente, a opção de uma endoscopia de urgência deve ser considerada, mesmo sem certeza absoluta da ingestão do material.

Resumo prático

  • Prevenção! É a forma mais eficaz de tratar, especialmente os dois objetos mais perigosos, além dos produtos de limpeza; o pediatra geral pode ter papel importante nessa questão.
  • Baterias e imãs são os mais graves, então todo cuidado é pouco com estes materiais. Manter em locais altos e trancados é o ideal.
  • Baterias apresentam quadro grave rapidamente.
  • Imãs depois de algum tempo.
  • Não precisar fazer EDA pra todo mundo, nem radiografar toda hora.
  • Estar atento às
    modas e desafios
    entre as crianças e adolescentes.