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Manejo do bullying na prática clínica do psicólogo

O bullying é uma problemática predominante para a toda sociedade. A estimativa é que uma em cada três crianças seja vítima de bullying em todo o mundo ​(UNESCO, 2019)​. 

Neste artigo, vamos explorar o assunto sob viés da psicologia, traçando caminhos para o manejo clínico do bullying pelos psicólogos.  

O que é bullying? 
  

O bullying pode ser compreendido como
atos, palavras ou comportamentos que ocorrem de modo intencional, repetidamente e dolorosamente
contra uma mesma vítima, em um período prolongado.   

Entre a tipologia de tal fenômeno estão: físico (p. ex., bater, chutar e beliscar), verbal (p. ex., apelidar e xingar), moral (difamar, caluniar e discriminar), sexual (p. ex., abusar, assediar e insinuar), psicológico (p. ex., intimidar, ameaçar e perseguir), material (p. ex., furtar, roubar e destruir pertences) e virtual (p. ex., zoar, discriminar e difamar por meio das redes sociais). Raramente, o alvo do bullying recebe apenas um tipo de ação, pois, comumente, o agressor utiliza de variadas violências para atingir a vítima.  

Ademais, o bullying pode ocorrer em diversos contextos, incluindo o ambiente escolar, laboral e familiar ​(Dornelles et al., 2012)​. Portanto, verifica-se que o bullying compreende três aspectos principais: (1) intenção de prejudicar; (2) ações repetidas ao longo do tempo e (3) desequilíbrio de poder entre o agressor e a vítima, pois as agressões são injustificadas e a vítima se sente impotente para combater ​(Ferraz De Camargo et al., 2023)​. 

Os efeitos do bullying
  

A literatura indica que os efeitos do bullying nas vítimas podem ser diversos. Por exemplo, ter sofrido bullying durante a adolescência está associado a um conjunto amplo de sintomas, incluindo
solidão, ideação e intenção suicida, sintomas de depressão, ansiedade generalizada, ansiedade social, ansiedade de separação, transtorno de pânico e sintomas relacionados ao transtorno obsessivo-compulsivo
. Além disso, a vitimização do bullying está associada à redução da flexibilidade cognitiva e da capacidade de regulação emocional e a problemas de comportamento. Destaca-se que muitos desses sintomas e problemas podem persistir e repercutir negativamente em outras fases da vida, como na idade adulta ​(Ferraz De Camargo et al., 2023)​.  

Uma das consequências que indivíduos vítimas de bullying podem sofrer é desenvolverem Transtorno do Estresse Pós-traumático (TEPT)
. As principais características do TEPT incluem memórias ou sonhos intrusivos e angustiantes sobre o evento traumático, evitação de estímulos (psicológicos ou externos) que lembrem o indivíduo do evento, pensamentos ou humor desagradáveis relacionados ao evento e alteração da excitação ou reatividade após o evento ​(American Psychiatric Association, 2014)​.

No contexto do bullying, quando este ocorre na conjuntura escolar, por exemplo, crianças e adolescentes que são vítimas enfrentam desafios significativos. É comum acusamentos de serem incapazes de se ajustarem à situação de violência. Além disso, eles podem se tornar hipervigilantes, já que estão suscetíveis aos ataques constantes que não sabem quando ocorrerão, o que pode levá-los a um estado permanente de tensão e sensação de desamparo.  

Como frequentar a instituição de ensino é obrigatório, os jovens possuem contato diário com os agressores, o que os impede de se afastar das ações dos autores. Geralmente, as vítimas também recebem pouco ou nenhum auxílio dos profissionais da escola.  

Por fim, para alguns estudantes, o bullying permanece fora do contexto escolar, pois as agressões persistem no ambiente virtual ​(Ossa et al., 2019)​.  

Manejo clínico do bullying na prática clínica do psicólogo
 

 No que se refere ao manejo clínico para tratar jovens vítimas de bullying e que possuam sintomas de TEPT, uma opção é uma adaptação da Terapia Cognitiva-comportamental Focada do Trauma. De acordo com ​Lydecker (2022)​, entre os componentes centrais estão: 

  • Psicoeducação:
    deve ser realizada ao longo de várias sessões, pois ajuda a construir um bom relacionamento e confiança do jovem e de sua família para com o psicólogo. Inclui fornecer informações sobre os estressores específicos que a criança e o adolescente vivenciaram. Isso permite que psicólogo compartilhe dados sobre a prevalência e a gravidade do bullying para “normalizar” que os jovens não são os únicos que são vítimas, ou seja, passa a mensagem que eles não estão sozinhos, pois podem se sentir isolados pelas suas experiências. É importante também realizar uma psicoeducação sobre como pensamentos, comportamentos e sentimentos estão todos interligados nas situações experienciadas relacionadas ao bullying. 
  • Estratégias de enfrentamento:
    podem incluir a identificação de emoções desagradáveis, aprendizagem de estratégias de regulação emocional, técnica da interrupção do pensamento, reestruturação cognitiva, treino de habilidades sociais e técnica de resolução de problemas. É relevante também que o psicólogo trabalhe na perspectiva de prevenir estratégias de enfrentamento desadaptativas, associadas às consequências posteriores do bullying, e deve ser discutido como uma alternativa ao enfrentamento desadaptativo. Um exemplo fornecido por  ​Lydecker (2022)​ é quando os jovens que são vítimas de bullying devido ao seu peso podem urgentemente querer escapar das situações de bullying e tentam perder peso utilizando medidas extremas (p. ex., tomando laxantes ou provocando vômitos) ou, até mesmo, podem recorrer à compulsão alimentar devido à experiência dissociativa. Desse modo, combinar o uso de estratégias adaptativas e a psicoeducação pode ser uma ferramenta poderosa para possibilitar a remissão dos sintomas das vítimas de bullying. 
  • Plano de segurança:
    envolve ensinar as crianças e adolescentes vítimas do bullying sobre como reconhecer e o que fazer quando se sentem ameaçados e estão situações potenciais ou realmente perigosas. Possivelmente, o psicólogo deve conjuntamente com seu cliente explorar alternativas e capacitar o jovem a adotar estratégias eficazes de enfrentamento, além de desenvolver habilidades para estabelecer uma comunicação assertiva, buscando apoio de um adulto. Em adição, a implementação de um plano de segurança pode ser imperativa para jovens que enfrentaram situações de bullying, uma vez que a possibilidade de revitimização, seja pelo mesmo agressor ou por outro, representa um risco significativo. 
  • Narrativa do bullying:
    o psicólogo pode possibilitar que a jovem vítima do bullying crie uma história em que narra sobre o trauma, incluindo o contexto, o evento e todos os estímulos, sentimentos e pensamentos associados. O psicólogo e a criança ou adolescente criam a narrativa como uma história escrita, em quadrinhos ou de outra forma criativa. Desse modo, após criarem a narrativa do trauma em conjunto com os elementos principais, o profissional e o jovem vão identificando o máximo de detalhes possível que o cliente consegue. Depois disso, envolvem-se no processamento cognitivo para desafiar pensamentos ou crenças distorcidas relacionadas ao trauma. No final da técnica, o jovem pode compartilhar a sua narrativa do trauma com seus cuidadores principais. No entanto, o psicólogo deve trabalhar com os cuidadores antes deles escutarem a narrativa, para prepará-los para o que ouvirão e orientá-los a responder de forma atenciosa, solidária e funcional para o cliente. 
  • Orientação parental:
    sessões individuais com os cuidadores, paralelas às sessões dos jovens vítimas de bullying ou sessões conjuntas adicionais entre cuidadores e criança/adolescentes, pode ser uma estratégia importante para fortalecer o aprendizado das estratégias de enfrentamento, bem como reforçar os componentes que envolvem o plano de segurança. Além disso, é importante que o psicólogo tenha a ciência que, em certas ocasiões, um dos cuidadores do jovem pode também ser agressor ou perpetuador do bullying, seja de forma explícita e intencional ou não. Neste caso, um cuidador diferente deve participar do tratamento. No entanto, a realização de sessões separadas para os cuidadores e filhos, no início do tratamento, podem melhorar a consciência dos responsáveis sobre suas ações e de como utilizar uma comunicação de apoio ao jovem. 

Editoria de Psicologia

Editora-chefe:
 Carmem Beatriz Neufeld.

Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).