Mindfulness clínico: como guiar práticas curtas durante a sessão

Pontos principais do artigo
Nos últimos anos, o mindfulness, traduzido como atenção plena, tem avançado para além de sua associação tradicional com práticas contemplativas ou bem-estar geral, consolidando-se como uma ferramenta clínica validada por evidências científicas robustas no campo da psicologia. Intervenções que incorporam mindfulness têm demonstrado benefícios consistentes no manejo de sintomas de ansiedade, depressão, estresse e na promoção da regulação emocional.
Sua integração é especialmente notável em programas estruturados com este foco e em abordagens no escopo cognitivo-comportamental, que permitem intervenções breves e pontuais (Kabat-Zinn, 1982; Segal, Williams & Teasdale, 2018; Beck, 2021; Hayes, Strosahl & Wilson, 2011; Linehan, 2015; Gilbert, 2009). Assim, o psicólogo clínico tem a possibilidade de aplicar técnicas baseadas em atenção plena em diferentes formatos, adaptando-as conforme o perfil do paciente e o contexto terapêutico (Zhang et al., 2021; Garrote‐Caparrós et al., 2022). A condução de práticas curtas e estratégicas durante a sessão representa um recurso que pode incrementar o engajamento do paciente, promover a autorregulação afetiva e enriquecer a experiência terapêutica de forma significativa. O grande diferencial dessas intervenções breves está justamente na capacidade de serem incorporadas sem a necessidade de transformar a sessão em um exercício prolongado de meditação.
Mindfulness na psicologia: o que fundamenta a prática clínica
Mindfulness, ou atenção plena, refere-se à capacidade de sustentar a atenção no momento presente, de modo intencional, aberto e sem julgamento (Kabat-Zinn, 2015). No cenário clínico, essa competência envolve a observação ativa dos eventos internos - como pensamentos, emoções e sensações corporais - e externos, promovendo um estado ampliado de consciência e descentralização cognitiva, ou seja, reconhecendo pensamentos como eventos mentais e não fatos incontornáveis (Teasdale, 2024).
Sua aplicação na psicologia clínica é suportada por protocolos estruturados e evidências robustas, demonstrando resultados consistentes na redução de sintomas ansiosos e depressivos, na ampliação da consciência emocional e na melhora da autorregulação fisiológica, emocional e cognitiva (Stein & Witkiewitz, 2020; Goldberg et al., 2022; Stuart-Edwards, MacDonald & Ansari, 2023). Ensaios clínicos e metanálises apontam para efeitos positivos na modulação do estresse, controle da dor crônica, regulação do humor e aprimoramento do funcionamento global, mostrando relevância tanto em intervenções grupais quanto em práticas clínicas pontuais, para populações clínicas e não-clínicas (Galante et al., 2021) e até mesmo como uma ferramenta de promoção de saúde (Galante et al., 2023).
Mindfulness pode ser abordado em dois grandes contextos: como estilo de vida (Mantzios & Giannou, 2019) e como intervenção clínica (Goldberg et al., 2023). No âmbito do estilo de vida, trata-se de um compromisso contínuo com práticas diárias de atenção plena, valorizando momentos de meditação formal e a incorporação da consciência ativa durante as atividades cotidianas. Essa abordagem visa transformar hábitos de pensamento e comportamento a longo prazo, favorecendo maior resiliência ao estresse, autoconhecimento e presença no cotidiano (Birtwell et al., 2019). Já como intervenção clínica, o mindfulness é aplicado de forma estruturada e adaptada ao setting terapêutico, sempre com objetivos específicos e fundamentação técnica (Michalak et al., 2019).
A prática guiada de mindfulness na sessão terapêutica atende a indicações específicas que contribuem diretamente para o desenvolvimento do processo clínico. Inicialmente, pode ser utilizada para preparar o paciente visando o trabalho terapêutico, criando um estado de presença e acolhimento que facilita o engajamento e a ampliação da consciência (Garrote‐Caparrós et al., 2022). Em momentos nos quais o paciente revê memórias dolorosas ou vivencia episódios emocionais intensos, a prática ajuda na recuperação afetiva, promovendo um espaço seguro para que essas experiências sejam processadas sem que a reatividade emocional descontrole a sessão. Além disso, o mindfulness contribui para a redução da ativação fisiológica excessiva, condição que favorece o raciocínio mais claro, a ampliação da capacidade de reflexão e o uso de estratégias adaptativas de enfrentamento (Teasdale, 2024).
Quando (e por que) usar práticas curtas durante a sessão
Momentos estratégicos para a inserção de práticas breves de mindfulness durante a sessão terapêutica incluem o início da consulta, períodos após a discussão de temas emocionalmente difíceis e situações de desorganização emocional no paciente (Germer, Siegel & Fulton, 2015; Michalak et al., 2019). Não é sempre indicado realizar práticas longas de mindfulness durante a sessão, sobretudo quando a dinâmica clínica exige flexibilidade e atenção contínua ao discurso do paciente. Por isso, intervenções breves, que duram entre um e cinco minutos, são especialmente recomendadas como ferramentas versáteis e práticas dentro da psicoterapia.
Apesar de seus efeitos positivos, é fundamental que o terapeuta avalie cuidadosamente o perfil do paciente antes da aplicação das técnicas, especialmente para aqueles que podem apresentar desconforto com silêncios prolongados ou introspecção, como indivíduos com histórico traumático, ansiedade grave ou que tendem a relacionar a introspecção a pensamentos negativos e ruminativos. Nesses casos, a prática deve ser conduzida com adaptações precisas, garantindo que seja breve, segura e acompanhada de perto para evitar revivências desconfortáveis ou reações adversas. Portanto, a seleção do momento, a duração e o tipo de intervenção devem ser cuidadosamente ajustados para garantir a segurança emocional, prevenindo sobrecarga emocional e promovendo uma experiência terapêutica acolhedora.
Estrutura básica de uma prática curta de mindfulness
Práticas curtas de mindfulness na sessão clínica devem durar entre 1 a 5 minutos, intervalo suficiente para ativar a regulação do sistema nervoso sem prejudicar o andamento da terapia. A eficácia da prática depende do foco e da clareza da condução, que deve seguir um roteiro básico composto por três elementos: uma âncora para centralizar a atenção, instruções claras e objetivas, e um encerramento que possibilite a integração da experiência no momento presente.
O roteiro pode ser pensado como uma ampulheta, começando pela parte mais ampla com um foco atencional amplo, como as sensações corporais ou emoções, movendo-se para o centro com uma âncora específica, como a respiração, e, finalmente, expandindo novamente o foco nas sensações do corpo para concluir a prática. Essa estrutura proporciona um fluxo natural que ajuda o paciente a se ancorar, aprofundar a atenção e depois retornar suavemente para a sessão terapêutica, fortalecendo o impacto do mindfulness na terapia (Demarzo & Campayo, 2015).
Na condução da prática, a linguagem deve ser clínica, clara e adaptada ao estilo comunicativo do paciente, evitando termos técnicos excessivos que possam dificultar a compreensão. O tom de voz do terapeuta deve ser calmo, ritmado e acolhedor, com pausas estratégicas para que o paciente possa assimilar e encontrar seu próprio ritmo atencional. O encerramento deve ser suave, trazendo o paciente de volta ao ambiente presente e convidando-o a integrar a experiência de mindfulness com o conteúdo trabalhado na sessão, facilitando a continuidade do processo terapêutico.
Exemplos de práticas guiadas para uso clínico
Uma das práticas mais recomendadas é o "Mindfulness dos 3 passos", também conhecida como “mindfulness de bolso”, com duração de 1 a 3 minutos. Essa técnica focaliza as sensações da respiração e do corpo (o ar entrando e saindo pelas narinas ou o movimento abdominal) e convida o paciente a direcionar a atenção para esse fluxo natural, sem tentar controlá-lo. Essa forma simples e direta de ancoragem tem efeito comprovado de redução da ativação ansiosa, promovendo o retorno ao momento presente.
Outra prática frequente é o escaneamento corporal breve, que pode ser realizado entre 5 e 10 minutos. Nela, o paciente é guiado a percorrer mentalmente o corpo, parte a parte, identificando tensões e promovendo o relaxamento de forma gradual (iniciando pelos pés e avançando até a cabeça). Essa prática amplia a consciência corporal e favorece a reconexão mente-corpo, sendo especialmente útil em contextos de fadiga mental, estresse e dificuldade de concentração. Práticas intermediárias, como o mindfulness focado na respiração por 3 a 5 minutos, também promovem relaxamento físico e estabilidade emocional, facilitando o processo terapêutico. Abaixo, podemos verificar um roteiro simples dessas três práticas:
Prática de 1 minuto – Mindfulness dos 3 passos
Objetivo:
Criar foco e presença rapidamente. Útil no início da sessão ou em momentos de leve agitação.
Instruções:
- “Vamos fazer uma pequena pausa de atenção. Se for confortável, feche os olhos ou suavize o olhar…
- Inicialmente, perceba como você se sente nesse momento…
- Perceba as sensações presentes no seu corpo…
- Leve sua atenção para a respiração, percebendo o ar entrando… e saindo…
- Não é preciso mudar nada, apenas sentir o movimento natural…
- Se notar pensamentos, reconheça que eles estão aí e volte para o ar que entra e sai…
- Mais uma respiração profunda… e, quando se sentir pronto(a), abra os olhos e retorne à nossa conversa.”
Prática de 3 a 5 minutos – Mindfulness na Respiração
Objetivo:
Promover autorregulação psicofisiológica e emocional.
Instruções:
- “Encontre uma posição confortável, sentado ou deitado, com a coluna ereta e relaxada.
- Feche suavemente os olhos ou mantenha o olhar suavizado para minimizar distrações visuais.
- Leve a atenção para o contato do corpo com o ambiente, sentindo o apoio da cadeira ou do chão.
- Comece a observar a respiração sem tentar modificá-la, sentindo o ar entrar e sair pelas narinas ou o movimento do abdômen.
- Perceba o ritmo natural da respiração, acolhendo o ar que entra e o ar que sai, sem forçar ou controlar.
- Tome consciência de qualquer pensamento ou distração que surgir, reconheça sua presença sem julgamento.
- Gentilmente, redirecione a atenção para a respiração toda vez que perceber que a mente se dispersou.
- Mantenha-se focado na respiração com uma atitude de curiosidade, observando sensações corporais associadas.
- Aos poucos, expanda o foco para o corpo inteiro, percebendo a conexão entre a respiração e sensações físicas presentes.
- Finalize a prática trazendo uma respiração profunda, abrindo os olhos lentamente, e percebendo o estado atual do corpo e da mente antes de retomar as atividades.”
Prática de 5 a 10 minutos – Escaneamento Corporal Breve
Objetivo:
Promover reconexão corpo-mente e propriocepção.
Instruções:
- “Se for confortável, feche os olhos ou suavize o olhar…
- Comece percebendo o contato dos pés com o chão…
- Apenas sinta o apoio e a temperatura…
- Leve a atenção para as pernas, percebendo se há tensão ou conforto.
- Agora, observe o quadril e a região lombar, sentindo o apoio da cadeira…
- Passe para o abdômen, percebendo o movimento suave da respiração…
- Leve a atenção ao peito, aos ombros… se notar tensão, permita que se suavizem…
- Sinta os braços e mãos, percebendo peso, temperatura e textura do que tocam.
- Por fim, leve a atenção ao rosto, percebendo mandíbula, olhos e testa, relaxando suavemente essas áreas…
- Respire fundo… e abra os olhos quando se sentir pronto(a), percebendo como está agora.”
Manejo de dificuldades durante a condução
Durante a condução das práticas de mindfulness em sessão, é comum que surjam dificuldades como desconexão, irritação ou resistência por parte do paciente. Nesses momentos, o terapeuta deve estar atento às reações e adaptar a intervenção, buscando manter a segurança emocional e a continuidade do processo terapêutico. Caso o paciente se desconecte, recomenda-se normalizar a dificuldade, interromper a prática se necessário e propor uma intervenção mais curta ou com âncoras mais concretas, como a respiração ou o contato corporal. Quando há sinais de irritação, é fundamental validar os sentimentos do paciente e oferecer uma explicação clara sobre a função da prática, ajudando a reduzir expectativas de desempenho (Cebolla et al., 2017; Taylor et al., 2022).
Para pacientes com histórico de trauma ou dissociação, a atenção deve ser redobrada. Nessas situações, são preferíveis práticas que envolvam estímulos externos, como sons ou sensações corporais, e evitar a exposição prolongada a práticas introspectivas que possam gerar revivências traumáticas ou exacerbar sintomas dissociativos. O terapeuta deve limitar a duração dessas práticas e monitorar continuamente o paciente para garantir que a prática seja segura, tolerável e efetiva (Germer, Siegel & Fulton, 2015; Michalak et al., 2019).
Além disso, a introdução do mindfulness deve ser feita por meio de uma linguagem acessível, sem conotações religiosas ou espiritualizadas, que possam afastar ou confundir o paciente. Usar termos neutros como “pausa de foco” ou “exercício de atenção” e relacionar os objetivos diretamente à psicoterapia, por exemplo: “isso pode ajudar a reduzir a ansiedade e facilitar nossa conversa”, contribui para uma aceitação maior da técnica. Com respeito, flexibilidade e sensibilidade clínica, o mindfulness pode ser adaptado para atender a diferentes perfis, ampliando seu potencial terapêutico e sua eficácia na prática clínica.
Considerações finais
O mindfulness clínico deve ser compreendido como uma ferramenta de apoio dentro do processo terapêutico, e não como um fim em si mesmo. Usado de forma breve e estratégica, o mindfulness favorece o aumento da presença, a autorregulação emocional e a integração das experiências do paciente durante a sessão. Sua aplicação, quando embasada em evidências e conduzida com intenção, potencializa a participação do paciente no tratamento, promove a redução de sintomas em tempo real e prepara o terreno para abordagens terapêuticas mais profundas no decorrer da consulta. Assim, o mindfulness fortalece o processo psicoterapêutico, funcionando como um recurso valioso que complementa e enriquece o trabalho clínico dentro de um quadro integrado e fundamentado.
É importante entender que mindfulness não é uma panaceia. Assim, tanto não sana todos os problemas, quanto pode ter efeitos adversos e contraindicações (Cebolla et al., 2017; Taylor et al., 2022). Por isso é urgente que o profissional de psicoterapia que busca aplicar atenção plena em sua prática clínica busque uma formação e supervisão de qualidade, com instrutores de mindfulness certificados, e que tenha uma prática pessoal regular. Isso evita efeitos iatrogênicos e garante uma atuação ética do profissional. Ainda, a prática pessoal da atenção plena por parte do psicoterapeuta pode trazer benefícios para sua atuação clínica e para a relação terapêutica, com melhoras na qualidade da escuta clínica e na flexibilidade do profissional (Razzaque, Okoro, & Wood, 2015; Shireen et al., 2023).
Por fim, o desenvolvimento dessas habilidades enriquece o repertório do profissional, tornando-o mais sensível às necessidades singulares de cada paciente e mais apto a responder a diferentes demandas clínicas. Essa ampliação do conhecimento e das práticas fortalece a eficácia do trabalho clínico, abrindo espaço para abordagens integrativas e sustentadas por evidências científicas que visam a promoção da saúde mental de forma holística e abrangente.
Autores
Nórthon Roberto Ferreira de Mendonça (@drnorthonmendonca) é psicólogo pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Doutor e Mestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais (FERA-AL), especialista em Mindfulness e Promoção de Saúde (Mente Aberta/UNIFESP) e Instrutor Profissional de Mindfulness (Mente Aberta/UNIFESP). Desenvolve pesquisas sobre Mindfulness, Regulação Emocional, Avaliação Psicológica e Inteligência Emocional no Núcleo de Estudos em Avaliação Psicológica da UFPE (NEAP/UFPE) e no Grupo de Pesquisa Mente Aberta Mindfulness (UNIFESP). É fundador e diretor do Centro Alagoano de Mindfulness e Psicoterapias Baseadas em Evidências, onde realiza cursos, mentorias e supervisões, além do atendimento clínico individual e em grupo.
Eloha Flória Lima Santos: Psicóloga pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP. Membro do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC). Especialização em Psicologia da Saúde no Contexto Hospitalar com ênfase em Psicologia Pediátrica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP (HCFMRP-USP). Formação em Terapia Cognitivo-Comportamental e TCC para obesidade e emagrecimento.
Carmem Beatriz Neufeld: Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - FFCLRP da Universidade de São Paulo – USP e orientadora dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Psicobiologia do DP-FFCLRP-USP. Livre docente pela FFCLRP-USP. Pós-doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Doutora e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Formação em Terapia dos Esquemas pelo LaPICC-USP. Formação em Ensino e Supervisão pelo Beck Institute. Terapeuta Certificada em TCC pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas – FBTC. Psicóloga pela Universidade da Região da Campanha - URCAMP. Fundadora e coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Bolsista Produtividade do CNPq. Presidente Fundadora da Associação de Intervenções Psicossociais para Grupos - APSIG. Past-President da Federação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO. Representante do Brasil na Sociedade Interamericana de Psicologia - SIP. Ex-Presidente Fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências – AESBE. Ex-Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas - FBTC.