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O papel do fisioterapeuta na prevenção de quedas em crianças hospitalizadas

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A segurança do paciente é um pilar fundamental da assistência hospitalar, e a prevenção de quedas representa um dos seus maiores desafios, especialmente na população pediátrica. As quedas intra-hospitalares são eventos adversos frequentes que podem resultar em consequências físicas (como fraturas, traumatismos cranioencefálicos e lacerações), psicológicas (medo, ansiedade) e econômicas (aumento do tempo de internação e custos assistenciais). Em crianças, o impacto vai além: pode atrasar significativamente o processo de reabilitação, gerar desconfiança da família na instituição e impor barreiras ao desenvolvimento neuropsicomotor. Nesse contexto, o fisioterapeuta emerge como uma peça-chave. Sua atuação vai muito além da reabilitação motora; é um agente na promoção da segurança e na prevenção de eventos adversos. O fisioterapeuta possui o conhecimento aprofundado sobre biomecânica, controle postural, equilíbrio, força muscular e funcionalidade, permitindo-lhe identificar vulnerabilidades específicas de cada criança. Sua intervenção precoce e direcionada é fundamental para mitigar riscos, capacitar a criança e a família, e integrar-se à equipe multiprofissional na construção de um ambiente terapêutico seguro. Esta atuação proativa transforma o fisioterapeuta em um guardião da mobilidade segura, assegurando que a busca pela independência funcional não comprometa a integridade física do paciente pediátrico.

Avaliação de risco de quedas em pediatria

A prevenção eficaz de quedas inicia-se com uma avaliação de risco precisa e individualizada. Crianças não são "adultos em miniatura"; seus fatores de risco são dinâmicos e influenciados pela fase de desenvolvimento, pela patologia de base e pelo ambiente hospitalar. Os principais fatores de risco no ambiente hospitalar são: Intrínsecos: idade (lactentes que começam a rolar e crianças pequenas em fase de exploração são de alto risco), alterações cognitivas e de nível de consciência, déficits neurológicos (epilepsia, paralisia cerebral), déficits musculoesqueléticos (fraqueza, limitação de amplitude de movimento), alterações sensoriais (visuais e auditivas), histórico prévio de quedas e uso de medicamentos (sedativos, anticonvulsivantes, diuréticos).

Extrínsecos: Ambiente desconhecido e desorganizado, iluminação inadequada, pisos escorregadios ou irregulares, mobiliário hospitalar (camas altas, berços com grades abaixadas), presença de tubos, cateteres e sondas que podem enroscar ou limitar movimentos, e calçados inadequados (meias escorregadias, chinelos).

Diferentemente das ferramentas usadas na avaliação de adultos, não há uma escala universalmente aceita para pediatria, mas várias ferramentas validadas são utilizadas na prática clínica. A escolha deve considerar a faixa etária e as condições da criança.

Uma das mais utilizadas na população de lactentes a adolescentes e oferece uma classificação de risco (baixo, moderado, alto) é a Humpty Dumpty Fall Scale (HDFS). Avalia parâmetros como idade, sexo, diagnóstico, alterações cognitivas, fatores ambientais e história de quedas. A escala General Risk Assessment for Pediatric Fall Scale (GRAF-PIF) é validada e se concentra em fatores como desenvolvimento, equipamentos médicos e mobilidade. Para crianças com condições neurológicas ou ortopédicas, escalas específicas como a Pediatric Balance Scale (PBS) ou o Timed Up and Go (TUG) adaptado para pediatria podem ser utilizadas pelo fisioterapeuta para quantificar deficits funcionais que predispõem a quedas. Essas ferramentas avaliam a capacidade de manter o equilíbrio em diferentes tarefas, oferecendo dados objetivos para guiar a intervenção. A avaliação não é um evento único, mas um processo contínuo, pois o estado clínico e funcional da criança pode mudar rapidamente durante a internação.

Intervenções do fisioterapeuta

Com base na avaliação de risco, o fisioterapeuta implementa intervenções direcionadas para a melhora da funcionalidade e, logo, a redução no risco de queda no ambiente hospitalar. Como estratégias para melhorar o equilíbrio e a coordenação para o treinamento do controle postural já que é elemento central do processo terapêutico. O fisioterapeuta pode ensinar e supervisionar a técnica correta para levantar da cama, sentar e levantar de uma cadeira, e deambular, com ou sem auxílio de dispositivos de marcha (andadores, muletas) facilitando as mudanças de postura e transferências. Atividades em superfícies instáveis (como colchões de ar ou discos de equilíbrio) para melhorar a percepção da posição articular. Foco nos músculos do core (abdômen e lombar) e membros inferiores, fundamentais para a estabilidade e técnicas como a Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP) que podem ser empregadas para melhorar a coordenação e a resposta muscular.

O fisioterapeuta é o profissional habilitado para determinar o nível de assistência necessário para cada atividade. Ainda, poderá orientar a equipe e a família sobre o posicionamento seguro no leito, evitando que a criança role ou escorregue; instruir e praticar com a criança, familiares e equipe de enfermagem as técnicas seguras para transferências (ex.: do leito para a poltrona), definindo claramente se a criança é independente, requer supervisão ou assistência total e prescrever e ajustar corretamente andadores, muletas ou bengalas, quando necessário.

A adesão ao tratamento em pediatria é maximizada através do lúdico. O fisioterapeuta deve transformar exercícios em brincadeiras com o uso de consoles de videogame com sensores de movimento (ex.: Nintendo Wii, Xbox Kinect) para treino de equilíbrio e coordenação de forma motivadora. A criação de percursos com cones, túneis, pontes de equilíbrio e alvos para que a criança pratique marcha, agachamentos e mudanças de direção e, o uso de bolas, bambolês e brinquedos sonoros para engajar a criança em atividades que desafiam o equilíbrio e a coordenação olho-mão.

Atuação interdisciplinar

A prevenção de quedas é, por natureza, uma missão coletiva. O profissional da fisioterapia atua como um dos elementos vitais comunicação dentro da equipe. O compartilhamento do plano de mobilidade e a definição do nível de assistência necessário é parte da atuação da equipe onde a comunicação é crucial durante as discussões dos casos. São temas para a condução dos pacientes o alerta sobre os medicamentos que possam alterar o equilíbrio e atenção a liberação para a deambulação, a colaboração para garantir um estado nutricional adequado, prevenindo catabolismo proteico e perda de massa a força muscular e, o cuidado ao ambiente com pisos molhados e ambientes desorganizados.

Da mesma forma, a família é uma extensão da equipe de cuidados e o fisioterapeuta deve capacitar os cuidadores ao ensinar técnicas de mobilização, identificar sinais de fadiga ou instabilidade na criança e reforçar as orientações de segurança. Esclarecer dúvidas e garantir que a família se sinta confiante para auxiliar a criança de forma segura.

Protocolos e boas práticas hospitalares

A sistematização do cuidado por meio de protocolos é uma estratégia de alto impacto para reduzir a incidência de quedas. Algumas medidas ambientais podem ser utilizadas para reduzir quedas, como a manutenção das grades do leito/berço sempre elevadas quando a criança estiver sem supervisão direta; a garantia que campainhas, interruptores e objetos de uso frequente estejam ao alcance da criança; pisos limpos e secos, sinalizando áreas de risco, calçados antiderrapantes e fechados para deambulação e que fios e tubos sejam organizados para que as crianças não se enrolem. Evitar o repouso no leito prolongado é uma das mais poderosas estratégias de prevenção. A imobilidade leva a perda muscular, hipotensão ortostática e déficits de equilíbrio, aumentando drasticamente o risco de queda quando a criança tenta se levantar. O fisioterapeuta é condutor de protocolos de mobilização precoce, que definem metas diárias de atividade (ex.: sentar na beira do leito no 1º dia, levantar no 2º, deambular no 3º), adaptadas à condição clínica de cada paciente. Esses protocolos são associados a menores taxas de complicações, menor tempo de internação e, consequentemente, menor risco de quedas.

Conclusão

A fisioterapia desempenha um papel na segurança do paciente pediátrico hospitalizado. Sua atuação, ancorada em avaliação precisa, intervenções técnicas baseadas em evidências e integração interdisciplinar, vai muito além de tratar disfunções motoras. Ela é uma ferramenta proativa e poderosa na prevenção de um evento adverso comum e potencialmente grave: a queda intra-hospitalar. Os benefícios de um programa de prevenção de quedas liderado ou fortemente influenciado pela fisioterapia extrapolam a simples ausência do trauma. Eles se refletem em uma recuperação global mais rápida e eficaz, com menor tempo de internação, maior confiança da criança e da família no processo de cuidado, preservação da funcionalidade e promoção de um ambiente terapêutico verdadeiramente seguro. Investir na atuação do fisioterapeuta neste contexto é, portanto, investir na qualidade da assistência e nos desfechos positivos para a saúde da criança hospitalizada.