Tanatopraxia: cuidados da enfermagem ao paciente pós-morte

Sabe-se que o processo da morte e do morrer tem sofrido variações, conforme o momento histórico e o contexto sociocultural no qual o homem está inserido, sendo um processo construído pela interação social entre grupos e culturas, assim como, às demais dimensões do universo. Portanto, o ser humano durante o processo de interação social pôde construir diferentes simbolismos sobre a morte.
O cadáver, símbolo da morte, passa a ser cada vez mais objeto de desconforto e, ainda que haja necessidade do ser humano de se despedir do ente por meio dos rituais fúnebres do seu corpo continue relativamente constante, passa a existir um esforço no sentido de tirar do cadáver os elementos que fazem dele, ora, um cadáver.
A cadaverização é o processo de transformação do corpo morto em cadáver, que pode ser observada por meio de três sinais, a saber: esfriamento do corpo (tanatomorfosis), observado nas primeiras três horas após a morte; rigidez cadavérica, observada na terceira e/ou quarta hora pós-morte e desidratação, sinais oftalmológicos diversos e lividez (manchas na pele), que começam a se manifestar a partir da terceira hora pós-morte e, que continuam a se desenvolvem por aproximadamente doze a quinze horas, quando o corpo entra em estado de putrefação.
Processo de morte em ambiente hospitalar
Quando o paciente internado numa unidade hospitalar morre, seu corpo é submetido ao preparo, que é uma mescla de ritual com seguimento de uma rotina e rigor técnico. Este preparo é realizado, em sua totalidade, pela equipe de Enfermagem.
No momento da morte não é comum o médico estar presente apesar de ser o responsável pela constatação formal e legal da morte. Ele faz o laudo diagnóstico e deixa o corpo aos cuidados da Enfermagem, na maioria das vezes, a primeira a presenciar o ocorrido. Constatado o óbito através de parâmetros clínicos, o passo seguinte é o preparo do corpo e aviso aos familiares. O preparo do corpo segue a rotina estabelecida, normalmente de acordo com a cultura da sociedade.
A Enfermagem, geralmente, é a primeira a lidar e
"sentir"
a morte do paciente, já que este se torna dependente de seus cuidados, que vão desde os mais banais, como escovar os dentes, até os mais complexos, principalmente quando o paciente está em estágio terminal. O aproximar do estágio terminal é detectado pelas respostas emotivas, pelos odores, pelo acúmulo de secreções, pela coloração da pele e falência progressiva de órgãos importantes.
Durante esse preparo, as cortinas são cerradas, os biombos aparecem ao redor do leito, evitando mal-estar ao paciente do lado, que muitas vezes percebe o ocorrido pela linguagem não verbal existente entre os profissionais, já que como um
"toque de mágica"
o leito se esvazia até a chegada de outro paciente. Esta postura de esconder o morto como algo
"feio",
advém da própria cultura de nossa sociedade, como descrito pelos estudiosos da área, e que, como consequência, se encontra também dentro da cultura hospitalar.
O sofrimento das pessoas que compõem a equipe de Enfermagem parece ser mascarado pelo cumprimento das rotinas. Este sofrimento decorrente do envolvimento emocional da equipe, são fatos vivenciados na unidade hospitalar e estão diretamente ligados aos valores pessoais, à história de vida e à patologia que acomete o paciente. Para ela a morte assumirá o papel de
"descanso e alívio"
do sofrimento ou ainda de
"tragédia"
, diferentemente do que julga o senso comum de
"frieza"
sobre os fatos tristes que ocorrem no dia-a-dia do hospital, pois esses trabalhadores são
"gente cuidando de gente".
Trata-se de um cotidiano árduo e é preciso ter muita sensibilidade e vários mecanismos de defesa, como estudar a psicologia, para suportá-lo, e muitas vezes, podem ser erroneamente considerados
"atos de frieza".
Não podemos esquecer que o profissional, como todo ser humano, tem suas tristezas, irritações, receio da morte, dentre outros sentimentos, devendo procurar, na medida do possível, tornar estas tensões mínimas, assegurando que suas respostas individuais não prejudiquem o paciente e seus familiares.
A Enfermagem no cuidado ao corpo sem vida
Cabe destacar que o cuidado de enfermagem pós morte, sendo prestado na última etapa do ciclo vital, está contemplado na citação do Código de Deontologia dos Profissionais de Enfermagem em seu Art. 3º, no item que trata dos Princípios Fundamentais, quando cita: "o profissional de enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos da pessoa humana em todo o seu ciclo vital, sem discriminação de qualquer natureza".
Deste modo, podemos dizer que os cuidados de enfermagem "post mortem", exigem cautela, postura, ética e, acima de tudo, respeito. Pois, para que realmente possamos prestar uma assistência de enfermagem numa visão holística da qual a morte é a última etapa, precisamos, como ponto de partida, entender que nenhum ser humano se transforma em "pacote" após a sua morte.
O preparo do corpo, na enfermagem, refere-se aos cuidados após o óbito, incluindo a higiene, o tamponamento de orifícios, a identificação e a colocação em saco ou lençol apropriado. Esse procedimento visa garantir a dignidade do paciente falecido e facilitar o transporte e manipulação do corpo.
Etapas do preparo do corpo
- Higienização:Limpeza completa do corpo, removendo sujidades e secreções.
- Tamponamento:Vedação de orifícios naturais (narinas, boca, ânus, vagina) com algodão ou material adequado, para evitar vazamentos.
- Identificação:Colocação de etiquetas com informações detalhadas sobre o paciente (nome, número de prontuário, data de nascimento, etc.) na testa do corpo, utilizando fita adesiva.
- Embalagem:Envolvimento do corpo em um lençol ou saco apropriado, geralmente impermeável, para transporte.
- Posicionamento:Colocação do corpo em posição anatômica, com os membros estendidos e o rosto voltado para cima.
- Cuidados com acessórios:Remoção de dispositivos como cateteres, sondas e acessos venosos, conforme a rotina da instituição.
- Respeito à família:Permissão para que a família se despeça do corpo, se desejado, antes do encaminhamento ao serviço funerário ou necrotério.
Importância do preparo
- Preservação da dignidade do paciente:Assegura que o corpo seja tratado com respeito e cuidado, mesmo após o óbito.
- Prevenção de complicações:O tamponamento e a higiene evitam vazamentos e odores desagradáveis, além de reduzir o risco de contaminação.
- Facilitação do transporte e manuseio:A embalagem e o posicionamento adequados do corpo facilitam o transporte e a manipulação pelo serviço funerário.
- Cumprimento de protocolos:O preparo do corpo segue protocolos estabelecidos pelas instituições de saúde, garantindo a padronização dos procedimentos.
A equipe de enfermagem é a principal responsável por realizar o preparo do corpo, seguindo as orientações e protocolos da instituição. Esse procedimento, embora possa parecer técnico, envolve aspectos éticos e de respeito ao paciente falecido e seus familiares.
A Tanatopraxia
A tanatopraxia é um conjunto de técnicas utilizadas para preparar o corpo de um falecido, visando a conservação e restauração de sua aparência para o velório. O objetivo principal é retardar o processo de decomposição, permitindo que a família e amigos se despeçam do ente querido com uma imagem mais próxima do que era em vida.
O conjunto de técnicas é usualmente dividido em 6 etapas e inclui o uso de alguns produtos específicos. A lavagem e os produtos injetados, como o formol, ajudam a evitar ou retardar o processo de decomposição do corpo. Assim, ele se mantém com um aspecto mais natural durante mais tempo durante a cerimônia do velório. Além disso, evita que ocorram incidentes durante o transporte do cadáver, como o derramamento de necrochorume.
Etapa 1: Lavagem corporal
O primeiro passo da tanatopraxia é a lavagem corporal. Nesse momento, o cadáver, principalmente a parte interna, passa por uma limpeza com germicidas. O objetivo é eliminar as bactérias que podem acelerar o processo de decomposição.
Etapa 2: Eliminação do sangue
Depois da limpeza ocorrer em toda a extensão do cadáver, ocorre a eliminação do sangue. Essa etapa é essencial para diminuir os sintomas da fase de autólise, parte da decomposição de corpos. Ou seja, evita a formação de hematomas e o esverdeamento da pele. Dessa forma, é feita uma incisão na área entre o ombro e o pescoço do falecido. Na abertura, um cano é inserido e por ele o sangue é retirado.
Etapa 3: Injeção de solução
A injeção da solução de água e formol é a etapa seguinte para entender o que é tanatopraxia. Esse fluido embalsamador é responsável por manter o estado do corpo. Assim, se torna o principal contribuinte na conservação do cadáver.
Etapa 4: Sutura das incisões
Agora, não há mais o que entrar no corpo. É hora de fechar. Nesse momento, o tanatopraxista responsável sutura as incisões abertas. Dessa forma, evita-se que fluidos indesejáveis saiam do cadáver.
Etapa 5: Massagem pelo corpo
O corpo pode passar por um processo chamado
rigor mortis
. Após a morte, o cadáver passa a ter os músculos enrijecidos. Assim, após a sutura, ocorre uma massagem no falecido. Ela serve para deixar o corpo mais natural e deve ser feita tanto no tronco quanto no rosto do morto.
Etapa 6: Vestimenta e necromaquiagem
A última etapa para deixar o corpo preparado para o transporte e velório é a colocação da vestimenta e necromaquiagem. Geralmente, a roupa é escolhida pela família. Já a necromaquiagem é feita por um profissional e deve se assemelhar ao falecido em vida. Ele pode se basear em uma foto emprestada por parentes.