Contenção física e química: ética e segurança no atendimento emergencial

Pontos principais do artigo
- Definição e contexto da contenção em saúde
- Importância da ética no cuidado emergencial
- Tipos de contenção: física e química
- Critérios para uso e alternativas não restritivas
- Procedimentos seguros e monitoramento do paciente
- Aspectos legais e direitos do paciente
- Educação e treinamento da equipe
- Conclusão
A contenção de pacientes no contexto da saúde, especialmente em situações de emergência, é uma prática que deve ser usada apenas para garantir a segurança do indivíduo e de terceiros. No entanto, trata-se de uma intervenção complexa que envolve riscos físicos, emocionais e éticos. A contenção, seja física ou química, deve sempre ser considerada uma medida extrema, utilizada apenas quando outras estratégias de manejo falharem, ou seja, como última alternativa. Neste cenário, a ética profissional, os direitos do paciente e a segurança da equipe e do próprio indivíduo devem estar no centro das decisões da equipe.
Definição e contexto da contenção em saúde
A contenção é definida como qualquer medida utilizada para limitar a mobilidade de um paciente com o objetivo de evitar danos a si ou a outros. Pode ser classificada em física, quando envolve dispositivos mecânicos ou imobilização manual, e química, quando há uso de medicamentos com o objetivo de controlar comportamentos agitados ou agressivos sem indicação terapêutica primária.
Essa prática é frequentemente observada em unidades de emergência, centros psiquiátricos, UTIs e instituições de longa permanência. Situações como surto psicótico, risco de autoextermínio, agressividade ou agitação psicomotora são algumas das condições que podem justificar a contenção, desde que respaldadas por critérios clínicos bem definidos, incluindo a prescrição médica.
O delirium está frequentemente associado à necessidade de contenção, apresentando diversos fatores de risco, como idade avançada e doenças graves. Além disso, pode estar relacionado a outras patologias psiquiátricas, agravando o prognóstico do paciente hospitalizado. Caracterizado como um distúrbio de atenção e consciência, o delirium se desenvolve de maneira aguda e pode assumir diferentes formas clínicas, tais como: hiperativa (com agitação ou agressividade), hipoativa (com redução da atividade psicomotora) ou mista.
Importância da ética no cuidado emergencial
O cuidado emergencial exige respostas rápidas e eficazes, mas isso não isenta os profissionais de considerar os princípios éticos fundamentais: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. O uso da contenção levanta dilemas éticos importantes, como o respeito à liberdade individual e a necessidade de proteger vidas.
Nesse sentido, é essencial garantir que qualquer medida coercitiva seja proporcional, justificada e temporária, sempre buscando minimizar o sofrimento do paciente. O abuso de poder, o uso punitivo da contenção ou sua aplicação sem adequada avaliação configuram violações éticas e legais.
Tipos de contenção: física e química
A contenção física envolve o uso de faixas, coletes, cintos ou até mesmo a força manual da equipe (chamado de corpo a corpo) para imobilizar o paciente. Já a contenção química utiliza medicamentos como benzodiazepínicos, antipsicóticos ou sedativos com o objetivo de controlar comportamentos de risco imediato.
Ambas as formas apresentam riscos: lesões, asfixia, trombose, reações adversas a medicamentos e traumas psicológicos. Por isso, sua aplicação deve seguir protocolos rígidos, com supervisão constante e registro detalhado em prontuário.
Medicações comumente usadas para contenção química:
É desnecessária a utilização da via endovenosa para os procedimentos de sedação quando não houver acesso venoso prévio. A utilização da via oral deve ser utilizada sempre que houver cooperação do paciente. A via intramuscular deve ser utilizada sempre que for necessária ação farmacológica rápida em pacientes não cooperativos.
Os seguintes esquemas de medicação (VO e IM) são usualmente utilizados para pacientes adultos e poderão ser repetidos, após 30 minutos da primeira aplicação, caso não tenha havido sedação adequada do paciente:
Medicação VO: Clonazepam – gotas: 2,5 mg / ml (1 gota = 0,1 mg) - 40 a 60 gotas VO + Haloperidol – gotas: 2,0 mg / ml (1 gota = 0,1 mg) - 50 a 100 gotas VO
Medicação IM: Haloperidol 01 ampola IM (1ml; 5mg) + Prometazina 01 ampola IM (2ml; 50mg)
Critérios para uso e alternativas não restritivas
A contenção só deve ser aplicada quando houver risco iminente de lesão, agressão ou fuga, e todas as alternativas menos invasivas tiverem sido tentadas sem sucesso. Técnicas de desescalada verbal, modificação ambiental e intervenção psicoterapêutica breve devem sempre preceder a contenção.
O uso de contenção deve ser autorizado por profissional habilitado, com reavaliação periódica da necessidade da medida. A duração deve ser a mínima possível, e o paciente precisa ser monitorado durante todo o tempo.
Procedimentos seguros e monitoramento do paciente
A segurança do paciente durante a contenção é responsabilidade da equipe, principalmente de enfermagem, que normalmente está mais próxima. Monitorar sinais vitais, nível de consciência, perfusão periférica e condições respiratórias durante toda a contenção é obrigatório. É recomendado ainda, manter registros completos, incluindo horário de início e término da contenção, justificativa clínica, profissionais envolvidos e reavaliações.
Durante o procedimento, é importante preservar a dignidade do paciente, evitando exposição desnecessária e mantendo uma comunicação clara sobre o que está sendo feito e por quê. Após a liberação, o paciente deve ser acolhido, e o episódio, discutido com a equipe para fins de melhoria contínua.
Aspectos legais e direitos do paciente
O uso da contenção está regulamentado por órgãos como o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A Resolução COFEN nº 427/2012, por exemplo, estabelece que a contenção deve ser documentada, justificada e realizada por equipe capacitada.
Além disso, o Código de Ética Médica e o Código de Ética de Enfermagem reforçam que o uso de meios coercitivos deve respeitar os direitos do paciente e ser fundamentado em critérios técnicos, evitando qualquer forma de abuso ou negligência (CFM, 2019). A falta de registro e justificativa pode configurar infração ética e penal.
Educação e treinamento da equipe
A formação contínua dos profissionais de saúde é fundamental para o uso seguro e ético da contenção. Treinamentos em manejo de crise, comunicação empática, escuta ativa, técnicas de desescalada e protocolos assistenciais reduzem significativamente a necessidade de contenção e aumentam a segurança da equipe.
Além do conhecimento técnico, é necessário desenvolver competências emocionais e éticas, como empatia, autocontrole e discernimento. Ambientes institucionais que promovem o cuidado humanizado e investem na formação de suas equipes tendem a apresentar menor número de contenções e melhores desfechos clínicos.
Conclusão
Vale reafirmar que as contenções física e química devem ser vistas como medidas extremas e temporárias, utilizadas apenas quando esgotadas todas as alternativas menos invasivas. Sua aplicação envolve sérios riscos físicos, psicológicos e éticos, sendo fundamental que ocorra com base em protocolos claros, acompanhamento rigoroso e respeito absoluto à dignidade do paciente.
É necessário que as instituições de saúde promovam uma cultura de cuidado humanizado, com protocolos bem definidos, auditoria contínua das práticas de contenção e investimento em educação permanente. Assim, será possível garantir um atendimento emergencial seguro, ético e centrado no paciente.