Transtorno bipolar: aspectos diagnósticos e tratamento psicoterápico
O Transtorno Bipolar (TB) é um dos transtornos mentais mais antigos no que se refere à sua identificação (Miklowitz, 2021). Nos últimos anos, embora tenha ocorrido uma ampliação do conhecimento acerca do TB, não foi identificado seu mecanismo fisiológico, não havendo total clareza da sua etiologia. Contudo, acredita-se que a interação entre múltiplos fatores genéticos, neuroquímicos e ambientais, desempenha um papel no início e na progressão do TB (Scaini et al., 2020).
Critérios diagnósticos do transtorno bipolar no DSM-5
O
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5
(American Psychiatric Association, 2014) estabelece uma subseção específica destinada ao Transtorno Bipolar e transtornos relacionados. Aqui, focaremos em Transtorno Bipolar tipo I, Transtorno Bipolar tipo II e Transtorno Ciclotímico. No primeiro, os pacientes têm episódios maníacos totalmente sindrômicos, enquanto no bipolar tipo II, os pacientes devem ter tido pelo menos um episódio depressivo maior e um episódio hipomaníaco. Por fim, de um modo geral, o Transtorno Ciclotímico envolve a presença de diversos períodos de sintomas hipomaníacos e depressivos. Ressalta-se que, para maior entendimento destes quadros patológicos, é essencial a leitura cuidadosa do referido manual (American Psychiatric Association, 2014).
- Transtorno Bipolar tipo I: Presença de pelo menos um episódio maníaco, que seja antecedido ou seguido por episódios hipomaníacos ou depressivos maiores.
- Transtorno Bipolar tipo II: Presença de pelo menos um episódio hipomaníaco atual ou anterior e o preenchimento dos critérios para um episódio depressivo maior atual ou anterior. Ademais, o indivíduo nunca deve ter tido um episódio maníaco.
- Transtorno Ciclotímico: No intervalo de pelo menos dois anos para adultos e um ano em crianças e adolescentes, estiveram presentes vários períodos com sintomas hipomaníacos que não satisfazem os critérios para episódio hipomaníaco e vários períodos com sintomas depressivos que não satisfazem os critérios para episódio depressivo maior. Ademais, durante o tempo mencionado, os sintomas hipomaníaco e depressivo estiveram presentes por, pelo menos, metade do tempo e o indivíduo não permaneceu sem os sintomas por mais do que dois meses consecutivos. Além disso, de acordo com o histórico do indivíduo, ele nunca apresentou episódio depressivo maior, maníaco ou hipomaníaco.
Diagnóstico dos episódios maníaco, hipomaníaco e depressivo
Confira a seguir os principais critérios diagnósticos para os episódios maníaco, hipomaníaco e depressivo (American Psychiatric Association, 2014).
Episódio maníaco
- Período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável.
- Aumento anormal e persistente da atividade dirigida a objetivos ou da energia.
- Duração: mínimo de uma semana e presente na maior parte do dia, quase todos os dias (ou qualquer duração, se a hospitalização se fizer necessária).
- Três (ou mais) dos seguintes sintomas (quatro se o humor é apenas irritável): autoestima inflada ou grandiosidade; redução da necessidade de sono; mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar falando; fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados; distratibilidade; aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora; e envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas.
- Prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional ou para necessitar de hospitalização a fim de prevenir dano a si mesmo ou a outras pessoas, ou existência de características psicóticas.
- O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.
Episódio hipomaníaco
- Período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável.
- Aumento anormal e persistente da atividade ou energia.
- Duração: mínimo de quatro dias consecutivos e presente na maior parte do dia, quase todos os dias.
- Três (ou mais) dos seguintes sintomas (quatro se o humor é apenas irritável): autoestima inflada ou grandiosidade; redução da necessidade de sono; mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar falando; fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados; distratibilidade; aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora; e envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas.
- O episódio está associado a uma mudança clara no funcionamento que não é característica do indivíduo quando assintomático.
- A perturbação do humor e a mudança no funcionamento são observáveis por outras pessoas.
- O episódio não é suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional ou para necessitar de hospitalização.
- Existindo características psicóticas, por definição, o episódio é maníaco.
- O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância.
Episódio depressivo
Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança em relação ao funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer.
- Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias (Obs.: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.).
- Acentuada diminuição de interesse ou prazer em todas - ou quase todas - as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias.
- Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta ou redução, ou aumento no apetite quase todos os dias (Obs.: Em crianças, considerar o insucesso em obter o ganho de peso esperado).
- Insônia ou hipersonia quase diária.
- Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias.
- Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
- Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias.
- Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão quase todos os dias.
- Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio.
- Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
- O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.
Para além de terem maior conhecimento sobre os episódios mencionados, os psicólogos e os psiquiatras necessitam de treinamento e devem ser experientes para reconhecer e diagnosticar outras condições psiquiátricas e médicas gerais que afetam o humor e que podem se confundir com os quadros de transtorno bipolar I ou II. Ademais, é preciso que coletem dados detalhados sobre o histórico do paciente sob hipótese diagnóstica de TB e de pelo menos uma pessoa próxima que conviva com ele em um tempo significativo, pois, comumente, o paciente pode não reconhecer ou não ter condições atuais de relatar os episódios de alteração do humor, pincipalmente os de hipomania e mania. Desse modo, os clínicos devem realizar uma investigação cuidadosa e detalhada dos sintomas e obter um histórico acurado (Basco, 2009a).
Para auxiliar no processo diagnóstico, você pode utilizar o livro
Entrevista clínica estruturada para os transtornos do DSM-5: SCID-5-CV versão clínica
, de First et al. (2017), e para obter maiores detalhes acerca do diagnóstico diferencial do TB, você pode utilizar o Manual de Diagnóstico Diferencial do DSM-5, de First (2015). Basco (2009) enfatizou os riscos de realizar diagnósticos incorretos, pois afetam negativamente os processos da medicação, do prognóstico e do manejo dos problemas dos pacientes, podendo intensificar o sofrimento e agravar os prejuízos nas suas vidas. Confira os erros mais comuns no diagnóstico:
1. Confundir episódio depressivo maior recorrente com reações normais às dificuldades da vida.
2. Falhar na detecção de episódios de mania ou hipomania.
3. Julgar que o paciente é portador da esquizofrenia em vez de transtorno bipolar com traços psicóticos durante episódio maníaco, misto ou depressivo maior.
Tratamento psicoterápico do transtorno bipolar
Embora o tratamento medicamentoso seja a primeira opção de tratamento para o transtorno bipolar, a psicoterapia possui relevância ao contribuir para a permanência de sintomas estáveis por longos períodos, problemas mínimos no funcionamento social após os episódios e para que se tenha vida profissional e familiar satisfatória. Para tal, ela deve incluir o ensino de habilidades para o manejo de sintomas; desenvolvimento de habilidades sociais que auxiliam no funcionamento em papéis sociais, familiares e ocupacionais; implementação de ações para aumentar a adesão à prescrição medicamentosa; aprendizagem de estratégias de enfrentamento para lidar com situações e eventos adversos, entre outros. Desse modo, psicoterapia e medicação devem ser realizadas conjuntamente a fim de promover a estabilização do humor e prevenindo recorrências (Barlow, 2023).
Entre as abordagens psicoterápicas mais utilizadas está a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que, de acordo com Özdel et al. (2021), contribui significativamente para o processo de tratamento em quatro áreas: alívio dos sintomas da doença (intervenção em episódios depressivos, disfóricos - irritáveis - e de humor elevado); melhorar a adesão ao tratamento medicamentoso; aprender sinais precoces e prevenir episódios; e tratamento de comorbidades. Geralmente, tais protocolos de TCC incluem uma média de 20 sessões seguidas de sessões de aprimoramento e, ainda segundo Özdel et al. (2021), incluem as etapas listadas a seguir.
Avaliação
Fundamentalmente, envolve as características básicas da avaliação da TCC para todos os transtornos mentais. Nesta fase, é importante que o terapeuta esclareça o diagnóstico e investigue diagnósticos adicionais, se houver (o que é obrigatório para o TB, não uma exceção). Realizar entrevistas estruturadas ou usar instrumentos padronizados pode ser útil para o clínico, principalmente quando há uma hipótese da presença de comorbidade.
Psicoeducação
Envolve explicar os sintomas do transtorno e sua natureza, além de fornecer informações gerais sobre sua etiologia e os componentes psicossociais, de forma a permitir uma ampliação da compreensão que o cliente tem sobre seu quadro patológico. Sugere-se também que o terapeuta se atenha aos princípios da entrevista motivacional, possibilitando maior probabilidade de mudança.
Intervenções específicas
A implementação de intervenções comportamentais é relevante em um protocolo da TCC para TB. Entre as ações, podem estar presentes:
a)
Monitoramento do humor: utilizado para garantir que os clientes estejam mais conscientes de suas mudanças de humor antes da aplicação de muitas técnicas cognitivas ou comportamentais.
b)
Planejamento de atividades: as intervenções comportamentais em episódios maníacos, hipomaníacos e depressivos são diferentes umas das outras. Por exemplo, podem ser utilizadas, no episódio depressivo, atividades para que o cliente reduza a evitação de ações que podem aumentar a probabilidade de reforços positivos, o que pode auxiliar na melhora do humor ou da percepção de sua autoeficácia. Por outro lado, no episódio maníaco, muitas atividades em que o cliente se engaja podem causar consequências negativas significativas a longo prazo. Desse modo, promover a diminuição da ocorrência dessas atividades pode ser uma estratégia importante.
No caso das intervenções cognitivas, elas podem não ser adequadas para situações em que o humor deprimido ou elevado é muito grave. Por exemplo, em episódios depressivos, deve-se ter cuidado na implementação, pois pode aumentar a sensação de inadequação e ruminação de certos clientes, principalmente aqueles que possuem um quadro depressivo grave. Contudo, as intervenções cognitivas são relevantes em momentos oportunos para se realizar uma reavaliação cognitiva, envolvendo a identificação, avaliação e modificação de cognições disfuncionais.
Prevenção de recaídas
De um modo geral, esta fase do tratamento deve envolver o reforçamento das técnicas cognitivas e comportamentais, bem como reforçar a psicoeducação para que o cliente identifique os primeiros sinais de episódios patológicos de humor e possa utilizar as estratégias de enfrentamento adequadas. Portanto, os profissionais que desejam atuar com clientes portadores de TB devem compreender os aspectos relacionados ao diagnóstico, prevalência, desenvolvimento e curso.
Quanto ao tratamento, uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados realizada por Chiang et al. (2017) revelou que a TCC é eficaz em diminuir a taxa de recaída e melhorar os sintomas depressivos, a gravidade da mania e o funcionamento psicossocial. Desse modo, é exigida dos terapeutas a realização de uma minuciosa avaliação e de planejamento de tratamento eficiente em decorrência da heterogeneidade do TB.
Como citar este artigo: Anjos Filho, N. C. dos & Neufeld, C. B. (2023, 26 jun.). Transtorno Bipolar: aspectos diagnósticos e tratamento psicoterápico. Blog Artmed.
Editoria de Psicologia
Editora-chefe: Carmem Beatriz Neufeld.
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).
Referências
American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (5 ed). Artmed.
Basco, M. R. (2009). Terapia cognitivo-comportamental para transtorno bipolar: guia do terapeuta (2 ed). Porto Alegre: Artmed.
Barlow, D. H. (2023). Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo (6. ed.). Artmed.
Chiang, K.-J., Tsai, J.-C., Liu, D., Lin, C.-H., Chiu, H.-L., & Chou, K.-R. (2017). Efficacy of cognitive-behavioral therapy in patients with bipolar disorder: A metaanalysis of randomized controlled trials. PLoS ONE, 12(5), e0176849.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0176849
First, M. B. (2015). Manual de Diagnóstico Diferencial do DSM-5. Porto Alegre: Artmed.
First, M. B., Williams, J. B. W., Karg, R. S., & Spitzer, R. L. (2017). Entrevista clínica estruturada para os transtornos do DSM-5: SCID-5-CV versão clínica. Artmed.
Miklowitz, D. J. (2021). Bipolar Disorder. In D. H. Barlow (Ed.), Clinical Handbook of Psychological Disorders (6 ed, pp. 480–521). The Guilford Press.
Özdel, K., Kart, A., & Türkçapar, M. H. (2021). Cognitive Behavioral Therapy in Treatment of Bipolar Disorder. Noro psikiyatri arsivi, 58(Suppl 1), S66–S76.
https://doi.org/10.29399/npa.27419
Scaini, G., Valvassori, S. S., Diaz, A. P., Lima, C. N., Benevenuto, D., Fries, G. R., & Quevedo, J. (2020). Neurobiology of bipolar disorders: A review of genetic components, signaling pathways, biochemical changes, and neuroimaging findings. Brazilian Journal of Psychiatry, 42(5), 536–551.
https://doi.org/10.1590/1516-4446-2019-073