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Ventilação não invasiva: atuação do fisioterapeuta na prática clínica

Indicações clínicas da ventilação não invasiva

A ventilação não invasiva (VNI) é um recurso muito utilizado por fisioterapeutas para apoiar o paciente sem necessidade de intubação, particularmente nas seguintes situações:

Exacerbação de DPOC com insuficiência respiratória hipercápnica (pH ≤ 7,35 e PaCO₂ elevada) e sinais clínicos de esforço ventilatório intenso, como uso de musculatura acessória, taquipneia e dispneia intensa;

Edema agudo de pulmão cardiogênico, no qual a VNI (CPAP ou BiPAP) pode reduzir a necessidade de intubação e mortalidade, atuando na melhora da oxigenação, redução da pré-carga e pós-carga cardíaca;

Pós-extubação em pacientes com DPOC, como estratégia para facilitar o desmame da ventilação invasiva, reduzindo falhas de desmame, pneumonia associada ao ventilador e mortalidade;

Outras situações selecionadas: insuficiência respiratória por pneumonia, imunossuprimidos, após cirurgia, asma, falência respiratória em doenças neuromusculares, entre outras condições.

Para o uso da VNI, seguem alguns critérios clínicos e laboratoriais para início da VNI, como: a cooperação do paciente (estar consciente, orientado, tolerância à máscara); alteração gasométrica: acúmulo de CO₂ com pH ácido (pH ≤ 7,35, idealmente entre 7,10–7,35) e/ou hipoxemia (PaO₂/FiO₂ < 200) e; sinais clínicos: dispneia moderada a grave, taquipneia (>24–25 bpm), uso de musculatura acessória, fadiga respiratória. Todavia, a estratégia ventilatório também apresenta contraindicações absolutas como: parada respiratória ou cardíaca, coma profundo, incapacidade de proteger via aérea (depuração de secreções, reflexo de tosse comprometido) ou obstrução de via aérea superior, trauma facial extenso, vômitos incontroláveis. Como contraindicações relativas, temos instabilidade hemodinâmica (choque, arritmias instáveis), agitação ou confusão mental, cirurgia facial ou gastrointestinal recente e secreções copiosas, pneumonia, obstrução parcial da via aérea.

Modos ventilatórios e parâmetros ajustados pelo fisioterapeuta

  • CPAP x BiPAP: diferenças, objetivos terapêuticos e indicações
  • Pressões iniciais, frequência respiratória, FiO₂ e outros parâmetros ajustáveis
  • Adaptação à resposta do paciente

A VNI é fornecida por máscara sobre nariz e/ou boca, sem necessidade de intubação endotraqueal. Dois modos amplamente utilizados são o CPAP (Continuous Positive Airway Pressure) e o BiPAP (Bilevel Positive Airway Pressure). O CPAP entrega uma pressão contínua positiva durante inspiração e expiração, impedindo colapso alveolar, aumentando a capacidade residual funcional (CRF), melhorando a oxigenação e reduzindo a pós-carga ventricular esquerda — por isso é especialmente útil em edema agudo de pulmão hipoxêmico. O paciente deve respirar espontaneamente. Pressões típicas começam entre 5–15 cm H₂O. O BiPAP, por sua vez, fornece duas pressões: IPAP (pressão inspiratória) e EPAP (expiratória). Isso não só mantém o que o CPAP oferece, como também reduz o trabalho respiratório e ajuda na ventilação, sendo indicado quando há hipercapnia ou fadiga respiratória, por exemplo em exacerbações de DPOC. Os ajustes iniciais geralmente são IPAP ≈ 10–12 cm H₂O e EPAP ≈ 5–7 cm H₂O, com possível incremento do IPAP a 15–20 cm H₂O conforme resposta. Os objetivos terapêuticos incluem:

  • CPAP: melhorar oxigenação, recrutar alvéolos, reduzir pós-carga (curto-circuito hemodinâmico).
  • BiPAP: além dos acima, assistir a ventilação, diminuir a PaCO₂, aliviar fadiga muscular respiratória.
  • Indicações principais: CPAP: edema agudo de pulmão, hipoxemia refratária; BiPAP: exacerbação de DPOC com retenção de CO₂, hipoventilação, pós-extubação em alto risco.
  • Parâmetros ajustáveis: Pressões iniciais: CPAP 5–10 cmH₂O; BiPAP IPAP 10–12/EPAP 5–7; FiO₂: ajustada para manter SpO₂ alvo (geralmente >90%); outros ajustes possíveis: trigger sensibility, tempos inspiratório/expiratório, tolerância a vazamentos, ciclagem — para melhorar sincronismo e conforto. Para melhor adaptação do paciente, o profissional deverá explicar o procedimento, objetivo e queixas possíveis (claustrofobia, vazamentos); iniciar com máscara leve, sem straps (“sem pressão”) para que o paciente se acostume; em seguida ajustar os straps de forma firme mas confortável, verificando vazamentos; ajustar gradualmente as pressões (2 cm incrementos), monitorando conforto, frequência respiratória, saturação, sinais vitais, gases arteriais após 1–12 horas e para o desmame, deverá intercalar períodos sem máscara e reduzir gradualmente CPAP/EPAP até <5 cmH₂O.

Tipos de interface e adequação à terapia

  • Máscara facial total, nasal e facial oronasal: vantagens e limitações
  • Escolha da interface conforme quadro clínico e colaboração do paciente
  • Cuidados com vedação, conforto e prevenção de lesões cutâneas

As interfaces de VNI mais comuns incluem máscara nasal, oronasal (ou facial oronasal) e máscara facial total. A máscara nasal, que cobre apenas o nariz, apresenta a vantagem de ser menos claustrofóbica, permitir a fala, o acesso à saliva e menor risco de aspiração. Contudo, tende a apresentar vazamentos pela boca, irritação nasal e desconforto no dorso nasal. Já a máscara oronasal (ou full-face que cobre nariz e boca) é frequentemente usada em crise respiratória aguda, pois permite boa eliminação de CO₂ e supera a resistência nasal. Porém, pode causar mais claustrofobia, dificuldade em falar, comer ou expectorar, maior resistências e risco de vazamentos e irritação ocular. A máscara facial total (total face mask), que envolve toda a face, evita pressão sobre estruturas ósseas como o dorso nasal e minimiza vazamentos, sendo útil para anatomias faciais difíceis ou risco de lesão cutânea no nariz. Entretanto, é mais claustrofóbica, dificultando fala e ingestão, além de reduzir a adaptação e uso de medicações por aerosol. A seleção deve considerar o quadro clínico (insuficiência respiratória aguda, padrão respiratório nasal vs. bucal, necessidade de ventilação protetora de área específica), a colaboração do paciente (tolerância à claustrofobia, habilidade de cooperação, comunicação), bem como aspectos anatômicos e objetivos terapêuticos. Uma vedação eficiente é essencial para evitar vazamentos, desconforto, assincronia e falência da VNI. Ajuste adequado no sistema de fixação é crucial: se frouxo, gera vazamentos; se apertado demais, promove lesões de pele. Estratégias práticas incluem: rotacionar interfaces (máscaras diferentes ou helmets), usar acolchoamento, fitas barreira ou almofadas protetoras nos pontos de maior pressão — medidas recomendadas para reduzir úlceras e melhorar a tolerância.

Monitoramento e critérios de sucesso terapêutico

  • Sinais clínicos e gasometria para avaliar eficácia da VNI
  • Avaliação da adesão do paciente e ajuste fino da terapia
  • Quando indicar escalonamento para suporte invasivo

A eficácia da ventilação não invasiva (VNI) deve ser avaliada com base em sinais clínicos (freqüência respiratória, uso de musculatura acessória, nível de conforto, taquipneia, dispneia, saturação de oxigênio) e gasometria arterial (pH, PaCO₂, PaO₂/FiO₂). Melhoras rápidas no pH (alívio da acidose respiratória) e diminuição da PaCO₂, idealmente dentro de 1 a 4 horas, são fortemente preditoras de sucesso da VNI, de acordo com as diretrizes ERS/ATS. Para avaliar a adesão do paciente à VNI, são fundamentais a observação da tolerabilidade à máscara, tempo de uso (horas/dia), conforto e presença de lesões de pressão. O ajuste fino da terapia inclui calibrar pressões inspiratória e expiratória (pressão de suporte e PEEP), além de otimizar a interface (tipo de máscara), com reavaliações clínicas e gasométricas frequentes. Quando considerar escalonamento para suporte invasivo? Sinais de falha incluem persistência ou piora da acidemia (pH < 7,30), aumento da PaCO₂, persistência da taquipneia, instabilidade hemodinâmica ou aumento da fadiga respiratória após 1–2 horas de VNI. Estudos observacionais mostram que pacientes com taquipneia persistente após 2 horas de VNI têm maior chance de necessitar intubação nas próximas 48 horas (OR ≈ 4,8)

Papel do fisioterapeuta na tomada de decisão e na equipe multiprofissional

A condução da estratégia ventilatória não invasiva (VNI) pelo fisioterapeuta envolve avaliação contínua dos parâmetros respiratórios do paciente (como frequência respiratória, esforço, saturação de oxigênio e tolerância) e ajustes individualizados nos modos e níveis de suporte ventilatório. O fisioterapeuta, com sua expertise, escolhe os modos adequados — frequentemente bilevel ou CPAP — e aplica protocolos padronizados de adaptação, reduzindo a carga de trabalho da equipe médica e incrementando a eficiência dos processos de VNI. Intervenções complementares importantes incluem técnicas de higiene brônquica, expansão pulmonar (como PEP, ciclo ativo de respiração e métodos de remoção de secreções), uso de VNI integrado a mobilização precoce, e aplicação durante exercícios, o que pode aliviar a dispneia, reduzir a fadiga muscular e melhorar o desempenho físico. Além disso, a VNI pode facilitar a limpeza das vias aéreas quando combinada com técnicas de fisioterapia respiratória, especialmente em pacientes com dificuldade para expectorar. A comunicação eficiente com a equipe médica se dá por meio de relatórios claros sobre parâmetros ventilatórios, evolução clínica, necessidade de ajustes e coordenação de cuidados. É essencial manter registros detalhados sobre os ajustes de VNI, respostas observadas, intervenções realizadas, tolerância e possíveis eventos adversos. Tais documentos garantem continuidade assistencial, embasam decisões terapêuticas e cumprem requisitos éticos e legais.

Considerações finais

A formação contínua em VNI é fundamental para fisioterapeutas, especialmente em ambientes críticos como Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Essa atualização constante permite que os profissionais aprimorem habilidades técnicas e clínicas, garantindo intervenções seguras e eficazes. A VNI, quando aplicada corretamente, pode evitar a intubação orotraqueal, reduzir complicações respiratórias e melhorar o prognóstico de pacientes com insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada. O fisioterapeuta desempenha um papel estratégico na equipe multiprofissional, colaborando com médicos, enfermeiros, nutricionistas e outros profissionais para definir protocolos individualizados e monitorar parâmetros clínicos e respiratórios. A atuação integrada favorece a transição segura da ventilação assistida para a respiração espontânea, essencial para o sucesso do desmame ventilatório. Evidências científicas respaldam a importância da formação contínua e da atuação colaborativa na VNI, destacando melhorias nos desfechos clínicos e na qualidade do cuidado.