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Análogos do GLP-1 no tratamento do DM tipo 2 e da obesidade

Os análogos do
glucagon like peptide-1
(aGLP-1) são medicamentos utilizados para o manejo do diabetes
mellitus
(DM)
tipo 2 e, mais recentemente, para obesidade.  

A história do desenvolvimento dos aGLP-1 tem origem na observação experimental de que a infusão endovenosa de glicose resulta em uma menor produção de insulina em comparação com a mesma carga de glicose administrada oralmente. Esse efeito foi batizado de efeito incretina (mediado por um suposto hormônio incretina). Essa teoria levou à investigação de hormônios liberados no trato digestivo que induziriam maior secreção de insulina.  

A partir disso, foi possível desenvolver medicamentos que mimetizam a ação ou inibiam a degradação desses "hormônios intestinais". Um destes hormônios é o
glucagon like peptide-1
, cujos análogos são foco deste texto. Farmacológicamente, eles tem ação em receptores das células ß pancreáticas, estimulando a liberação de insulina e inibindo a secreção de glucagon, além de efeitos adicionais em redução da resistência a insulina, retardo do esvaziamento gástrico e inibição do apetite. Em conjunto, esses efeitos levam a redução da glicemia e perda ponderal.  

O primeiro aGLP-1 tem uma história também muito peculiar, pois foi purificado a partir da saliva de um lagarto peçonhento nativo dos Estados Unidos.  

Atualmente, uma série de aGLP-1 estão disponíveis, e os principais em uso no Brasil são a liraglutida, semaglutida e a dulaglutida. Pela sua estrutura polipeptídica, seu uso é principalmente injetável. Entretanto, recentemente foi criada uma apresentação oral da semaglutida, já lançada no mercado naciona, com cobertura inclusive da mídia não especializada.  

Neste artigo, vamos revisar os principais usos, benefícios e riscos do tratamento com essa classe de medicamentos.   

Eficácia e uso para o manejo do DM tipo 2
 

É consenso no cuidado de pacientes com DM tipo 2 que os primeiros passos do tratamento devem ser alterações de estilo de vida (com foco na perda ponderal) e, quando não houver contraindicações, uso de metformina. Daí em diante, a adição de novos medicamentos é baseada em características do paciente, como comorbidades, custo e preferências pessoais. 

Nesta abordagem individualizada e adaptada, os aGLP-1 são recomendados para pacientes fora do alvo glicêmico com alto risco de desenvolvimento de
doença cardiovascular, necessidade de perda ponderal e/ou meta de reduzir risco de hipoglicemia
. Além desses critérios, um fator adicional e central é a
disponibilidade de recursos financeiros
, uma vez que os aGLP-1 são medicamentos não disponíveis por programas públicos e que tem custos elevados (ultrapassando R$ 500,00 ao mês).  

Por ser um tratamento injetável como a insulina, é comum a comparação desses dois fármacos. Quando comparado à adição de insulina basal em pacientes acima do alvo glicêmico, por exemplo, os aGLP-1 promovem igual ou maior redução de hemoglobina glicada com menor incidência de hipoglicemia e ainda levando a perda ponderal. 

Além disso, o uso também pode ser associado com insulina, permitindo melhora do controle glicêmico, uso de doses menores de insulina, menos hipoglicemia e menor ganho de peso. Quando consideramos a apresentação oral da semaglutida, observa-se efeitos benéficos na redução de eventos cardiovasculares, além de melhor controle glicêmico e perda ponderal.  

O benefício dos aGLP-1 em pacientes com doença cardiovascular merece especial atenção. Diversos ensaios clínicos recentes demonstraram que alguns medicamentos dessa classe (liraglutida, semaglitida oral e injetável, exenatida de liberação prolongada e albiglutida) são capazes de
prevenir eventos cardiovasculares maiores e mesmo morte por todas as causas
. Para os leitores interessados na leitura dos estudos primários, os principais estudos que mostraram os benefícios dos aGLP-1s foram LEADER, SUSTAIN-6, PIONEER 6 e Harmony (10,12–14). 

Eficácia e uso para o manejo da obesidade
 

Os aGLP-1 foram desenvolvidos para o tratamento do DM tipo 2, mas a seus efeitos no trato gastrointestinal e sua eficácia para perda ponderal fez com que eles virassem medicamentos de primeira linha para o tratamento de obesidade em pacientes com ou sem diabetes. Os dois representantes testados para esse fim foram a liraglutida e a semaglutida, sendo que apenas a primeira é reconhecida na ANVISA como medicamento para tratamento da obesidade.
São consideradas indicações para seu uso índice de massa corporal ≥ 30 kg/m2 ou  ≥ 27 kg/m2 acompanhado de complicações (como hipertensão, diabetes, dislipidemia).
Existem estudos avaliando seu uso como adjuvante para manutenção do peso pós-cirurgia bariátrica.  

Um aspecto relevante do uso desses medicamentos para perda ponderal é que as doses utilizadas para perda ponderal são maiores que as doses de tratamento para DM tipo 2: a dose alvo de liraglutida são 3 mg e da semaglutida 2,4 mg. Além disso, nos estudos avaliando esse tratamento o tratamento com dieta e atividade física era realizado em todos os pacientes. Portanto, não deve-se considerar o uso do medicamento como tratamento isolado para obesidade .  

Em termos de eficácia, a liraglutida é capaz de induzir a perda de mais de 5% do peso corporal dos pacientes tratados. Por outro lado, a semaglutida parece ter eficácica maior, levando a perda de mais de 10% do peso corporal, além de ter a vantagem de uso de dose única semanal. 

A tendência atual na literatura é a preferência pela semaglutida, apesar de sua apresentação e uso para obesidade no Brasil ainda não terem sido aprovados. Assim como no tratamento do DM tipo 2, o custo costuma ser uma limitação para seu uso, além dos efeitos adversos gastrointestinais.  

Efeitos adversos e contraindicações
 

Os aGLP-1 são hormônios polipeptídicos intestinais que agem no funcionamento gastrointestinal. Dessa forma, é esperado que a maioria dos efeitos adversos sejam relacionados a esse sistema — até
50% dos pacientes relatam náuseas, vômitos ou diarreia.
 

Náuseas
(com ou sem vômitos), em especial no início do uso, são potencialmente limitantes e motivo comum de suspensão de tratamento. Casos leves costumam ser manejados com sintomáticos, elevação mais lenta da dose e manejo expectante, uma vez que com a continuidade do tratamento tendem a ser resolvidos. Na presença de sintomas persistentes ou mais intensos, deve-se suspender o medicamento, o que ocorre em 5-10% dos pacientes. 

Pancreatite
é um potencial efeito adverso relacionado ao tratamento. Sua relação causal com essa classe de medicamentos ainda é assunto de investigação e debate. Do ponto de vista clínico, a recomendação é investigar pancreatite em pacientes que desenvolvem dor abdominal grave e persistente durante o uso e suspender o aGLP-1. Se confirmado o diagnóstico, essa classe não deve mais ser utilizada. Por outro lado, não há recomendação de monitoramento de amilase e/ou lipase em pacientes assintomáticos, uma vez que sua elevação é um evento esperado com o tratamento. A apreensão com câncer de pâncreas não foi comprovada em revisões sistemáticas, mas é ponto de monitoramento constante de agências regulatórias. 

Outros eventos adversos possíveis são reações de
hipersensibilidade, angioedema e anafilaxia
; todas consideradas raras. R
eações no local de aplicação
podem acontecer em até 10% dos pacientes e ser evitadas através do rodízio no local de aplicação. Exenatida pode causar trombocitopenia imune. 

No processo de desenvolvimento dessas moléculas, observou-se a ocorrência  de
neoplasia medular de tireoide
em experimentos com roedores. Trata-se de uma neoplasia rara, responsável por menos de 10% dos cânceres de tireoide. Esse risco não foi confirmado em estudos em humanos, e o risco populacional é muito baixo. Entretanto, há a recomendação formal de não se usar o medicamento em pessoas com história pessoal ou familiar de neoplasia medular de tireoide (esporádico ou associado à neoplasia endócrina múltipla tipo 2)  

Por fim, são recomendações para o uso de aGLP-1: 

  • Não utilizar em pacientes com história pessoal de pancreatite ou história pessoal ou familiar de câncer medular de tireóide ou neoplasia endócrina múltipla tipo 2; 
  • Não utilizar em gestantes ou nutrizes; 
  • Uso com cuidado em pacientes com gastroparesia, náusea crônica, doenças da via biliar e procedimentos gástricos com redução do esvaziamento; 
  • Em pacientes com retinopatia diabética proliferativa, semaglutida deve ser utilizada com cuidado e com aumento de doses graduais, em função de relatos de progressão rápida da retinopatia. 

Resumo
 

  • Os aGLP-1 são uma classe de medicamentos que atuam promovendo e facilitando a ação da insulina, reduzindo o esvaziamento gástrico e promovendo a saciedade. Se baseiam no efeito incretina de hormônios gastrointestinais.  
  • No tratamento do DM tipo 2 estão associados com potente redução da HbA1c, bem como redução de eventos cardiovasculares e morte por todas as causas. São considerados a primeira opção para tratamento injetável nessa população. O custo é uma das principais limitações para sua adoção. 
  • Para o manejo da obesidade, os aGLP-1 são capazes de promover perda ponderal de > 5% do peso corporal na maioria dos pacientes e mais de 10% em uma fração significativa. Seu uso deve ser associado com outra intervenções para o manejo da obesidade, em especial dieta e exercício físico. As apresentações para manejo da obesidade tem doses diferentes das recomendadas para o tratamento do DM tipo 2. 
  • Os principais efeitos adversos acometem o trato digestivo, em especial náuseas, vômitos e diarreia. As apreensões com risco de neoplasia tireoidiana e pancreática não foram confirmadas em estudos em humanos, mas seguem sendo monitoradas.