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Paralisia de Bell: história natural, diagnósticos diferenciais e tratamento

Definição e aspectos anatômicos e funcionais 

A paralisia de Bell é uma paralisia subaguda e idiopática do nervo facial, na sua porção periférica. Na tentativa de evitar epônimos, também é chamada de
paralisia idiopática do nervo facial
, porém preferimos neste texto o nome
paralisia de Bell
, que
é o mais consagrado. Tende a ser considerada uma doença benigna e foi descrita a primeira vez cirurgião inglês Charles Bell - que também descreveu o trajeto do nervo facial (VII nervo craniano). É mais comum de acontecer em adultos jovens (entre 15 e 45 anos de idade) e tem uma incidência estimada de 30-50 casos por 100 mil pessoas. Não parece haver maior predisposição por sexo, cor de pele ou distribuição geográfica.  

O sétimo nervo facial fornece inervação motora para toda mímica da face, mas também para glandulas lacrimais e salivares (parasimpático) e para sensibilidade gustativa da língua nos dois terços anteriores. Após fazer sinapse com estruturas cerebrais superiores, o núcleo do VII forma seu nervo e sai do tronco cerebral na ponte, transita próximo ao ouvido médio por dentro do crânio, até emergir no foramen estilomastoideo (na base do crânio, atrás do pavilhão auricular); após ele passa por dentro da glandula parótida e se divide nos seus ramos. Um ponto importante para o exame clínico é que, antes de formar seu núcleo na ponte (porção supranuclear), parte das fibras motoras cruzam a linha média e se conectam com o núcleo do nervo facial contralateral. 

A paralisia de Bell é uma lesão idiopática do nervo facial; apesar disso, em alguns casos é atribuída à infecção por vírus herpes simples ou à doença de Lyme. O ponto mais comum de compressão é justamente no seu trajéto ósseo, que tem menos de 1 mm de diâmetro. Nesta postagem vamos ver a história natural do quadro (informação central para o manejo dos pacientes), aspectos diagnósticos e as opções para tratamento.  

História natural
 

No atendimento de pessoas com paralisia de Bell, é muito útil conhecer a história natural e a evolução esperada. Essas informações também são úteis na hora de suspeitar de causas secundárias. Os sintomas surgem de forma gradual e progridem em poucos dias (usualmente 3, no máximo 7 dias). Assim, em pacientes que tem instalação súbita ou que o quadro continua progredindo após a primeira semana deve-se suspeitar de causas alternativas (ver a seguir). Dentro de 3 semanas, 85% das pessoas vão apresentar melhor do quadro, mesmo que parcial; se não houver nenhuma melhora em 4 meses, outras hipóteses também devem ser consideradas. De forma semelhante, 70% tem recuperação completa espontânea e somente 4% ficam com sequelas graves. 

A maioria dos pacientes tem sintomas unilaterais, mas alguns pacientes podem ter sintomas bilaterais. Os relatos são pouco claros quanto a frequência deste tipo de apresentação; as maiores estimativas indicam que até 20% dos pacientes tem acometimento nas duas hemifaces. De uma forma ou de outra, nestes casos, deve-se pensar em causas secundárias. Quanto à recorrência, parece ocorrer em 10-15% das pessoas e é bastante tardia (mediana de tempo é 10 anos). Também, por ser evento raro, na recorrência causas alternativas devem ser consideradas.  

Como já vimos na introdução, não existe um perfil demográfico claro para a ocorrência de paralisia de Bell. Apesar disso, alguns fatores de risco são conhecidos. Gestação parece ser o fator mais claro, com risco três vezes maior em mulheres grávidas. Diabetes
mellitus
também parece ser fator de risco para esta neuropatia. De forma curiosa, COVID-19 (tanto infecção primária, quanto vacinação) não está associada com maior risco de ocorrência.   

Diagnóstico e diagnóstico diferencial
 

O quadro clínico da paralisia de Bell é relacionado ao comprometimento da função do VII nervo craniano. Dessa forma, o que domina o quadro são os sintomas de paresia ou paralisia da musculatura facial do lado acometido. Os sintomas se instalam progressivamente, com perda dos vincos e marcas da mímica (inclusive apagamento do sulco naso-labial) e queda do ângulo da boca. Aqui um ponto merece destaque: por se tratar de uma paralisa periférica, que acomente o nervo após o cruzamento de fibras que ocorre no tronco cerebral (vide introdução), há acomentimento tanto do andar interior (boca) quanto andar superior (testa e pálpebra). Essa diferenciação é fundamental, pois patologias do sistema nervoso central (usualmente mais graves) tem acomentimento apenas do andar inferior da face. Esse também é o primeiro passo da avaliação de pessoas com paralisia facial, como está apresentado na
Figura 1
.  

Figura 1.
Abordagem diagnóstica de pessoas com paralisia facial/suspeita de paralisia de Bell. Adaptado da referência 3.  

O acometimento palpebral gera dificuldade de oclusão do olho e, ao tentar o fechamento forçado ocorre a rotação do globo ocular para cima, o que é chamado de fenômeno de Bell. Os efeitos palpebrais também são relevantes pelas complicações que podem causar. A má oclusão da palpebra pode leva a exposição constante da córnea, com irritação e até mesmo ulceração. 

Para além das manifestações motoras, a porção sensitiva do nervo leva a redução da gustação (percepção de salgado, doce, azedo e amargo) e a inervação parasimpática leva a redução da salivação. Essas queixas tendem a não ser exuberantes por que o lado contralateral mantém a função. Outros sintomas que podem surgir são hiperacusia (acometimento do nervo corda do tímpano) e redução do lacrimejamento. É importante destacar que a paralisia de Bell é um quadro que pode gerar marcados efeitos psicológicos e ser gatilho para quadros depressivos, pelos efeitos que causa na imagem corporal.  

Exames complementares (laboratoriais ou de imagem) não são necessários na grande maioria dos pacientes. Eles são solicitados apenas para aqueles pacientes com manifestações atípicas em que irá se buscar diagnósticos alternativos (
Tabela 1
). A lista de diagnóstico diferenciais de neuropatia do VII é extensa, indo desde acidente vascular cerebral, até doenças ou manifestações infrequentes como sarcoidose e síndrome retroviral aguda. Como vimos, o padrão de acometimento (central x periférico) é útil para identificar causas potencialmente graves. Também é recomendável sempre inspecionar a orelha atrás de vesículas de herpes (síndrome de Ramsay-Hunt).  

 
Tabela 1.
Diagnósticos diferenciais de Paralisia de Bell. Adaptado das referências 1 e 3

Tratamento
 

Uma das principais intervenções na paralisia de Bell é garantir bons cuidados oculares para evitar danos permanentes na córnea. Assim, todos os pacientes devem ser avaliados quanto a gravidade do acometimento palpebral e capacidade de ocluir toda a esclera. Isso é avaliado pedindo para o paciente fechar o olho e observando se alguma porção da esclera fica visível. Naqueles indivíduos em que não há fechamento completo, deve-se orientar: 

  1. Uso de hidratante ocular ou lágrima artificial durante o período diurno quatro vezes ao dia. Paciente com sintomas de irritação ou ressecamento ocular persistentes devem ser direcionados para avaliação oftalmológica. 
  2. Durante a noite, uma pomada de lágrima artificial deve ser usada com clusão do olho com fita adesiva (micropore ou similar) para garantir oclusão durante todo o sono. Oclusores comerciais (usados em pós-operatório de cirurgia oftalmológica) não são boas alternativas pelo risco de fechamento incompleto da pálpebra. 

Existe controvérsia quanto à realização de fisioterapia se o paciente tiver acesso a esse recurso. Algumas evidências sugerem que há melhor recuperação funcional com a realização de exercícios faciais de reabilitação. 

Além dos cuidados oculares, a utilização de corticosteróides é a base do tratamento. Apesar da evolução ser benigna na maioria dos pacientes, eles são recomendados por aumentar a chance de recuperação completa. Recomenda-se seu uso para os pacientes com sintomas até uma semana de evolução, mas as melhores respostas são em pacientes com início mais precoce (até 3 dias). O regime padrão é utilizar prednisona 60-80 mg/dia por uma semana.  

Se o uso de corticóide está bem estabelecido, o uso de antivirais não é bem definido. Existem dados conflitantes na literatura. Assim, seu uso é recomendado apenas para pacientes com sintomas graves, definidos por: 

  • fraqueza ou assimetria marcadas ao exame; 
  • ausência de mímica na testa; 
  • fechamento ocular incompleto mesmo com esforço; 
  • boca assimétrica com esforço máximo. 

Os antivirais testados são aciclovir (400 mg 5 vezes ao dia por 10 dias) e valaciclovir (1000 mg 3 vezes ao dia por uma semana). Por fim, toxina botulínica é uma opção para pacientes com recuperação incompleta ou movimentos sincinéticos residuais.