Profilaxia de tromboembolia venosa em pacientes clínicos hospitalizados

A embolia pulmonar é uma das complicações mais frequentes em pacientes hospitalizados e representa a principal causa de morte evitável nesse contexto. Estimativas dos Estados Unidos indicam que até 100 mil pessoas morrem anualmente devido a essa condição. Além disso, estudos sugerem que entre 10% e 50% dos pacientes internados desenvolvem trombose venosa periférica durante a hospitalização. Existem poucos dados do Brasil sobre o assunto, mas um levantamento nacional sugere que muitos pacientes com indicação acabam não recebendo medidas preventivas recomendadas.
A principal causa da embolia pulmonar é a trombose venosa profunda, geralmente localizada nos membros inferiores. Esses dois eventos, a trombose venosa profunda e a embolia pulmonar, compõem o quadro clínico conhecido como tromboembolismo venoso (TEV). Aproximadamente um terço dos casos de trombose venosa profunda evolui para embolia pulmonar. Os principais determinantes da trombose foram descritos por Virchow há mais de 150 anos: estase sanguínea, lesão endotelial e hipercoagulabilidade. Esses fatores são especialmente comuns em pacientes hospitalizados e submetidos a intervenções cirúrgicas.
O TEV representa, portanto, uma carga significativa de complicações na população hospitalizada. Felizmente, existem medidas profiláticas capazes de prevenir seu aparecimento e suas complicações. Os recursos disponíveis para prevenção de TEV estão resumidos na
Tabela 1
.
Tabela 1. Opções para prevenção de tromboembolismo venoso. Adaptada da referência 3.

HIT: heparing-induced thrombocitopenia; SC: subcutâneo; TEV: tromboembolismo venosol; TFG: taxa de filtração glomerular; VO: via oral
Nesta postagem, revisaremos como prevenir TEV em pacientes hospitalizados para problemas clínicos agudos. É importante destacar que, apesar de ter um racional semelhante, o manejo de pacientes cirúrgicos apresenta diferenças e as recomendações a seguir não se aplicam para este segundo grupo.
Avaliação - risco de TEV e de sangramento
Pacientes hospitalizados por questões clínicas também tem aumento de risco de TEV. Dentro deste grupo, se destaca pelo risco ainda maior aqueles internados em unidade de terapia intensiva, com câncer ativo e acidente vascular cerebral. Além destes três subgrupos clássicos, pacientes com insuficiência cardíaca, cardiopatia isquêmica, com TEV prévio, COVID-19 também tem risco significativo de trombose.
Assim, em paciente clínicos, o primeiro passo é avaliar o risco individual de TEV. Isto pode ser realizado com calculadoras clínicas de predição de risco, como o escore de
PADUA
ou
GENEVA
. Elas dividem os pacientes em risco baixo (por volta de 0,5% de risco na internação) ou alto risco (acima de 2-3%). Alternativamente, essa estimativa de risco pode ser feito de forma qualitativa, de forma empírica, avaliando fatores de risco (como os acima, mas também sepse, imobilidade, trombofilia, entre outos). A presença de um fator de risco já é considerado suficiente.
Após a estimativa do risco de TEV na internação, deve-se avaliar o risco de sangramento. Fatores de risco incluem sangramento ativo ou hemorragia intracraniana, plano de procedimento cirúrgico nas próximas 6 a 12 horas, coagulopatia e trombocitopenia. Aqui também pode-se usar calculadora de risco (
IMPROVE Bleeding risk model
).
Integrando e selecionando estratégia para prevenção de TEV
Após a avaliação do risco de trombose e do risco de sangramento, deve-se integrar essas informações com as opções terapêuticas (
Tabela 1
) e então realizar a seleção do método de profilaxia. Frequentemente as instituições (hospitais e clínica) possuem recomendações que levam em conta as questões locais, como custo e disponibilidade. Em suma, essa decisão é individualizada para o risco do paciente e momento da internação.
Pacientes de
baixo risco
, ou seja, sem fatores de risco evidentes para TEV, não necessitam de profilaxia farmacológica. Nesta categoria temos pacientes jovens, deambulando espontenamente e com internações curtas. Para este grupo, deambulação precoce, associada ou não ao uso de métodos mecânicos, é considerada suficiente para prevenir eventos tromboembólicos.
Para pacientes com
pelo menos um fator de risco para TEV
e sem contraindicação à anticoagulação, recomenda-se o uso de profilaxia farmacológica. Essa recomendação também se aplica a indivíduos de mais
alto risco
, como aqueles em estado crítico, com câncer ativo ou após acidente vascular cerebral. O uso dos anticoagulantes deve ser realizado desde que o risco de sangramento seja baixo. A heparina de baixo peso molecular é, em geral, a opção preferencial. Ainda assim, a heparina não fracionada seja uma alternativa válida em casos de insuficiência renal ou restrições econômicas.
A
trombocitopenia induzida por heparina
(
heparing-induced thrombocitopenia
) é um evento imune, desencadeado pela exposição a heparina de baixo peso ou não fracionada. Ela limita o uso destes medicamentos e costuma ocorrer em pacientes expostos a eles durante a internação. Apesar de levar a plaquetopenia, trata-se de um estado prótrombótico. Assim, o risco de TEV é aumentado. Quando não há sangramento ativo ou plaquetopenia grave, o fondaparinux é a alternativa para profilaxia.
Já nos indivíduos com
alto risco de sangramento ou contraindicação
absoluta
ao uso de anticoagulantes, é indicado o uso de métodos mecânicos de prevenção, como compressão pneumática intermitente ou meias elásticas graduadas. Ainda assim, a transição para profilaxia farmacológica deve ser realizada assim que o risco hemorrágico for considerado controlado, geralmente dentro de 24 a 48 horas.
Por fim, a profilaxia para TEV costuma ser mantida até a alta hospitalar ou até que o paciente esteja deambulando normalmente no hospital. Extensão após a o período da hospitalização aguda não é recomendada. O uso extendido de profilaxia farmacológica é eficaz para reduzir o risco TEV, mas não reduz a mortalidade e aumenta o risco de sangramento. Assim é considerada caso a caso, para pessoas em que o risco de TEV é considerado persistentemente elevado após a alta, como idosos com câncer ativo, acamados em reabilitação após AVC.