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Apendicite aguda: abordagem diagnóstica

Apendicite aguda é definida pela inflamação do apêndice cecal. É uma das doenças cirúrgicas mais frequentes do mundo. As estimativas indicam que de 5 a 10% da população terá apendicite em algum momento na vida. Há leve preponderância em homens para a condição. A apresentação clínica é diversa, variando desde inflamação leve até quadros complicados, com perfuração e abcesso.

No manejo da doença, o diagnóstico é um passo fundamental e desafiante. Há um balanço entre realizar o diagnóstico precoce, e evitar complicações, de um lado e correr o risco de sobretratamento e aumentar o número de laparotomias desnecessárias ("laparotomias brancas") de outro lado.

Em suma, é um desafio entre sensibilidade e especificidade. Nesta postagem. revisaremos os achados clínicos, laboratoriais e radiológicos da apendicite aguda e como fazer o seu diagnóstico. Por fim, é importante destacar que o enfoque desta postagem é pacientes adultos; gestantes e crianças tem peculiaridades que escapam do escopo deste texto.

Anamnese e exame físico

A avaliação clínica é o principal recurso nos casos de apendicite, é com ela que se suspeita do diagnóstico e define-se a probabilidade deste. Com apoio de alguns escores (ver a seguir), é possível estimar a probabilidade da doença em baixa, moderada e alta. Como em várias situações da prática médica, a avaliação clínica melhora com a experiência de quem a realiza — o que não significa simplesmente mais anos de prática, mas volume de atendimento de pacientes com dor abdominal aguda.

A história clássica de apendicite é dor abdominal difusa ou periumbilical que migra em 12-24 horas para o quadrante inferior direito
. Essa descrição está presente em 50-60% dos pacientes.

Anorexia, febre baixa, náuseas e vômitos tendem a acompanhar o quadro.
Sintomas atípicos (em especial quanto a localização), sugerem variações anatômicas do apêndice cecal. Dor no flanco direito, no ângulo costo-vertebral, na região suprapúbica são possíveis manifestações alternativas. Irritação urinária ou polaciúria, dor pélvica ou testicular também podem ser manifestações de apendicite aguda.

Quanto ao exame físico, o achado mais relevante é o de
dor à descompressão súbita do ponto de maior sensibilidade
(usualmente ponto de McBurney - quadrante inferior direito). Deve-se palpar com a mão espalmada, fazendo pressão constante e profunda (deve-se comprimir o peritônio parietal contra o visceral) e manter a pressão por 30-60 segundos, período em que a dor deve ir reduzindo. Após esse período, e sem avisar o paciente, deve-se retirar a dor subitamente. É considerando positivo quando o paciente apresenta sinais claros de piora da dor com a descompressão.

Além deste teste clássico, defesa abodminal (voluntária), rigidez (involuntária), dor à percussão leve da região dolorosa, sinais de Rovsing e do psoas e piora da dor com a tosse também aumentam a probabilidade do diagnóstico de apendicite aguda.

Vale ainda destacar que alguns cirurgiões advogam por não se realizar mais a avaliação de dor à descompressão súbita, por causar dor desnecessária aos pacientes. Ainda assim, trata-se do sinal clínico com maior acurácia para o diagnóstico de apendicite aguda.

Alguns dados devem ser avaliados ativamente, pois se presentes aumentam a chance de apendicite complicada:

  • irritação peritoneal difusa no exame abodminal;
  • defesa ao exame abdominal;
  • sintomas com duração maior que 12 horas;
  • Temperatura maior que 38oC;
  • idade maior que 60 anos;
  • anorexia.

Por fim, na avaliação clínica também deve-se ficar atento a possíveis diagnósticos diferenciais. Atentar para sintomas e sinais de patologias retais e pélvicas. Em mulheres o exame ginecológico pode ser muito útil. Além disso, sempre deve-se avaliar a possibilidade de gravidez em mulheres em idade fértil.

Exames complementares

Quanto a exames complementares, recomenda-se, no mínimo, realizar coleta de hemograma, proteína C reativa (PCR) e teste de gestação para mulheres em idade fértil. Apesar de isoladamente hemograma e PCR serem inespecíficos, quando ambos estão normais, tem-se uma boa acurácia para descartar o diagnóstico (sensibilidade de 93%).

A maior discussão e dúvidas que ocorrem quanto a exames complementares é na realização e seleção do exame de imagem. Ultrassom de abdomên (do quadrante inferior esquerdo) e tomografia computadorizada (TC) de abdomên são as duas abordagens mais utilizadas. Cada uma delas tem vantagens, desvantagens e peculiaridades apresentadas a seguir.

  • Ultrassonografia:
    tem boa sensibilidades e especificidade, por volta de 85-90%, porém o maior problema é a taxa de exames indeterminados por não visualização quando o apêndice está normal. São vantagens a maior disponibilidade e baixo custo quando comparado com a TC. Pode também ser feito pelo médico assistente (se treinado - POCUS) e dispensa uso de contraste e radiação ionizante. São sinais de apendicite perda de compressibilidade e dor à compressão, espessamento e sinais de inflamação da gordura adjacente.
  • Tomografia computadorizada:
    a TC tem a melhor acurácia (sensibilidade e especificidade próximas a 95%) que o ultrassom, porém a grande vantagem é que apenas 10-20% dos pacientes com apêndices normais não são visualizados. É útil também para diagnósticos diferenciais. Suas desvantagens são uso de radiação e necessidade de contraste. Tende a ser preferido por alguns autores por que diminui a taxa de laparotomias brancas sem aumentar o risco de complicações.

Quanto a decisão de qual método selecionar, deve-se levar em conta disponibilidade, risco de exposição à radiação, e probabilidade do diagnóstico. Em suma, alguns autores sugerem iniciar a investigação com ultrassom, enquanto outros sugerem realização de tomografia sempre que disponível.

A realização imediata da TC se baseia na sua melhora acurácia, menor taxa de exames não diagnósticos e maior apoio para diagnósticos diferenciais; por outro lado, a ultrassonografia é mais disponível, dispensa o uso de contraste e, quando alterada, dispensa progredir a investigação. De uma forma geral, quando se optar por iniciar a investigação por ultrassonografia, deve-se estar atento para exames em que não se identifica o apêndice cecal e progredir a investigação (ver a seguir).

Abordagem diagnóstica e diagnósticos diferenciais

Integrar todos os aspectos clínicos e aspectos na seleção de exames de imagem, conseguindo balancear o risco de laparotomias excessivas com o risco de perdas diagnósticas, é o desafio do médico atendendo pacientes com suspeita de apendicite.

Na
Figura 1
apresentamos uma proposta de abordagem diagnóstica para apoiar esse processo decisório. Uma parte muito importante disso é o julgamento do risco de apendicite do paciente.

Figura 1.
Abordagem diagnóstica de paciente com suspeita de apendicite aguda. Adaptado das referências 2 e 3.

Abordagem diagnóstica de paciente com suspeita de apendicite aguda.

Existem escores clínicos para essa estimativa; destes, o de Alvarado é o mais famoso, mas algumas diretrizes dão preferência ao
Appendicitis Inflammatory Response
ou ao
Adult Appendicitis Score
. Eles estão apresentados na
Tabela 1
.

Eles são especialmente úteis para identificar pacientes de risco intermediário em que o exame de imagem é fundamental para reduzir a incerteza clínica. Entretanto, indepentende do escore de risco utilizado, duas questões devem ser ressaltadas. A primeira é que a impressão clínica de médicos experientes com a doença pode ser tão boa quanto o uso de escores. E a segunda é que independente da estimativa de risco, é adequado encaminhar para avaliação cirúrgica a qualquer tempo do manejo do paciente.

Tabela 1.
Escores de risco para apendicite aguda. Adaptado das referências 1, 2 e 3.

Por fim, é parte da avaliação de pacientes com suspeita de apendicite aguda a avaliação e revisão de possíveis diagnósticos diferenciais. Destaca-se o risco de infecções pélvicas em mulheres e gestação ectópica.

A
Tabela 2
apresenta uma tabela com os diagnósticos diferenciais mais comuns e dicas para cada um deles. Entretanto, esta não é uma lista exaustiva e diversos outros possíveis diagnósticos podem ser considerados em situação específicas, como cetoacidose diabética, porfiria, pneumonia e pancreatite.

Tabela 2.
Diagnósticos diferenciais de apendicite aguda. Adaptado das referências 1 e 3.

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