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Como a pandemia da Covid-19 afetou a saúde mental dos professores?

Apesar das respostas iniciais à pandemia do COVID-19 terem sido diversificadas em diferentes regiões do mundo (Tang et al., 2022), indubitavelmente, numerosas e profundas transformações ocorreram na sociedade. Muitos países adotaram medidas a fim de reduzir ou prevenir a propagação do vírus. No conjunto de ações realizadas estão inclusas a limitação ou a interrupção do funcionamento dos estabelecimentos comerciais, mudanças do local de trabalho, restrições para viagens e isolamento das pessoas em seus domicílios. De um modo geral, as providências tomadas impactaram a sociedade no campo econômico, político, cultural, social e individual (Bonotti & Zech, 2021).  

Para avaliação dos efeitos da pandemia da COVID-19, muitos estudos foram produzidos, especialmente aqueles que se dedicaram a examinar as consequências na saúde mental da população. Ao evidenciar a necessidade de políticas públicas destinadas à prevenção em saúde,  uma revisão sistemática da literatura  (Xiong et al., 2020) revelou que, em comparação ao período pré-pandemia, foi verificado um aumento nos níveis de sofrimento psicológico e estresse e nos sintomas de ansiedade e de depressão n em vários países, como Espanha, Itália, China e EUA.

Similarmente, no Brasil, as implicações da pandemia da COVID-19 na saúde mental foram expressivas, o que pode indicar a existência de uma possível crise de saúde pública. Por exemplo, Goularte et al. (2021) averiguaram que a população geral brasileira apresentava substancialmente sintomas psiquiátricos nos domínios da raiva, problemas de sono, sintomas somáticos, ansiedade e depressão. Além disso, indivíduos mais jovens, do sexo feminino, com menores níveis de escolaridade, com baixa renda familiar e que possuíam histórico de transtornos mentais tiveram maior gravidade dos sintomas ansiosos, depressivos e de estresse. 

Especificamente, uma classe trabalhadora merece destaque devido à sua atuação desafiadora e com alta responsabilidade na pandemia, os professores. Desde o fechamento de escolas e universidades no início da pandemia para mitigar a disseminação dos vírus, investigações têm revelado as repercussões na saúde mental dos educadores. Uma meta-análise (Ozamiz-Etxebarria, Mondragon, Bueno-Notivol, Pérez-Moreno, & Santabárbara, 2021) verificou que os níveis de ansiedade, depressão e estresse dos professores foram um superiores em comparação à população geral. Curiosamente, para nenhum dos problemas de saúde mental, não foram encontradas diferenças significativas no que se refere ao sexo e à idade.

Entretanto, o mesmo resultado não foi verificado para o tipo de local do trabalho. Professores que trabalhavam em escolas apresentaram maior prevalência de ansiedade e os que atuavam em universidades tiveram maior prevalência de estresse quando comparado um grupo com o outro.

No Brasil, a quantidade de estudos que avaliam a saúde mental de toda a categoria profissional durante a pandemia é insuficiente. Contudo, algumas pesquisas contribuem para um panorama mais elucidativo do estado dos professores.  Por exemplo, por meio de uma
websurvey
(Pinho et al., 2021), 1.444 professores dos níveis de ensino infantil, fundamental I e II, médio e superior da rede particular de ensino do estado da Bahia relataram altos níveis de transtornos mentais comuns (p. ex., sintomas de depressão, ansiedade e sintomas somáticos) (69,0%) e problemas de sono (84,6%). 

Ozamiz-Etxebarria et al. (2021) destacaram três fatores específicos do exercício docente que podem ter influenciado para a piora da saúde mental. Primeiramente, a percepção dos professores no que diz respeito à transição inesperada, rápida, sem poder de escolha e não planejada do ensino presencial para o virtual. Ademais, para muitos profissionais, o estabelecimento do novo modelo representou um desafio para uma parcela significativa dos profissionais, pois exigiu uma maior competência (conhecimentos, habilidades e atitudes) em relação à tecnologia, como, por exemplo, transferir conteúdos para os meios digitais ou usar adequadamente os aplicativos, ambientes virtuais e plataformas.

Consequentemente, em segundo lugar, Ozamiz-Etxebarria et al. (2021) evidenciaram a alta sobrecarga dos professores ao identificarem elementos pertinentes que a fundamenta, como o aumento no quantitativo de horas de trabalho para adaptarem-se no uso dos novos recursos de ensino, na produção de materiais com conteúdos de aprendizagem e na quantidade de tarefas domiciliares (p. ex., atividades relacionados ao cuidado das crianças e dos idosos da família), além de conciliá-las com escolas e universidades.

Por fim, outro elemento que pode refletir na saúde mental da categoria profissional de educação  é que, em diversos países, a decisão de retorno às aulas presenciais foi marcada por dúvidas, informações falsas, disputas e incertezas, principalmente acerca de incidências de infecções pelo vírus (Ozamiz-Etxebarria, Mondragon, et al., 2021).  

Desse modo, após dois anos da caracterização da COVID-19 como uma pandemia, redução do número global de novos casos de infectados e de mortes e retirada de medidas sanitárias em diversos países (Organização das Nações Unidas, 2022), o retorno ao trabalho presencial por professores escolares e universitários é uma realidade, especialmente no Brasil. Entretanto, a reabertura das instituições educacionais pode repercutir sobre a saúde mental dos profissionais da educação.

Na metanálise mencionada, Ozamiz-Etxebarria et al. (2021) enfatizaram que a mudança para o formato presencial contém particularidades com significativo potencial de influência. Entre as variáveis está a adoção de ações que colocam os professores como atores ativos para impedir ou reduzir a propagação do vírus nos estabelecimentos educacionais e a implementação do sistema híbrido de ensino (online e presencial), o que podem aumentar a sobrecarga dos professores.

Além disso, ressalta-se que muitos dos docentes irão retornar às escolas e às universidades em sofrimento psicológico e com sintomas clínicos de saúde mental. Por exemplo, no momento da reabertura de tais locais, um estudo verificou a existência de uma alta porcentagem nos sintomas de depressão, ansiedade e estresse em uma amostra de 1.633 professores espanhóis de todos os níveis de ensino (Ozamiz-Etxebarria, Berasategi Santxo, Idoiaga Mondragon, & Dosil Santamaría, 2021). 

Resultados como os das investigações citadas corroboram a necessidade de fortalecer a presença de fatores de proteção e a aplicação de intervenções específicas destinadas à saúde mental dos professores.

No primeiro grupo, entre as condições que podem reduzir os efeitos negativos sobre a saúde mental ou prevenir a ocorrência destes durante a pandemia, encontram-se determinadas condições de trabalho, como, por exemplos, os professores possuírem comunicação eficaz entre os profissionais, treinamentos direcionados às necessidades dos docentes, colaboração significativa entre os professores, expectativas realistas em relação ao trabalhado e reconhecimento do trabalho pelas pessoas de cargo superior durante a pandemia (Kraft, Simon, & Lyon, 2021).

Ademais, diversas estratégias de saúde mental têm sido recomendadas, tanto âmbito da prevenção e promoção quanto na recuperação da saúde, desde o início da pandemia da COVID-19. Especificamente, Ho, Chee e Ho (2020) sugeriram a aplicação da psicoeducação para promover o bem-estar mental e intervenções psicológicas. Entre estas, está a Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) para reestruturação de erros cognitivos referentes aos riscos de ser infectado pelo vírus e morrer, redução da manifestação de comportamentos de enfrentamento desadaptativos, ampliação do manejo de estresse, por exemplo (Ho et al., 2020).

Além disso, a Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness (MBCT) pode ser útil para reduzir níveis de estresse em pessoas com condições físicas por meio de práticas de meditação da atenção plena. Segundo os autores (Ho et al., 2020), a MBTC pode ser realizado em formato virtual e pode trazer benefícios para os pacientes que estão pelo vírus e encontram-se em isolamento, seja em unidades de saúde ou em ambientes domiciliares.  

Outras abordagens também podem contribuir para melhores resultados na saúde mental dos educadores. Por exemplo, por meio de uma revisão sistemática da leitura, García-Álvarez, Soler e Achard-Braga (2021) sugerem a realização de intervenções e ou orientações com base na Psicologia Positiva para a promoção do bem-estar psicológico de professores no contexto da pandemia de COVID-19.

Entre os direcionamentos, estão a inclusão de estratégias e práticas que envolvem inteligência emocional, empatia, assertividade e compaixão para melhorar as interações interpessoais, bem como aquelas que envolvem os pontos fortes de caráter, como gratidão, criatividade, amor pelo aprendizado, bravura, o que poderá fortalecer do uso de práticas pedagógicas reflexivas e possibilitarão o impactar positivamente no ensino e, consequentemente, no bem-estar dos professores.

Ademais, realizar ações para proporcionar o apoio institucional e uma liderança respeitosa baseada na confiança mútua e ajustada às diferentes condições de trabalho também poderá ser capaz de permitir uma maior autonomia dos docentes com decorrências possíveis que favorece a promoção da saúde e a prevenção de problemas de saúde mental (García-Álvarez et al., 2021). 

Acrescenta-se às estratégias mencionadas, a implementação de intervenções, sobretudo as preventivas, que possuem o foco em determinados problemas de saúde mental, como o estresse.

Ao se considerar que os níveis de estresse diário durante o ano letivo dos professores já eram altos em contextos de não pandemia, o que implica em uma maior probabilidade de exaustão física e emocional, afetando o desempenho profissional e a permanência na profissão (Lever, Mathis & Mayworm, 2017), é necessário que os profissionais de saúde mental, principalmente os que atuam nas instituições de ensino, como os psicólogos escolares, estejam atentos para a presença de sintomas que podem indicar uma cronicidade do estresse e a necessidade de encaminhamento para tratamentos específicos. Entre os sintomas, os professores podem apresentar: entorpecimento emocional, sentir-se “desligado”, redução ou perda de prazer nas atividades, diminuição ou falta de energia para realização de tarefas; sentimento de cinismo ou pessimismo, aumento do cansaço ou fadiga, dores, maior ocorrência do absentismo, maior frequência de quebra de regras no ambiente de trabalho, problemas de sono e dificuldade em tomar decisões ou tomar decisões ruins (Lever et al., 2017).  

Ademais, Leahy e Woodruff (2021) descrevem um modelo contemporâneo de Terapia Cognitiva do Estresse que pode ser adotado por terapeutas no tratamento de pacientes que sofrem dessa condição. Para isso, os autores enfatizam a necessidade de identificar e avaliar as especificidades que envolvem a resposta ao estresse dos indivíduos: 1) o elemento estressor que pode ser um desafio ou uma tarefa; 2) o significado do estressor; 3) a avaliação de enfrentamento que inclui a percepção da capacidade de lidar com o estressor, englobando os pensamentos automáticos, regras condicionais e suposições e crenças centrais que estão ativados; 4) reações específicas, abarcando alterações fisiológicas e emoções, por exemplo; 5) esquemas emocionais que contempla a avaliação das próprias emoções e experiências e, por fim, 6) as estratégias de enfrentamento. 

No que se refere ao último componente, Leahy e Woodruff (2021) destacaram alguns modos de lidar com o estresse que podem promover a manutenção do quadro patológico, como, por exemplo a evitação das situações e das experiências emocionais associadas ao estresse, a ruminação, a preocupação, a busca de reafirmação, o uso abusivo de substâncias, a compulsão alimentar, entre outros. Por outro lado, resumidamente, os autores sugerem que os terapeutas atuem a fim de promover a interrupção do ciclo de estresse pelos pacientes por meio da ampliação do uso das seguintes estratégias adaptativas:  

  • Aceitação da emoção: engajamento na experiência emocional sem tentativas de suprimi-la e modificá-la, com curiosidade, em busca de um aprendizado e com maior autocompaixão. 
  • Reavaliação da emoção: reconhecimento de que as emoções são temporárias, controláveis, normais e não perigosas.  
  • Reestruturação cognitiva da situação que dá origem ao estresse: avaliar e modificar os vieses de pensamentos associados ao quadro patológico. 
  • Ativação comportamental: engajamento em comportamentos específicos que estão relacionados às atividades e tarefas que são significativas e recompensadoras para o indivíduo. 
  • Resolução de problemas: uso de habilidades para lidar com problemas relacionados aos “eventos estressantes”, englobando identificar e definir o problema, elencar possíveis soluções e avaliá-las, escolher a opção apropriada e avaliar o resultado.  
  • Mindfulness/Atenção plena: aumento da consciência das experiências individuais do momento presente, sem julgamento e de modo não reativo. 
  • Relaxamento: uso de técnicas a fim de promover a redução da excitação emocional. Por exemplo, aplicação do relaxamento muscular progressivo como um meio para diminuir os níveis de estresse e ansiedade. 

Portanto, diante do cenário da pandemia da Covid-19 com altos níveis de sintomas, principalmente de ansiedade, depressão e estresse, fechamento prolongado e reabertura das escolas e universidades, imposição de mudanças no modo de trabalho com a presença do ensino remoto, adesão e vigilância às medidas sanitárias no ambiente educacional, sobrecarga profissional e pessoal, é necessário a formulação de políticas públicas de saúde que garanta o acesso dos professores ao tratamento psicológico e psiquiátrico. Além disso, é preciso que se promova saúde e previna os riscos relacionados a ela considerando fatores, como sexo, gênero, idade, renda, nível de escolaridade e tipo de local de trabalho.

Acrescenta-se a indispensabilidade de ações que envolvam a formação e o desenvolvimento profissional e de providências funcionais no âmbito das condições de trabalho. Em conjunto, sugestões como as indicadas podem impactar positivamente não somente na saúde mental dos professores, mas na qualidade do ensino ofertado a uma ampla parte da população composta por indivíduos da infância à velhice que possuem a função de serem estudantes.

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Como citar: Anjos Filho, N. C. dos & Neufeld, C. B. (2024, 15 jul.). Efeitos da Pandemia da Covid-19 sobre a saúde mental dos professores. Artmed.

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld: 
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).