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Coqueluche: diagnóstico, tratamento e quimioprofilaxia em pediatria

Nos últimos dois anos, em particular em 2024, vários países relataram aumento importante no registro de casos e óbitos por coqueluche: Colômbia, Reino Unido, Austrália, China, Estados Unidos, entre outros. Em 2022 e 2023, foram confirmados 159 e 244 casos, respectivamente. Em julho de 2024, o Ministério da Saúde (MS) emitiu a NOTA TÉCNICA CONJUNTA Nº 70/2024-DPNI/SVSA/MS, que alertava sobre o aumento global de casos de coqueluche, reforçando medidas de prevenção e controle da doença.

De acordo com o Painel Epidemiológico do Ministério da Saúde, foram notificados 6.504 casos (coeficiente de incidência: 3,06) de 2024 até 10 de janeiro de 2025 (acesso aos dados em 24/01/2025). As faixas etárias mais acometidas, em números absolutos, foram os menores de 1 ano (1.121 casos) e os adolescentes (1.534 casos). Dos 29 óbitos por coqueluche confirmados em 2024, 24 ocorreram em menores de 1 ano.

Diagnóstico da coqueluche

Principais sinais e sintomas

Os sintomas de coqueluche variam de acordo com a fase de evolução da doença, assim classificadas:

  • Fase inicial (catarral):
    começa como um resfriado comum, com sintomas leves, como febre baixa, mal-estar geral, coriza e tosse seca. Gradualmente, o quadro vai evoluindo para crises de tosse mais intensa.
  • Fase de tosse intensa (paroxística):
    geralmente é afebril ou com febre baixa, mas, em alguns casos, ocorrem vários picos de febre no decorrer do dia. A tosse se torna muito forte e incontrolável, com crises súbitas e rápidas que podem causar vômitos. Durante essas crises, a pessoa pode ter dificuldade para inspirar, apresentar rosto vermelho (congestão facial) ou azulado (cianose) e, às vezes, fazer um som agudo ao inspirar (guincho). Essa fase pode durar de duas a seis semanas.
  • Fase de recuperação (convalescença):
    a tosse começa a diminuir em frequência e intensidade, mas pode persistir por duas a seis semanas ou por até três meses. Infecções respiratórias de outra natureza, durante essa fase, podem fazer a tosse intensa (paroxismos) voltar temporariamente.

Para fins de notificação dos casos, utilizamos as definições de casos confirmados, após coletas de exames específicos, e casos suspeitos, conforme descrevemos abaixo:

Definição de caso suspeito

  • Indivíduo com menos de 6 meses de idade:
    todo indivíduo, independentemente do estado vacinal, que apresente tosse de qualquer tipo há dez dias ou mais, associada a um ou mais dos seguintes sintomas: tosse paroxística, tosse súbita incontrolável, com tossidas rápidas e curtas (cinco a dez) em uma única expiração, guincho inspiratório, vômitos pós-tosse, cianose, apneia e engasgo. 
  • Indivíduo com 6 meses de idade ou mais:
    todo indivíduo que, independentemente do estado vacinal, apresente tosse de qualquer tipo há 14 dias ou mais, associada a um ou mais dos seguintes sintomas: tosse paroxística, tosse súbita incontrolável, com tossidas rápidas e curtas (cinco a dez) em uma única expiração, guincho inspiratório, vômitos pós-tosse. Além disso, acrescenta-se à condição de caso suspeito todo indivíduo que apresente tosse, em qualquer período, com história de contato próximo com caso confirmado de coqueluche pelo critério laboratorial (vínculo epidemiológico).

A coqueluche é uma doença de notificação compulsória em todo o território nacional. Todo caso suspeito deverá ser notificado e registrado no Sistema de Informações sobre Agravos de Notificação (Sinan), devendo-se adotar medidas de controle pertinentes (vacinação de rotina e de grupos de risco, vacinação de bloqueio), assegurar o diagnóstico laboratorial, assim como monitorar as demais condições de risco. 

Métodos laboratoriais e clínicos para confirmação

Quanto ao diagnóstico laboratorial da coqueluche, a técnica da cultura para o isolamento da
B. pertussis
da secreção nasofaríngea é considerada como “padrão ouro” pelo seu alto grau de especificidade, embora sua sensibilidade seja variável, dependendo de diversos fatores, como antibioticoterapia prévia, duração dos sintomas, idade, estado vacinal, condições de transporte da amostra, tipo e qualidade dos meios de cultura utilizados. 

Outros métodos também podem ser utilizados, tais como o teste de ELISA na detecção de diferentes classes de imunoglobulinas, pesquisa de anticorpos fluorescentes (DFA) e a reação em cadeia da polimerase (PCR). Considerando a necessidade de um método rápido e de alta sensibilidade e especificidade, implantou-se, no Instituto Adolfo Lutz (IAL), o método da PCR para o diagnóstico da coqueluche, paralelamente à cultura. O uso desse método permite a detecção de um maior número de casos, especialmente quando o paciente está sendo tratado com antimicrobianos no momento da coleta da amostra.

A coleta do material de pacientes suspeitos de coqueluche deverá ser realizada, preferencialmente, no início dos sintomas característicos da doença (período catarral). A coleta deverá ser realizada antes do tratamento ou, no máximo, com três dias de antibioticoterapia.

Para auxiliar na confirmação ou descarte dos casos suspeitos, pode-se realizar os seguintes exames: 

  • Leucograma:
    no período catarral, pode ocorrer uma linfocitose relativa e absoluta, geralmente acima de 10 mil linfócitos/mm³. Os leucócitos totais no final desta fase atingem um valor, em geral, superior a 20 mil leucócitos/mm³. No período paroxístico, o número de leucócitos pode elevar-se para 30 mil ou 40 mil/mm³, associado a uma linfocitose de 60% a 80%. Nos lactentes e nos pacientes com quadro clínico mais leve, a linfocitose pode estar ausente.
  • Raio X de tórax:
    recomenda-se em menores de 4 anos, para auxiliar no diagnóstico diferencial e/ou presença de complicações. É característica a imagem de “coração borrado” ou “franjado”, porque as bordas da imagem cardíaca não são nítidas, devido aos infiltrados pulmonares.

Definição de caso confirmado

  • Critério laboratorial:
    todo caso que atenda à definição de caso suspeito de coqueluche e que tenha isolamento por cultura ou identificação por PCR de
    B. pertussis
    .
  • Critério clínico-epidemiológico:
    todo caso que atenda à definição de caso suspeito e que teve contato com caso confirmado de coqueluche pelo critério laboratorial, entre o início do período catarral e até três semanas após o início do período paroxístico da doença.
  • Critério clínico:
    para indivíduos com idade inferior a 6 meses: todo caso que cumpra os critérios de caso suspeito em menores de 6 meses e que não atenda aos critérios laboratorial e/ou clínico-epidemiológico; para indivíduos com idade igual ou superior a 6 meses: todo caso que cumpra os critérios de caso suspeito com idade igual ou superior a 6 meses e que não atenda aos critérios laboratorial e/ou clínico-epidemiológico.

Salienta-se que, ao se confirmar ou descartar o caso de coqueluche pelo critério clínico, devem-se analisar, concomitantemente, a sintomatologia, a idade, a situação vacinal, o período da tosse associado ao de transmissibilidade (21 dias), o resultado de hemograma e demais informações porventura disponíveis. Essas variáveis não são excludentes entre si. O hemograma é um exame complementar indicativo, mas não determinante na confirmação ou no descarte dos casos suspeitos de coqueluche, pois a situação vacinal pode influenciar no seu resultado.

Tratamento da coqueluche

O tratamento recomendado pelo MS é realizado com antibióticos da classe dos macrolídeos (azitromicina, claritromicina e eritromicina). Nos casos de contraindicação ao uso desses macrolídeos, recomenda-se o sulfametoxazol associado ao trimetoprim, conforme quadro abaixo:

Critérios de internação hospitalar

Lactentes jovens com quadro de apneia ou tosse paroxística apresentam indicação de hospitalização. Lembrar que recém-nascidos prematuros e crianças com doenças de base cardíaca, pulmonar, muscular ou neurológica apresentam alto risco para doença grave. As crianças menores de 1 ano frequentemente evoluem para quadros graves, necessitando de hospitalização; nas outras faixas etárias, a grande maioria dos casos pode ser tratada ambulatorialmente.

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Prevenção da transmissão da
Bordetella pertussis
e reforço vacinal

Medidas gerais para pacientes não hospitalizados

Pacientes não hospitalizados devem ser afastados de suas atividades habituais (como creche, escola ou trabalho):

  • Por pelo menos cinco dias após o início do tratamento com antimicrobiano.
  • Em casos não submetidos à antibioticoterapia, o afastamento deve ser de três semanas após o início dos paroxismos.

Quimioprofilaxia

A antibioticoterapia indicada para a quimioprofilaxia é a mesma recomendada para o tratamento (conforme Quadro 1) e está indicada para os comunicantes.

Consideram-se
comunicantes (contatos próximos)
de casos suspeitos ou confirmados de coqueluche que estejam apresentando tosse:

a) Membros da família e pessoas que vivem no mesmo domicílio (intradomiciliares), frequentam rotineiramente o local de moradia do caso ou passam a noite no mesmo quarto — como institucionalizados ou trabalhadores que compartilham o mesmo espaço físico para dormir.

b)
Contatos de alto risco (comunicantes vulneráveis)
, que não necessariamente são contatos próximos, mas foram expostos ao caso suspeito ou confirmado e apresentam risco elevado de adoecimento e de complicações pela coqueluche.

c) Comunicantes com alto potencial de transmissão a indivíduos vulneráveis, como aqueles que mantêm contato próximo (±1 metro), frequente e prolongado em ambientes como escola, trabalho ou outros contextos semelhantes, durante o período de transmissibilidade (do início do período catarral até três semanas após o início do período paroxístico).

Consideram-se comunicantes vulneráveis:

  • Crianças menores de 10 anos, não imunizadas ou com esquema vacinal incompleto (menos de três doses de vacina contendo componente pertussis);
  • Mulheres no último trimestre de gestação;
  • Pessoas com imunossupressão;
  • Pessoas com doenças crônicas graves;
  • Profissionais da saúde e pessoas que trabalham com crianças.

Tossidores identificados entre os comunicantes vulneráveis devem ser considerados casos suspeitos de coqueluche
, devendo ser notificados e tratados independentemente do resultado laboratorial. Recomenda-se a coleta de material de nasofaringe para cultura ou PCR, preferencialmente antes do início da antibioticoterapia.

Reforço vacinal em crianças e adultos próximos

A imunização é a principal medida de prevenção da coqueluche. As vacinas penta (difteria, tétano, pertussis, hepatite B e
Haemophilus influenzae
tipo b) e a tríplice bacteriana (DTP) devem ser aplicadas nas crianças,
mesmo que haja relato prévio de infecção pela doença
.

Crianças

Esquema vacinal recomendado:

  • 3 doses da vacina penta, aos 2, 4 e 6 meses de idade;
  • 2 doses de reforço com a vacina DTP, aos 15 meses e aos 4 anos de idade.

Gestantes

Recomenda-se a aplicação da vacina acelular do tipo adulto (dTpa) a cada gestação, a partir da 20ª semana. Caso a vacinação não ocorra durante a gestação, deve ser realizada no puerpério, o mais precocemente possível.

Profissionais da saúde, parteiras tradicionais e doulas

A vacina dTpa (tipo adulto) deve ser administrada a cada 10 anos.

Em junho de 2024, o PNI
ampliou, de forma excepcional
, a indicação da dTpa para:

a) Trabalhadores da saúde de serviços públicos e privados, ambulatoriais e hospitalares, que atuem em:

  • Ginecologia e obstetrícia;
  • Parto e pós-parto imediato (incluindo Casas de Parto);
  • UTIs e UCIs neonatais, convencionais e Canguru;
  • Berçários (de baixo, médio e alto risco);
  • Pediatria.

b) Doulas que acompanham a gestante durante o pré-natal, parto e pós-parto.

c) Trabalhadores de berçários e creches com atendimento a crianças de até 4 anos.

Além disso, foi recomendada a
vacinação seletiva de comunicantes de casos suspeitos ou confirmados de coqueluche
, conforme a Nota Técnica nº 92/2024 – DPNI/SVSA/MS. A vacinação seletiva deve ocorrer após avaliação da exposição e do histórico vacinal do comunicante. Se o indivíduo apresentar sintomas sugestivos da doença, a vacinação deve ser adiada até a confirmação laboratorial. Caso o exame não confirme coqueluche, a vacinação poderá ser realizada normalmente.
A administração de quimioprofilaxia não contraindica a vacinação.

Conclusão

A vigilância epidemiológica tem se mostrado essencial para monitorar as mudanças na dinâmica da coqueluche e avaliar a eficácia das vacinas. É urgente melhorar as coberturas vacinais — especialmente de crianças, gestantes e profissionais da saúde — para reduzir a ocorrência das formas graves da doença, especialmente em momentos de maior circulação da
Bordetella pertussis
.

Vacinar gestantes a partir da 20ª semana de gestação tem se mostrado a
estratégia mais eficaz para proteger recém-nascidos e lactentes
, que estão em um período de maior vulnerabilidade a complicações graves e óbito.