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Fibrilação atrial na Atenção Primária à Saúde: três perguntas comuns (e importantes)

Fibrilação atrial (FA) é definida pela presença de despolarização e consequente contração desorganizada do átrio esquerdo, que por sua vez gera resposta ventricular irregular. É a arritmia cardíaca mais comum no mundo, acometendo aproximadamente 3% das pessoas com mais de 20 anos de idade. Em função disso, é chamada de a "arritmia do clínico". Pode ser causada ou estar associada com uma série de fatores, que vão desde cardiopatias primárias e valvulopatias até doenças sistêmicas, uso de medicamentos e distúrbios eletrolíticos.

Clinicamente, costuma ser assintomática e é identificada por exame físico ou eletrocardiograma realizados de forma rotineira ou por outra indicação. Apesar disso, pode se apresentar com palpitações, taquicardia e, em pacientes com insuficiência cardíaca prévia, comprometimento da classe funcional.

Sua principal consequencia é o desenvolvimento de trombos no átrio esquerdo. Estes, por sua vez, podem embolizar para qualquer parte do corpo; o território mais acometido por esses êmbolos é o cerebral. Assim, a FA é uma das principais causas de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico no mundo. Além disso, também pode levar ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca por taquicardiomiopatia.

Seu manejo se baseia em dois pontos principais. O primeiro é o controle do risco de eventos tromboembólicos com
anticoagulação.
Como o risco de evento embólicos é semelhante, vale destacar que as decisões são iguais para FA persistente ou intermitente. O segundo é o controle de sintomas, como veremos a seguir.

Apesar de se tratar de uma situação comum na prática clínica, existem aspectos do manejo da FA que geram dúvidas frequentemente. Exploraremos nesta postagem três das principais dúvidas sobre esse assunto.

Pergunta 1: Devo fazer alguma investigação em pacientes que são diagnosticados com FA?

O diagnóstico de FA costuma ser bastante direto, através da identificação no eletrocardiograma de um ritmo ventricular irregular (intervalo RR variável) e ausência do ondas P organizadas (tradicionalmente identificado por uma linha de base oscilante, irregular). Em pessoas com diagnóstico recente de FA, alguns aspectos clínicos precisam ser avaliados nos pacientes.

O primeiro passo é revisar a história clínica e o exame físico atrás de manifestações cardiovasculares subclínicas ou que possam ter passado despercebidas na primeira avaliação.
Dispneia, dor torácica, palpitações, sinais de congestão pulmonar são os principais aspectos a serem pesquisados.
Investigação de hipertensão, diabetes, abuso de álcool, doenças pulmonares e tireoidianas deve ser feita de forma sistemática.

A partir dessas informações, deve-se solicitar exames complementares de acordo com a suspeita clínica. Para
pacientes assintomáticos e sem sinais de doença cardíaca, costuma-se recomendar no mínimo a realização de ecocardiograma
. O objetivo com este exame é identificar tamanho dos átrios, função do ventrícular, valvulopatias, hipertrofia, função diastolica e doença pericárdica; em suma, busca-se afastar cardiopatia estrutural.

Deve-se lembrar que as recomendações aqui apresentadas se referem para pacientes com FA não valvar. Pacientes com FA atribuível à valvulopatia tem recomendações peculiares e que fogem do escopo desta discussão. Quanto a
exames laboratoriais, recomenda-se hemograma completo, eletrólitos, glicemia, avaliação de função renal e tireoidiana.
Caso se identifique uma causa reversível de FA, esta causa deve ser tratada e a chance de reversão e recorrência da arritmia deve ser considerados no manejo.

Pergunta 2: Todo paciente com FA deve ser anticoagulado?

A resposta direta para esta pergunta é
"não", indica-se anticoagulação para pacientes que tenham uma relação risco-benefício favorável ao tratamento.
Ou seja, é necessário identificar pessoas em que o potencial benefício da anticoagulação (prevenir eventos trombóticos) é maior que o potencial risco da mesma (principalmente sangramentos graves).

Essa avaliação deve ser feita em todos os pacientes e começa pelo cálculo do risco de AVC e de eventos hemorrágicos com uso de anticoagulantes. O risco de AVC costuma ser feito com a ferramenta do
CHA2DS2-VASc
, que soma o número de fatores de risco e estima a probabilidade anual de eventos:

  • Para homens com pontuação ≥ 2 e mulheres ≥ 3, a recomendação é anticoagular a maioria dos pacientes.
  • Para os valores intermediários (1 em homens e 2 em mulheres), deve-se individualizar e levar em conta o fator de risco e o contexto. Por exemplo, se o fator de risco for idade, tende-se a recomendar anticoagulação; por outro lado se a pontuação for atribuível a outro fator de risco e se tratar de um episódio de FA, tende-se a observar o paciente sem anticoagulação.
  • Por outro lado, homens com escore 0 e mulheres com escore 0 ou 1, tende-se a não recomendar anticoagulação.

Após a avaliação de risco de AVC, deve-se avaliar contraindicação à anticoagulação e risco de sangramento (escore
HAS-BLED
é uma opção). Não é recomendado imediatamente contraindicar anticoagulação em pessoas com alto risco de sangramento; deve-se tentar reduzir esse risco, controlando fatores modificáveis e fazendo avaliações mais frequentes. Por fim, sempre deve-se adaptar a decisão às preferências pessoais, após conversa clara sobre riscos e opções, situação em que os escores também são úteis para apoiar a decisão.

Quanto a seleção do anticoagulante, há clara preferência pelos
anticoagulantes orais diretos
(DOACs) sobre a varfarina. Ainda assim, algumas situações deve-se utilizar a varfarina, como insuficiência renal, gravidez e válvulas mecânicas. Por fim, deve-se lembrar que o custo ainda é uma limitação para o uso de DOACs e indicação de uso de varfarina (que é parte da RENAME e, assim, está disponível gratuitamente na rede pública).

Pergunta 3: Além da anticoagulação, é necessário algum outro tratamento?

O principal ponto a ser avaliado de forma adicional à anticoagulação é se o paciente deve realizar
controle de frequência ou controle de ritmo
. O controle de frequência é buscar uma frequencia cardíaca alvo, enquanto o controle de ritmo visa anter o paciente com ritmo sinusal normal. Ambas estratégias buscam minimizar o remodelamento cardíaco e controlar sintomas de FA.

Para controle de frequência, os principais medicamentos são beta-bloqueadores e bloqueadores de canal de cálcio. Para controle de ritmo, lança-se mão de cardioversão elétrica ou química (usualmente com amiodarona).

As recomendações referentes a controle de ritmo ou frequencia estão sendo atualizadas, mudando para uma tendência maior a realizar controle de ritmo, em especial em pacientes com menos de 80 anos e com maior risco de eventos cardiovasculares. São candidatos claros a controle de ritmo pacientes com FA e:

  • sintomas persistentes apesar de controle de frequência adequada ou incapacidade de manter frequência adequada;
  • insuficiência cardíaca, especialmente pacientes com sintomas não controlados e quem o enchimento ventricular pode contribuir para melhora sintomática;
  • diagnóstico de FA recente (nos últimos 12 meses) associado com idade > 75 anos, AVC prévio ou dois fatores da lista abaixo:
  • idade > 65 anos; sexo feminino; insuficiência cardíaca; hipertensão; diabetes; hipertrofia de ventrículo esquerdo; doença arterial coronariana grave; doença renal crônica.

Deve-se destacar que o controle de ritmo não é eficaz para evitar eventos embólicos e, desta forma, a decisão de anticoagulação independe da estratégia (controle de ritmo ou frequência) escolhida.

Por fim,
fechamento do apendice atrial esquerdo e ablação da FA por cateter são terapias adicionais especializadas
que podem ser consideradas em contextos específicos (falha ao controle de frequencia com farmacoterapia, sintomas persistentes e pacientes que farão cirurgias cardíacas). Essas terapias estão discutidas em
nossa outra postagem
.

Pergunta extra: quando encaminhar o paciente com FA para atenção especializada?

Para fechar a nossa discussão sobre fibrilação atrial, uma questão muito importante é definir quando o cuidado do paciente deve ser dividido com o cardiologista. Em se tratando da arritmia mais comum nas populações, a maioria dos paciente fará tratamento com generalistas e esse manejo está dentro do escopo de atuação desses profissionais. Apesar disso, alguns pacientes é importante dividir o cuidado e a tomada de decisão com os profissionais da atenção especializada.

A decisão de encaminhar varia com o contexto de atendimento (oferta da atenção especializada, tempo de espera, sistema público ou privado, protocolos locais ou regionais). Também deve-se ter claro que em um bom número de pacientes a ideia é ter algumas visitas ao especialista para discussão e aconselhamento de manejo e, após, manter o acompanhamento com o generalista.

As principais indicações de encaminhamento foram discutidas aqui: deve-se dividir o cuidado com o
cardiologista quando há potencial indicação de controle de ritmo e cardioversão
(vide pergunta 3). Da mesma forma, é adequado encaminhar para o especialista aqueles pacientes em que se está considerando algum procedimento invasivo (ablação, fechamento do apendice atrial esquerdo). Além disso,
pacientes com fibrilação atrial por cardiopatia estrutural
também são potenciais candidatos, em especial se a cardiopatia de base não estiver adequadamente controlada.

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